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Aos dez anos Luisa tem os olhos mais expressivos que alguém pode ter. São de um castanho escuro transparente e límpido. Vivos, tão vivos que hipnotizam. Quando ela planta aquele par de lentes brilhantes sobre alguém, fique esse alguém certo de que a bateria de perguntas e respostas será contundente.
Na tarde de sábado os grandes olhos de Luisa estavam cercados por um vermelho intenso e perturbador. Faiscavam dor e buscavam com mais voracidade por respostas inconclusas. Ela roia as unhas, respirava ofegante, andava de um lado para outro e não encontrava amparo. No meio da sala, na capela mortuária, o corpo de seu pai a emoldurava.
Luisa, que sempre sabia as respostas, procurava por elas agora. Entre soluços apegava-se ao ato heróico do pai no momento da morte. Durante um naufrágio nas águas revoltas da foz do Amazonas, ele entregara um carote vazio, que certamente o manteria vivo, para duas mulheres e uma criança que não sabiam nadar. Apenas ele não chegou à margem.
Um herói anônimo como milhares que arriscam suas vidas pelo interior do Brasil, levando e buscando conhecimento. Paulo, o pai de Luisa, era desses educadores apaixonados. Varava madrugadas auxiliando outros educadores com seus planejamentos. Viajava a qualquer lugarejo longínquo para organizar escolas e orientar professores. Chamava seus alunos de “meu professor” e “minha professora”.
Apertando as mãos umas nas outras, como se procurasse, através do tato e da pressão sobre a pele e os ossos delicados, sentir-se forte, Luisa caminhava. As manchas vermelhas de choro na pele alva de seu rosto oscilavam a cada vez que ela não controlava as lágrimas. Assim ela enfrentou corajosa os rituais fúnebres e a demora nas despedidas de parentes, amigos e tantos conhecidos do professor.
Não restava a ela senão reconstruir aquele episódio para dar sossego ao seu pequeno coração. Na tarde do dia seguinte, abracei Luisa e sentei a seu lado no pátio amplo e arejado da casa verde água onde mora. Tia, sonhei com meu pai e havia dois carotes. Um ele dava para as duas professoras com a criança e o outro ele segurava e saía nadando até sumir.
Você sonhou com ele num outro plano. Lá ele nadou e chegou à margem, disse a ela. Então o espírito dele nadou num rio do outro plano e se salvou? Sim. O que ficou no rio do nosso plano foi só a matéria? Sim. Então ele está vivo mesmo, tia, Eu vi. E era tamanha a convicção em seus olhos falantes, que senti um certo embaraço com minhas próprias dúvidas. Sábia Luisa.
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Márcia Corrêa - http://novopapeldeseda.blogspot.com/
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quinta-feira, 12 de março de 2009
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