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quinta-feira, 30 de junho de 2011
Padre Inocêncio
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Foi numa noite fria e úmida, num agosto entrando, as batidas na janela me acordaram, daquele sono de começo de noite. Era o Anésio afobado e tropeçando nas palavras.
- Corre, home de Deus, o padre ficou doido, dona Lica mandou chamá na urgência. Corre, que vai acontecer uma disgrama.
Mal tive tempo de vestir a roupa, chegou o Onório, com a mesma urgência, se benzendo todo.
- O padre ficou doido, não deixa ninguém entrar na igreja. Dona Lica já chamou todo mundo. Ele acabou de rezar a missa e endoideceu, começou atirando as velas acesas no povo que rezava a novena da padroeira, enxotou todo mundo da igreja, fechou a porta e disse que só abre se o compadre for lá.
Que sandice era aquela? Por que eu? Mania tinha ele de me chamar para tudo. Às vezes por coisa à-toa lá vinha recado.
- O padre pediu p’ro senhor passar na igreja ainda hoje.
Chegava lá era só para conversar, falar da festa, da procissão ou qualquer outra coisa à-toa, quase sempre essas conversas acabavam no cigarro que ele me encomendava fazer. Sempre aquela conversa sobre anjos que eu ouvia calado. Coitado do padre Inocêncio. Seria a idade agarrando ele? Pensava, enquanto apressava o passo, deixando Anésio mais Onório para trás.
Lá chegando, a pequena multidão foi abrindo caminho, espaçando, me deixando bater na porta.
- Padre Inocêncio, estou aqui.
Nenhuma resposta. Num tempo o barulho da matraca manifestou, vindo meio de cima, como se estivesse sendo tocada em cima do andaime que o Zé do Vidro usava para trabalhar.
- Padre Inocêncio, sou eu. Abre a porta.
O grito veio em seguida.
- Arromba, Arcanjo, mas não deixa ninguém, fora você, entrar.
Arrombar aquela porta de carvalho, talhada em recortes de formão, com duas polegadas e meia de grossura? Realmente ele não estava no seu juízo. Dei a volta e entrei pela porta lateral, arrombada sem muito esforço.
- Padre Inocêncio, onde o senhor está?
- Aqui em cima, Arcanjo. Acode aqui, Arcanjo.
Padre Inocêncio estava em cima do andaime, com a matraca numa mão e um castiçal com três velas acesas na outra. Encantoava um vulto que, de longe, não distingui, só percebi o contorno na sombra. Era baixo, envergado para frente e estava trepado no alto do altar em construção. A sombra projetada na parede, pela luz tênue do castiçal, só se mexia quando o padre, receoso, tentava chegar mais perto apontando as velas em riste. Nessa hora, o efeito era assustador, o vulto não tinha mais para onde correr, padre Inocêncio dominava a situação.
- Arcanjo, é ele, está cercado o anjo ruim, o cão, peguei. Segura a vela e a matraca, não deixa ele escapar que vou buscar os paramentos e a água benta. Peguei ele agachado atrás do altar e tirei todos de dentro da igreja, esse bicho é perigoso, quando falei com ele, não respondeu e foi fugindo, pulando dentro das sombras.
O padre suava nervoso, demostrando uma agilidade quase impossível na sua idade. Enquanto ele descia do andaime, fiquei vigiando a sombra, espantado, ao mesmo tempo que tentava chegar mais perto para ver se distinguia pelo menos a fisionomia do coisa ruim. Foi no chegar o castiçal mais perto que me espantei mais ainda, o diabo não era o vulto. Nem fugir ele conseguiria, estava mais assustado que padre Inocêncio que já voltava para exorcizar o lugar com seu latim fluente.
- Padre Inocêncio, esse coitado não é o coisa ruim, é o Ditinho da Juvina, ele é surdo-mudo e ruim da idéia, deve de ter fugido da Malhada.
Ele fez o pelo sinal enquanto fui ajudando o coitado do Ditinho passar do altar para o andaime. Na porta, arrombada, o povo espiava de soslaio o medo com que o pobre diabo olhava o padre Inocêncio recolher a matraca num silêncio todo.
MQ
Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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quarta-feira, 29 de junho de 2011
Guimarães Rosa é tema de seminário na UFPA - BELÉM
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.Literatura, Língua Portuguesa, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Psicologia... Essas são apenas algumas das inúmeras áreas do conhecimento que norteiam a vasta e rica obra de um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. “Guimarães Rosa em perspectiva interdisciplinar” é o tema do IV Seminário Rosiano, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará. A programação ocorre hoje (29) e amanhã (30), no auditório do Centro de Capacitação da UFPA (Capacit).
Entre as atividades previstas estão conferências, sessões de comunicação, minicursos e lançamento de dois livros: “A contradança poética: poesia e linguagem em Cara-de-Bronze”, de Carlos Dias, e “Intérpretes do mundo-sertão: literatura e sociedade na recepção crítica de Grande Sertão: Veredas”, de Everton Teixeira. A programação completa do Seminário pode ser acessada no blog oficial do evento, no qual também está disponível para download o caderno de resumos das apresentações de trabalhos inscritos.
ABERTURA
A conferência de abertura terá como tema “Guimarães Rosa, entre o arquivo e a obra” e será ministrada pela professora convidada Maria Célia Leonel, da Universidade Estadual Paulista – Unesp. Em seguida, o professor Sílvio Holanda fala sobre “Literatura e música: Richard Wagner e a crônica de Guimarães Rosa”. Nos dois dias haverá sessões de comunicação, além dos minicursos “Guimarães Rosa e o Romance de 30” e “De repente desce um canto: Maria Bethânia interpreta Guimarães Rosa”.
Os seminários em torno da obra de Guimarães Rosa são realizados desde 2008, como parte da agenda de atividades do Projeto Estudos Estético-Recepcionais acerca da Literatura de Língua Portuguesa: Guimarães Rosa (EELLIP), coordenado pelo professor Sílvio Holanda.
“Esse é o desafio aos participantes, a análise das muitas veredas que cercam o sertão rosiano, caminhos que percorrem diferentes áreas do conhecimento”, explica.
PARTICIPE
IV Seminário Rosiano. Hoje (29) e amanhã (30), no Centro de Capacitação da UFPA (Capacit). As inscrições podem ser feitas via depósito bancário (Banco do Brasil; Ag. 3702-8; Conta corrente 409986-9); na sala 3 do Mestrado em Letras da UFPA – Campus Básico; ou ainda no primeiro dia do evento, no hall do auditório do Centro Capacit. (Diário do Pará)
Via Diário do Pará
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terça-feira, 28 de junho de 2011
Legado de Villa-Lobos será recuperado
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..Em testamento, Villa-Lobos deixou seus direitos autorais para a Academia Brasileira de Música, que fundara em 1945. Passado meio século de sua morte, nada mais justo do que a entidade se preocupar com a perpetuação desse legado. Dessa necessidade vem o projeto Villa-Lobos Digital, que tem como norte recuperar suas partituras.
Cópias dos originais, estes em papel vegetal, guardados na reserva técnica climatizada do museu que leva o nome do maior compositor brasileiro, são pautas muitas vezes com rasuras, signos quase ilegíveis e lapsos.
O trabalho, coordenado pelo maestro Roberto Duarte, especialista em sua imensa obra e vice-presidente da ABM, prevê a revisão de equívocos cometidos por Villa na avidez de transcrever os sons que imaginou, fossem por distração ou por humano esquecimento mesmo. “Quando encontrarem um acorde de sete notas, podem cortar uma delas. Não tenho tempo para fazer revisão, tenho muitas ideias para colocar no papel”, autorizou, de outra feita, o violonista Turibio Santos.
É nobre o objetivo do projeto, desenvolvido depois de anos de negociações com as editoras estrangeiras de Villa (a francesa Max Eschig ficou com cerca de70% do total): possibilitar que cada vez mais orquestras toquem sua música mundo afora. “Muitas vezes o material que chega para as orquestras está em situação precária”, conta o maestro, que se debruça sobre a herança villa-lobiana desde 1975, e já mereceu o título de seu “intérprete ideal”.
Projeto já conseguiu, via Lei Rouanet, patrocínio de R$ 550 mil para a primeira etapa (era necessário R$ 1,1 milhão a mais) e agora está em busca de mais R$ 1,9 milhão que dê conta de 12 sinfonias que ficaram de fora, além das óperas “Yerma” e “A Menina das Nuvens” e de peças isoladas. (Rio de Janeiro/ AE)
Via Diário do Pará
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FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO - RECIFE
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Lançamento de livros da Coleção Fórum Permanente na fundaj
A Fundação Joaquim Nabuco, através da Diretoria de Cultura, convida a todos para o lançamento da Coleção Fórum Permanente, a realizar-se no dia 29 de junho, as 19h na fundaj, sala João Cardoso Ayres. São livros que tratam de temas que problematizam a institucionalização da arte, seja local ou global. São eles Museu Arte Hoje; Relatos Críticos: Seminários da 27ª Bienal de SP; Modos de Representação da Bienal de SP. Martim Grossman, representante do Fórum Permanente, vai estar presente e fará um debate a respeito dos temas em questão.
Serviço
Endereço: Rua Henrique Dias, 609 - Derby - CEP 52010 -100 - Recife- PE
Informações: artes@fundaj.gov.br
Fone: (81) 30736692/ 81 30736691
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segunda-feira, 27 de junho de 2011
Cecília Meireles
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Não te Fies do Tempo nem da Eternidade
Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...
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Não te Fies do Tempo nem da Eternidade
Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...
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domingo, 26 de junho de 2011
Criação
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Fui inventado aos poucos
Assim
Meus olhos
Teu olhar inventou
Meus cabelos de algodão
Foi coisa de tuas mãos
O sol queimando um beijo
E o meu desejo
Sei quem inventou
A mentira, tiraste da minha boca
Para deixar a maciez
Que tua pele inventou
Inventaste serenidade sim
E um jeito de te amar
Sem fim
E dentro de ti
Uma parte de mim
Sei quem inventou
No meu coração
Um senso de direção
Uma amarração
Um pouco de adolescência
Num jeito de poesia
Inventaste meu cheiro
E saliências nas minhas mãos
E me inventaste
Com muita sabedoria
Tão sem idade
Tal qual eu sou
MQ
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Fui inventado aos poucos
Assim
Meus olhos
Teu olhar inventou
Meus cabelos de algodão
Foi coisa de tuas mãos
O sol queimando um beijo
E o meu desejo
Sei quem inventou
A mentira, tiraste da minha boca
Para deixar a maciez
Que tua pele inventou
Inventaste serenidade sim
E um jeito de te amar
Sem fim
E dentro de ti
Uma parte de mim
Sei quem inventou
No meu coração
Um senso de direção
Uma amarração
Um pouco de adolescência
Num jeito de poesia
Inventaste meu cheiro
E saliências nas minhas mãos
E me inventaste
Com muita sabedoria
Tão sem idade
Tal qual eu sou
MQ
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sábado, 25 de junho de 2011
Colcha de retalhos
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Não tinha a lembrança de ver antes. Aquela foi a primeira vez, dali do portão de casa, vi ele passar num cavalo baio.
Nenhuma lembrança tenho, nesse antes, no portão.
Por que não passa todo dia, como é mando dos meus olhos?
Lembro de outros olhares, outros portões, esse não.
Faz tempo ele não passa, mas o povo dele eu vejo.
Será que era uma branquinha bem novinha?
Se não passar hoje, vou perguntar na venda.
Lembrei, era magrinha, não era?
Passou, está mais bonito. Mas nem me olha.
Queria ter reparado mais nela.
Por que tenho que vê-lo com outra na festa?
E ela me queria?
Tantos anos e nunca mais passou.
Se eu soubesse!
Nossa! É ele. Depois de tanto tempo, meus olhos quase esqueceram.
Ia esperar crescer.
Ainda é bonito, mais bonito ainda.
Casava com ela.
Mas é só para os meus olhos, casou!
Como é bonita!
É viúvo? Mas tão novo. Eu o via passar, era menina ainda.
Presta atenção em mim!
Ele trabalha na venda.
- Falta alguma coisa, mãe?
É ela.
Está mais bonito que nunca. Me olhou, será que me quer?
Como é linda. Será que me quer?
- Dois metros de chita.
Que tesoura mais boa!
- Da estampada?
Ela gostou da tesoura.
Ele passando no meu portão de novo, meu Deus.
Será que me espera? Nem acredito.
É ele. Me viu.
- Tarde.
- Tarde.
- É pesado, ajudo a levar.
- Leva à tardinha.
Ela me quer.
Ele me quer.
- Tarde.
- Entra, põe em cima da mesa.
- Para você.
Meu tesouro, a tesoura cortando as sobras de pano para nossa colcha de retalhos, enquanto ele faz nosso mais novo dormir.
MQ
Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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Não tinha a lembrança de ver antes. Aquela foi a primeira vez, dali do portão de casa, vi ele passar num cavalo baio.
Nenhuma lembrança tenho, nesse antes, no portão.
Por que não passa todo dia, como é mando dos meus olhos?
Lembro de outros olhares, outros portões, esse não.
Faz tempo ele não passa, mas o povo dele eu vejo.
Será que era uma branquinha bem novinha?
Se não passar hoje, vou perguntar na venda.
Lembrei, era magrinha, não era?
Passou, está mais bonito. Mas nem me olha.
Queria ter reparado mais nela.
Por que tenho que vê-lo com outra na festa?
E ela me queria?
Tantos anos e nunca mais passou.
Se eu soubesse!
Nossa! É ele. Depois de tanto tempo, meus olhos quase esqueceram.
Ia esperar crescer.
Ainda é bonito, mais bonito ainda.
Casava com ela.
Mas é só para os meus olhos, casou!
Como é bonita!
É viúvo? Mas tão novo. Eu o via passar, era menina ainda.
Presta atenção em mim!
Ele trabalha na venda.
- Falta alguma coisa, mãe?
É ela.
Está mais bonito que nunca. Me olhou, será que me quer?
Como é linda. Será que me quer?
- Dois metros de chita.
Que tesoura mais boa!
- Da estampada?
Ela gostou da tesoura.
Ele passando no meu portão de novo, meu Deus.
Será que me espera? Nem acredito.
É ele. Me viu.
- Tarde.
- Tarde.
- É pesado, ajudo a levar.
- Leva à tardinha.
Ela me quer.
Ele me quer.
- Tarde.
- Entra, põe em cima da mesa.
- Para você.
Meu tesouro, a tesoura cortando as sobras de pano para nossa colcha de retalhos, enquanto ele faz nosso mais novo dormir.
MQ
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sexta-feira, 24 de junho de 2011
RUY GODINHO - RODA DE CHORO
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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 25.06.11
Luiz de Souza, compositor e instrumentista, nascido por volta do ano de 1865, no Estado do Ceará, será destaque no 1º bloco. Ele foi considerado um dos maiores trompetistas de sua época e freqüentava, no início do século XX, a loja de música "O Cavaquinho de Ouro", ao lado de Quincas Laranjeiras, Luiz Gonzaga da Hora, Irineu de Almeida, Juca Kallut e Villa Lobos.
No ano de 1995, Joel Nascimento lançou um disco para o Japão, um dos maiores mercados externos consumidores de choro. Foi escolhido um repertório simples e autêntico, que mostrasse os diversos ritmos tocados de forma chorada e melancólica. Nasceu o CD Joel Nascimento - Chorando de Verdade, que vai ser destaque no 2º bloco.
A delicadeza, a sutileza do choro verdadeiro e simples de Godofredo Guedes será o destaque do 3º e 4º blocos. O CD Choros de Godofredo, do instrumentista e compositor Gabriel Guedes - filho de Beto Guedes - é um resgate da obra do avô Godofredo, um luthier, artista plástico, compositor e instrumentista reverenciado em Minas Gerais.
O choro potiguar estará presente no bloco de encerramento do programa, com o som do Regional Choro & Cia. Criado em 1999, pela cantora Lucinha Lira, o Choro & Cia é um projeto cultural que tem como objetivo o resgate e a difusão do gênero no Rio Grande do Norte, com prioridade para os compositores da região.
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Rádio UEL FM, Londrina-PR, 5ªs-feiras, 22h, reprise: sábados, 13h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, 4ª feiras, 18h.
Rádio Educadora FAFIT FM, de Itararé-SP, 88,7 MHz, domingos, 8h.
Rádio Mandacaru FM, de Cedro-CE 104,9 MHz, domingos 12h.
Rádio Universidade AM, de Santa Maria-RS , 6ªs feiras, às 23h.
Rádio Universitária FM, 100,7 MHz, Viçosa-MG, domingos 10h.
Rádio Unifei AM, 1570 khZ, de Itajubá-MG, terças e sextas, 8h.
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quinta-feira, 23 de junho de 2011
quarta-feira, 22 de junho de 2011
terça-feira, 21 de junho de 2011
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Sempreteamarei
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Nunca fui chegado a entões
Nem a palavras imaculadas
Não sou formado em dificuldades
Mas te sei composta, descomposta
Sempre sucessiva nos muitos quereres
E localista por opção ou prazer
Seguindo a cartilha dum mundo
Que não esta dentro de ti
Porque também te sei
Substrato da sublimação
E ato desvergado
Por isso todateamei
Porque te sei
Livre e exata na tua beleza
Pressurosa e pungente
Sempreteamarei
MQ
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Nunca fui chegado a entões
Nem a palavras imaculadas
Não sou formado em dificuldades
Mas te sei composta, descomposta
Sempre sucessiva nos muitos quereres
E localista por opção ou prazer
Seguindo a cartilha dum mundo
Que não esta dentro de ti
Porque também te sei
Substrato da sublimação
E ato desvergado
Por isso todateamei
Porque te sei
Livre e exata na tua beleza
Pressurosa e pungente
Sempreteamarei
MQ
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domingo, 19 de junho de 2011
Toque de passagem
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Começou no Largo do Rosário, no meio da tarde, o sol marcava em riste. Na rua lateral, descendo no passo, vinham dois cavaleiros em proseio, delatando o sossego daquela hora, nem poeira os cascos dos cavalos arrancavam do chão. O ar parado, naquele mormaço quente, espantava até os cachorros para a sombra e beirais das poucas casas que iam nascendo ali.
O primeiro respingo caiu nas mãos de um dos cavaleiros que enrolava o cigarro de palha, bem na hora que ele calcava o fumo com a lâmina do canivete. Com o respingo, veio como de muito longe, o tropel parecendo boi bravo fugindo da boiada. E aí começou a chover de verdade, o barulho foi aumentando e o fedor foi consumindo o normal do cheiro do lugar. O povo começou a sair na rua sem saber o que era aquela chuva grossa, os cavalos se inquietaram e começaram a pular derrubando um dos cavaleiros, enquanto o outro mais sabido desmontou logo. O chão tremia, chegou a derrubar a parede de adobe da segunda casa da rua. As mulheres começaram a rezar e gritar:
- Acode, Antenor!
- É o fim do mundo, meu Deus!
- Calixto, tira a Duvinha da casa!
O arraial todo virou um pandemônio, era gente correndo pela rua gritando, era cachorro uivando, cavalo correndo sem o cavaleiro, as portas das casas batendo e as telhas pulando fora dos telhados. Ninguém atinava o que estava acontecendo, parecia o fim do mundo.
Com prazo de minutos, formou no começo da rua principal aquela ventania que veio subindo como um redemoinho, cegando os olhos de todos, aquele barulhão de mil bois passando desembestados e aquela catinga, num céu anuviado, marrom.
De repente passou, ficou aquele silêncio pesado e aquele cheiro, que ninguém conhecia, carregando o ar. Logo, todos começaram a se juntar na porta da igreja em orações.
O monsenhor era o mais abalado de todos devido à sujeira que escorria pela torre da igreja, recém pintada.
Passado o susto, a conversa era só sobre o acontecido, cada um fazia sua conjectura.
- Vamos examinar, parece merda, dizia o sapateiro Damim.
- É bosta de porco, completava o intendente que era dono do maior chiqueiro do Arraial, portanto, conhecia o excremento.
- Será que o vento levantou seus capados do chiqueiro, doutor Benedito? Perguntou o monsenhor.
Aquela gente toda na porta da igreja seguiu o monsenhor e o intendente até a casa deste para ver quantos porcos faltavam no chiqueiro e qual o tamanho do estrago que aquele pé de vento tinha feito.
Lá chegando, encontraram tudo no lugar, não faltava nenhum animal mas os capados se assustaram com aquela quantidade de gente.
No lusco-fusco da tarde, todos reunidos agora na porta da casa do intendente, sem entender o acontecido, um menino aponta para o começo da rua e diz:
- Olha! Outra pueira vem vino.
Todos firmaram as vistas naquela direção e viram, assustados, o poeirão. Era Tiburço mais o menino Quelé tocando a boiada. Tiburço chegou rindo.
- Da comitiva prá me esperá, gostei! Mas do cheiro não! Boa tarde, seu padre. Boa tarde, doutor Benedito. Tarde prá todos.
- Padre não, seu Tiburço, monsenhor viu! Monsenhor! Repreendeu o religioso.
- O senhor tem alguma coisa a ver com o que sucedeu aqui, perguntou o intendente.
- Não, doutor Benedito, dele passá aqui não, mas o nó no rabo fui eu quem dei, pur isso a brabeza dele.
E foi saindo, ajeitando o berrante para o toque de passagem, deixando a poeira no assombro de todos.
MQ
Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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Começou no Largo do Rosário, no meio da tarde, o sol marcava em riste. Na rua lateral, descendo no passo, vinham dois cavaleiros em proseio, delatando o sossego daquela hora, nem poeira os cascos dos cavalos arrancavam do chão. O ar parado, naquele mormaço quente, espantava até os cachorros para a sombra e beirais das poucas casas que iam nascendo ali.
O primeiro respingo caiu nas mãos de um dos cavaleiros que enrolava o cigarro de palha, bem na hora que ele calcava o fumo com a lâmina do canivete. Com o respingo, veio como de muito longe, o tropel parecendo boi bravo fugindo da boiada. E aí começou a chover de verdade, o barulho foi aumentando e o fedor foi consumindo o normal do cheiro do lugar. O povo começou a sair na rua sem saber o que era aquela chuva grossa, os cavalos se inquietaram e começaram a pular derrubando um dos cavaleiros, enquanto o outro mais sabido desmontou logo. O chão tremia, chegou a derrubar a parede de adobe da segunda casa da rua. As mulheres começaram a rezar e gritar:
- Acode, Antenor!
- É o fim do mundo, meu Deus!
- Calixto, tira a Duvinha da casa!
O arraial todo virou um pandemônio, era gente correndo pela rua gritando, era cachorro uivando, cavalo correndo sem o cavaleiro, as portas das casas batendo e as telhas pulando fora dos telhados. Ninguém atinava o que estava acontecendo, parecia o fim do mundo.
Com prazo de minutos, formou no começo da rua principal aquela ventania que veio subindo como um redemoinho, cegando os olhos de todos, aquele barulhão de mil bois passando desembestados e aquela catinga, num céu anuviado, marrom.
De repente passou, ficou aquele silêncio pesado e aquele cheiro, que ninguém conhecia, carregando o ar. Logo, todos começaram a se juntar na porta da igreja em orações.
O monsenhor era o mais abalado de todos devido à sujeira que escorria pela torre da igreja, recém pintada.
Passado o susto, a conversa era só sobre o acontecido, cada um fazia sua conjectura.
- Vamos examinar, parece merda, dizia o sapateiro Damim.
- É bosta de porco, completava o intendente que era dono do maior chiqueiro do Arraial, portanto, conhecia o excremento.
- Será que o vento levantou seus capados do chiqueiro, doutor Benedito? Perguntou o monsenhor.
Aquela gente toda na porta da igreja seguiu o monsenhor e o intendente até a casa deste para ver quantos porcos faltavam no chiqueiro e qual o tamanho do estrago que aquele pé de vento tinha feito.
Lá chegando, encontraram tudo no lugar, não faltava nenhum animal mas os capados se assustaram com aquela quantidade de gente.
No lusco-fusco da tarde, todos reunidos agora na porta da casa do intendente, sem entender o acontecido, um menino aponta para o começo da rua e diz:
- Olha! Outra pueira vem vino.
Todos firmaram as vistas naquela direção e viram, assustados, o poeirão. Era Tiburço mais o menino Quelé tocando a boiada. Tiburço chegou rindo.
- Da comitiva prá me esperá, gostei! Mas do cheiro não! Boa tarde, seu padre. Boa tarde, doutor Benedito. Tarde prá todos.
- Padre não, seu Tiburço, monsenhor viu! Monsenhor! Repreendeu o religioso.
- O senhor tem alguma coisa a ver com o que sucedeu aqui, perguntou o intendente.
- Não, doutor Benedito, dele passá aqui não, mas o nó no rabo fui eu quem dei, pur isso a brabeza dele.
E foi saindo, ajeitando o berrante para o toque de passagem, deixando a poeira no assombro de todos.
MQ
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sábado, 18 de junho de 2011
BENEDICTO MONTEIRO - DISCURSO SOBRE A CORDA
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Bendito Benedicto, poeta bendito
Ateu que sou
Um dia acompanhei a procissão para viver seu poema
E vivi
Palavra a palavra, verso a verso e cada silêncio gritando no ar
Cantei na melodia instigante que freqüenta cada estrofe
E dancei na sensualidade do ritmo, argamassa milimetricamente assentando angústia e beleza
Nesse dia, Benedicto Bendito. Senti fé, fúria e muita esperança
Desde então, na corda do seu poema, minha alma se amarra e se liberta desesperadamente
Marcos Quinan
Discurso Sobre A Corda
Benedicto Monteiro
A corda não é como o cânhamo
a envira, a juta, a malva, a manilha
trançada torcida e retorcida
em mãos paradas
e círculo estático
formando muralha
A corda não é a espia áspera
puxada por guinchos
ou mãos enfiadas
em manoplas
A corda não é o cabo parado
enroscado como cobra
na defensa
do ancorado barco
A corda não é
o levitar de flâmulas
nem o flanar de velas
e estandartes
A corda não é o laço
o laço que enforca que prende
que cai no chifre ou no pescoço
do animal e extingue o espaço
que fecha a rede
e prende o peixe
que amarra o homem
e extirpa o tempo
A corda não é forca
ou uma simples arapuca
a corda não é o instrumento
de policiais fardados para a festa
Eles,
de mãos dadas
isolam o povo
defendem as autoridades
celebridades e poderes
A corda não é
a que puxa o barco para a terra
que arranca o peixe
de dentro d’agua
que lança no rio
a perfídia
da isca inerme
A corda
não é a proteção da Santa
em louvor de quem
se faz o Círio
a corda não é
uma defesa do andor
nem um circulo de giz
em torno da berlinda
A corda não é
apenas a ordem
a ordem do Bispo e do Vigário
a ordem do transito
a ordem do trajeto
a ordem da policia
Não é também o anteparo
que separa as classes
que marca a hierarquia
dos grupos e dos grupos
e que divide a procissão
em povo
na crença e na descrença
A corda não é a corda
em mãos alheias
não é a corda em mãos vazias
bamba e amorfa
nem quadrado nem hipotenusa
não é o trançado apenas
passando pelas mãos
das pessoas paradas
que reservam os lugares
para o préstito
A corda que se segura
enquanto a multidão parada
espera a largada do Círio
é circulo
parábola
ou elipse
que gira gira
em torno do Universo
É um dos centro
de qualquer galáxia
é sístole e diástole
maré vazante
ou maré montante
formando a correnteza
correnteza formando a pororoca
corrente de povo
em vibração de ondas
que nunca se completam
em permanência tensa
apenas pra pagar
talvez
uma promessa
muitas vezes
feita pelos outros
Pensa-se
que e só segurar a corda
acompanhar o Círio
e isso basta
Sim
também sabe-se
que é longo
muito longo o trajeto
E longo o tempo
que dura da Catedral
para a Basílica
de santuário a santuário
A primeira sensação
que toca
é a vibração do povo
porque o lugar que se encontra
pra segurar a corda
com as duas mãos já abstrai
a condição de individuo
Parado
ainda se pode notar o vazio
entre a corda e a Santa
Pode-se notar também
as autoridades
civis, militares e eclesiásticas
Elas,
tornam a Santa
ainda mais inacessível
Pode-se notar o carro
o coche
o andor da Santa
a berlinda
a berlinda linda
cheia da Santa e de flores
É só segurar a corda
e acompanhar o Círio
a promessa
fica sendo paga
tudo parece muito simples
muito simples
Mas
quando começam os cânticos
o badalar dos sinos
a explosão de foguetes
o agitar das bandeiras e estandartes
o povo em pé
como uma fera
acorda em fé e fúria
É o frêmito da multidão
iniciando a marcha
aí
a corda retesa-se
e propaga-se
como um facho
como um fio elétrico
em cobre e carne
em cores e carnes
em caras de mil caras
em faces de mil faces
Estabelece-Se
uma corrente humana
de mil e mil raios
mil frenéticos circuitos
em choques
que intercalam os cânticos
nos cânticos
juntam-se todos os murmúrios
em tropel
que multiplicam-se
em passos de mil passos
Na disputa pela corda
perde-se logo a integridade
de cada corpo como um todo
fica-se só com as mãos
e os braços
as pessoas juntas
juntas na corda
perdem o sexo
perdem o nexo
perdem a cor e alma
perdem a calma
perdem até a identidade
Perdem também
a capacidade física
que o corpo tem de ocupar
um único lugar no espaço
perdem o tempo
e o próprio espaço
Inaugura-se
uma nova relação física
e geométrica
entre os corpos vivos
a corda vira cordão umbilical
torna-se visceral
de gestos rítmicos
e orgânicos
os corpos constituem-se em massa
pura massa
O contacto das mãos
dos pés, dos braços
não é como num ônibus
num cinema
num comício
Não é como na luta
nem talvez
como na dança
A corda une e desune os corpos
ela desenha e redesenha a massa
Ela
exercita o ritmo
e aí
quando uma das mãos
arranca-se ou incrusta-se
arranca-se ou integra-se na corda
a corda fica hirta
e adquire a vida
a própria vida
Aí fica-se livre para levitar com os pés
ora de frente ora de lado
mãos e braços agarrados
mas o corpo flutuando
cada vez mais colado
a mão já é parte da corda
usa-se para andar
voar
nadar
e manter o corpo
sempre em marcha
Passa-se assim
a ser apenas flecha
disparada
pela corda retesada
e pelo arco
arco que é circulo e parábola
ou formas caprichosas
de um povo em transe-marcha
As hierarquias
exibem-se em grupos
que preenchem
e protegem o espaço
o espaço eclesial da berlinda
Proteção contra as ondas
que se quebram na muralha
muralha que é a própria corda-turba
Na corda
tudo se confunde
a corda-massa
a massa-corda
o corpo e a alma
Sente-se que a corda
não é apenas aquela que redobra o arco
a corda é a própria massa
a corda é o mar
o rio
os rios
uma terrível correnteza
de transe e êxtase
correnteza de povo
correnteza de onda
ondas de crentes
maresia de gentes
ondas e ondas fluindo
e refluindo no cortejo
prece via e rezada
em corpo e alma
andando, forcejando
brigando, sofrendo, suando
suor em reza andante
suor em reza ardente
suor quente
de gente se pegando
de gente se abraçando
se amassando
se rejeitando
em corpo e alma caminhando
prece corporal
de meditação em marcha
marcha forçada
em trancos e barrancos
em preços e tropeços
encontros e desencontros
topadas e empurrões
sobrossos e alvoroços
em marcha forçada
e livre caminhada
Reza, canto e dança
tudo aglomerado
procissão promíscua
e préstito tumulto
rito violento de gritar na praça
de correr no prado
de desembestar no campo
atravessando
e atravancando o espaço
Repleto templo
estádio e palco
transbordamento do asfalto
chão, ruas raízes
pista sombreada de mangueiras
e o ar alvoroçado
bem por baixo
A corda
é uma oração de pés e braços
de mãos seguras
em corpo-a-corpo e desespero
mil almas amarradas e libertas
unidas e desunidas em mil cores
mil caras de mil partes
mais de mil portes
mais de mil faces
mais de mil preces
mais de mil pedidos explodindo em êxtase
explodindo em olhos
em poros, pelos e apelos
das mãos, dos pés, dos braços
que se afastam
e que se abraçam
Dos gritos que se gritam
dos cânticos que se cantam
dos murmúrios
mil murmúrios lacinantes
e até pornofonias
gritadas e balbuciadas
imprecações
ditos litúrgicos e profanos
viscerais e onomatopaicos
A corda
é a única oração rezada com o corpo todo
com toda a força de uma luta
de uma farsa
de uma festa
de uma fé e de uma fuga
fé plena e primária
de uma rua às vezes verde
de uma cidade templo aberto
umbrais de edifícios e casas
chão de asfalto com mármore
rua como nave ou como átrio
colunas de mangueiras
nuvens como vitrais
pinturas de galhos e afrescos
rua livre e aberta
Basílica e Catedral
A corda é um puxirum
um mutirão
uma greve e um assalto
um assalto-súplica
um assalto-reza
uma reza-luta
.
Bendito Benedicto, poeta bendito
Ateu que sou
Um dia acompanhei a procissão para viver seu poema
E vivi
Palavra a palavra, verso a verso e cada silêncio gritando no ar
Cantei na melodia instigante que freqüenta cada estrofe
E dancei na sensualidade do ritmo, argamassa milimetricamente assentando angústia e beleza
Nesse dia, Benedicto Bendito. Senti fé, fúria e muita esperança
Desde então, na corda do seu poema, minha alma se amarra e se liberta desesperadamente
Marcos Quinan
Discurso Sobre A Corda
Benedicto Monteiro
A corda não é como o cânhamo
a envira, a juta, a malva, a manilha
trançada torcida e retorcida
em mãos paradas
e círculo estático
formando muralha
A corda não é a espia áspera
puxada por guinchos
ou mãos enfiadas
em manoplas
A corda não é o cabo parado
enroscado como cobra
na defensa
do ancorado barco
A corda não é
o levitar de flâmulas
nem o flanar de velas
e estandartes
A corda não é o laço
o laço que enforca que prende
que cai no chifre ou no pescoço
do animal e extingue o espaço
que fecha a rede
e prende o peixe
que amarra o homem
e extirpa o tempo
A corda não é forca
ou uma simples arapuca
a corda não é o instrumento
de policiais fardados para a festa
Eles,
de mãos dadas
isolam o povo
defendem as autoridades
celebridades e poderes
A corda não é
a que puxa o barco para a terra
que arranca o peixe
de dentro d’agua
que lança no rio
a perfídia
da isca inerme
A corda
não é a proteção da Santa
em louvor de quem
se faz o Círio
a corda não é
uma defesa do andor
nem um circulo de giz
em torno da berlinda
A corda não é
apenas a ordem
a ordem do Bispo e do Vigário
a ordem do transito
a ordem do trajeto
a ordem da policia
Não é também o anteparo
que separa as classes
que marca a hierarquia
dos grupos e dos grupos
e que divide a procissão
em povo
na crença e na descrença
A corda não é a corda
em mãos alheias
não é a corda em mãos vazias
bamba e amorfa
nem quadrado nem hipotenusa
não é o trançado apenas
passando pelas mãos
das pessoas paradas
que reservam os lugares
para o préstito
A corda que se segura
enquanto a multidão parada
espera a largada do Círio
é circulo
parábola
ou elipse
que gira gira
em torno do Universo
É um dos centro
de qualquer galáxia
é sístole e diástole
maré vazante
ou maré montante
formando a correnteza
correnteza formando a pororoca
corrente de povo
em vibração de ondas
que nunca se completam
em permanência tensa
apenas pra pagar
talvez
uma promessa
muitas vezes
feita pelos outros
Pensa-se
que e só segurar a corda
acompanhar o Círio
e isso basta
Sim
também sabe-se
que é longo
muito longo o trajeto
E longo o tempo
que dura da Catedral
para a Basílica
de santuário a santuário
A primeira sensação
que toca
é a vibração do povo
porque o lugar que se encontra
pra segurar a corda
com as duas mãos já abstrai
a condição de individuo
Parado
ainda se pode notar o vazio
entre a corda e a Santa
Pode-se notar também
as autoridades
civis, militares e eclesiásticas
Elas,
tornam a Santa
ainda mais inacessível
Pode-se notar o carro
o coche
o andor da Santa
a berlinda
a berlinda linda
cheia da Santa e de flores
É só segurar a corda
e acompanhar o Círio
a promessa
fica sendo paga
tudo parece muito simples
muito simples
Mas
quando começam os cânticos
o badalar dos sinos
a explosão de foguetes
o agitar das bandeiras e estandartes
o povo em pé
como uma fera
acorda em fé e fúria
É o frêmito da multidão
iniciando a marcha
aí
a corda retesa-se
e propaga-se
como um facho
como um fio elétrico
em cobre e carne
em cores e carnes
em caras de mil caras
em faces de mil faces
Estabelece-Se
uma corrente humana
de mil e mil raios
mil frenéticos circuitos
em choques
que intercalam os cânticos
nos cânticos
juntam-se todos os murmúrios
em tropel
que multiplicam-se
em passos de mil passos
Na disputa pela corda
perde-se logo a integridade
de cada corpo como um todo
fica-se só com as mãos
e os braços
as pessoas juntas
juntas na corda
perdem o sexo
perdem o nexo
perdem a cor e alma
perdem a calma
perdem até a identidade
Perdem também
a capacidade física
que o corpo tem de ocupar
um único lugar no espaço
perdem o tempo
e o próprio espaço
Inaugura-se
uma nova relação física
e geométrica
entre os corpos vivos
a corda vira cordão umbilical
torna-se visceral
de gestos rítmicos
e orgânicos
os corpos constituem-se em massa
pura massa
O contacto das mãos
dos pés, dos braços
não é como num ônibus
num cinema
num comício
Não é como na luta
nem talvez
como na dança
A corda une e desune os corpos
ela desenha e redesenha a massa
Ela
exercita o ritmo
e aí
quando uma das mãos
arranca-se ou incrusta-se
arranca-se ou integra-se na corda
a corda fica hirta
e adquire a vida
a própria vida
Aí fica-se livre para levitar com os pés
ora de frente ora de lado
mãos e braços agarrados
mas o corpo flutuando
cada vez mais colado
a mão já é parte da corda
usa-se para andar
voar
nadar
e manter o corpo
sempre em marcha
Passa-se assim
a ser apenas flecha
disparada
pela corda retesada
e pelo arco
arco que é circulo e parábola
ou formas caprichosas
de um povo em transe-marcha
As hierarquias
exibem-se em grupos
que preenchem
e protegem o espaço
o espaço eclesial da berlinda
Proteção contra as ondas
que se quebram na muralha
muralha que é a própria corda-turba
Na corda
tudo se confunde
a corda-massa
a massa-corda
o corpo e a alma
Sente-se que a corda
não é apenas aquela que redobra o arco
a corda é a própria massa
a corda é o mar
o rio
os rios
uma terrível correnteza
de transe e êxtase
correnteza de povo
correnteza de onda
ondas de crentes
maresia de gentes
ondas e ondas fluindo
e refluindo no cortejo
prece via e rezada
em corpo e alma
andando, forcejando
brigando, sofrendo, suando
suor em reza andante
suor em reza ardente
suor quente
de gente se pegando
de gente se abraçando
se amassando
se rejeitando
em corpo e alma caminhando
prece corporal
de meditação em marcha
marcha forçada
em trancos e barrancos
em preços e tropeços
encontros e desencontros
topadas e empurrões
sobrossos e alvoroços
em marcha forçada
e livre caminhada
Reza, canto e dança
tudo aglomerado
procissão promíscua
e préstito tumulto
rito violento de gritar na praça
de correr no prado
de desembestar no campo
atravessando
e atravancando o espaço
Repleto templo
estádio e palco
transbordamento do asfalto
chão, ruas raízes
pista sombreada de mangueiras
e o ar alvoroçado
bem por baixo
A corda
é uma oração de pés e braços
de mãos seguras
em corpo-a-corpo e desespero
mil almas amarradas e libertas
unidas e desunidas em mil cores
mil caras de mil partes
mais de mil portes
mais de mil faces
mais de mil preces
mais de mil pedidos explodindo em êxtase
explodindo em olhos
em poros, pelos e apelos
das mãos, dos pés, dos braços
que se afastam
e que se abraçam
Dos gritos que se gritam
dos cânticos que se cantam
dos murmúrios
mil murmúrios lacinantes
e até pornofonias
gritadas e balbuciadas
imprecações
ditos litúrgicos e profanos
viscerais e onomatopaicos
A corda
é a única oração rezada com o corpo todo
com toda a força de uma luta
de uma farsa
de uma festa
de uma fé e de uma fuga
fé plena e primária
de uma rua às vezes verde
de uma cidade templo aberto
umbrais de edifícios e casas
chão de asfalto com mármore
rua como nave ou como átrio
colunas de mangueiras
nuvens como vitrais
pinturas de galhos e afrescos
rua livre e aberta
Basílica e Catedral
A corda é um puxirum
um mutirão
uma greve e um assalto
um assalto-súplica
um assalto-reza
uma reza-luta
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sexta-feira, 17 de junho de 2011
RUY GODINHO - RODA DE CHORO
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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 18.06.11
O 1º bloco vai prestigiar a Coleção Princípios do Choro. O autor enfocado é Irineu Batina, nascido em 1873. Integrante da famosa Banda do Corpo de Bombeiros e mestre na arte de contrapontear, Batina foi professor de Pixinguinha.
Os blocos 2 e 3 vão homenagear um renome internacional, o compositor e maestro pernambucano Moacir Santos, nascido em 1926, em Vila Bela/PE. Será enfocado o CD Choros & Alegria, com uma coleção de choros e outros gêneros brasileiros criados no período de 1940 a 91, e que retratam a primeira fase de sua obra.
No 4º bloco o destaque vai para o cantor e compositor niteroiense, residente em Brasília, Marcos Bassul e o som do belíssimo CD Acústico ma non troppo, segundo disco de carreira, lançado em 2011, repleto de belezas.
O 5º bloco traz o violonista e compositor brasiliense Henrique Neto. Integrante do trio Cai Dentro e do grupo Choro Livre, Henrique lança seu primeiro disco solo, Caminhos Abertos, registro digno de sua criatividade e virtuosismo.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Rádio UEL FM, Londrina-PR, 5ªs-feiras, 22h, reprise: sábados, 13h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, 4ª feiras, 18h.
Rádio Educadora FAFIT FM, de Itararé-SP, 88,7 MHz, domingos, 8h.
Rádio Mandacaru FM, de Cedro-CE 104,9 MHz, domingos 12h.
Rádio Universidade AM, de Santa Maria-RS , 6ªs feiras, às 23h.
Rádio Universitária FM, 100,7 MHz, Viçosa-MG, domingos 10h.
Rádio Unifei AM, 1570 khZ, de Itajubá-MG, terças e sextas, 8h.
Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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