sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
VOZ DO ANDIRÁ
para thiago de mello
em ti algo de melodia
denso de simplicidade
espraia em palavras
o poder da canção
anuncia a esperança
no mormaço dos quintais
rema rimas no caminho
sem sina de se calar
sonha dias e destinos
sonha rios, sonha mar
em ti algo de melodia
ressoa pela floresta
são gritos de liberdade
na aurora ribeirinha
afiando o corte da voz
que rente ao chão
luta contra o escuro
das indiferenças
e desigualdades
com talhos de esperança
e gestos doloridos de amor
MQ
.
O POVO DO BELO MONTE IV - Brás Teodoro
Entendia estar pintando o povo do Belo Monte mas não entendia como tudo estava se passando. Nunca havia trabalhado com aquele material ou com relevo em tela. Em mais de cinqüenta anos de profissão conhecia todos os processos que o mando da intuição punha nas minhas criações, mas aquilo era totalmente diferente.
Dizer que não temia a loucura, não posso. Sempre acreditei que é a lucidez que desenvolve minha intuição e coloca tanta emoção dentro de mim.. isso admitia ser minha loucura. A temática do meu trabalho foi clara desde o início, nunca saí dela por isso sabia agradar e me sabia um artista diferente, vivi disso.
Por mais que quisesse pensar não conseguia. Um encantamento qualquer e invisível tomava minha vontade e repetia a ação de ligar a vitrola, colocar o mesmo disco, preparar o material e entrar naquele mundo de fisionomia e cor de terra. Perdia a noção do tempo e não sabia mais sobre seu processo: meses, anos, dias, horas ou momentos... Tanto fazia. Dele, as únicas referências que tive foram as visitas de Anabel.
***
Na segunda vez que ela veio eu estava terminando As Beatas. Senti sua presença ao meu lado; parecia mais velha e foi quando mais demorou. Olhou com carinho os quadros que estavam quase prontos pela sala - um por um – até se deter no Beato.
– Segui o Beato desde que o conheci... era chamado Antônio dos Mares. Tu sabes... construiu igrejas e cemitérios pelo sertão, a fé e a esperança guiaram seus passos. Tu sabes... a fé sertaneja contra a incúria, o descaso... tens fé? Acreditas em Deus, meu filho? Acreditas mais nos homens, né?
Era como se ouvisse meus pensamentos. Foi como consegui descobrir a forma de comunicação que estávamos tendo desde o primeiro encontro. Então, ela me sabia ateu, descrente? Então, sabia que só acredito no deus e no demônio que estão nos homens.
- É, sei... sei ...
Ouvi a resposta e a vi encantada com minha estante, correndo os olhos por cada um dos livros, parecia planar pelas notas da música. O semblante sofrido cedia algum contentamento como se ela estivesse conversando com a música.
– Pinta as Beatas cantando loas, como em Bom Jesus, pediu.
Meu pensamento vagou como fosse um seguidor, pela imensidão, em todos os lugares da peregrinação, e senti a desesperança sendo tomada por aquele homem franzino que apareceu de repente junto a Ana das Letras. Agora olhavam os livros e se embeveciam com a música, pediam loas.
Um sofrimento estampado num vasto qualquer; um nada; secas medonhas; o demônio de homens medonhos pervagando a caatinga. A fé sertaneja espalhou-se junto, caminhando junto; sendo construída sem medo, dentro dos homens, por seres desconformados dos limites dum estado, omisso e sem feitio.
Meu pensamento viu o Beato juntando o sofrimento com a esperança, criando o rosto da fé sertaneja, viu semear um legado de feição a feição. As imagens se formavam com muita velocidade e me colocavam num lugar e noutro; num tempo e noutro, fora do meu.
Aclarava, como se fosse eu, a memória. E recitasse prédicas e visse santos, gritasse hinos e tivesse fé. Como se ensinasse compartir sem as alfaias, vestindo a sina de só ser irmão. Com ele ia junto zelando o sertão, semeando o cuidado pela alma do corpo, pelo corpo da alma. A deudar-se inteiro em rica pobreza; pastorava sem medo, era a fé sertaneja pervagando a caatinga, pregando o trabalho na cartilha do amor.
Novenário nas mãos, ensinando o pão e a ser uns pelos outros como convém ao cristão. Arrogava a esperança na gente do sertão e fazia da crença a semente, calando poderosos de batina ou não.
Espalhando, andávamos caminhos plantando o exemplo. Minha memória, no Penitente ensinando tanta gente a dar-se as mãos; sementes vingavam sob o fogo e a incompreensão quando muitos tentavam destruir qualquer fé dardejando o poder sem o olhar cristão.
Mas a memória era em vão; dela também saíam misérias e sofrimentos que grudavam em nossos pés, como pó, como se o que eu pensasse fosse inútil; até a seca medonha rondando ano a ano não matava nem secava nossos pés plantados em todos os cantos onde houvesse o sertão.
A fome tomou-me as mãos e ziguezagueou por lonjuras e direções, colhendo inanição e podre de corpos ainda vivos, servidões e desespero. Esperava em volta formar a conjugação da seca com a miséria e o sol embraseado crestando e limpando até os cardeiros da terra agreste. Rondava tudo que estava vivo, uma luxúria podre esperando entrar pelos seres e eivar a caatinga toda.
A seca remoía as pedras escalavrando o chão e, numa volúpia desembestada, me tomava inerte, crestando meu corpo. E eram vãos os pensamentos, tudo só servia mesmo pra morrer. O resmungo do seco estalando galhos, murchando as flores do xiquexique desde que rebentavam, desordenando peçonhas e animais miúdos. Liturgia esturricada calando a vida.
A pobreza e sua avidez esmagando vontades, pondo fraqueza no fraco, melindrando sintomas e urrando um canto de desesperança dentro da minha cabeça e entre os franzinos jeitos de sobreviver. A miséria, um ser tão presente, tangendo vontades exaustas e esfaimadas.
A mão dos homens segurando as minhas, nenhuma fé; ditames vomitados no meu corpo seco e na pele do sertão. Macambiras, imbuzeiros e silvestres exaustos propondo nem nascer e os homens segurando suas ganâncias e ardis.
No meio de tudo isso uma cruz tosca de madeira, um estandarte e o povo com o Beato Penitente passavam cantando benditos por entre as feras, ensinando os bons caminhos e a austeridade de ser diante do medonho do mundo.
Senti que sorriam quando me viram olhar para meus pés empoeirados e inchados. Da cintura para baixo, o cansaço entrou no meu corpo como uma lâmina cortando. Tive que sentar para não cair. Um jeito de poeira me tomou todos os sentidos e não senti mais nada. Apenas da espátula na minha mão tinha certeza. Pensei desfalecer. Não sabia do tempo.
***
Eles estavam no mesmo lugar quando acordei, continuavam olhando a estante, agora sorriam em frente à escultura em barro de São Francisco.
- Ele foi casado com uma santeira, ajudava com o barro, ajudava queimar os santos... foi de lá que saiu pelo sertão praticando a fé sertaneja...
E desapareceram no último compasso da música. Com eles fui junto ouvindo os cantos que os muitos carregando pedras cantavam construindo a capela de Chorrochó. Depois andamos o sertão cuidando cemitérios, ajudando no rendimento das igrejas e reparando as velhas. Era a multidão colocada na lonjura das vistas; seguíamos em orações caminhando por um nada que era de todos. A seca punha um cinzento até no céu... pareciam ajudar com a fé e a obstinação até a caatinga suportar tanta ausência.
Por onde passávamos só havia carcaças de animais, casebres abandonados e gente entorpecida pela miséria, mas com uma chama de esperança luzindo quando viam Antônio Penitente passar com seu bastão apoiando o corpo, seu menor tamanho, sustendo os sacrifícios e a sina.
No meio deles senti o sofrimento moer meu corpo, a secura gritar no estalar da caatinga e o ouvi pregar o possível; construir a caridade, o peditório de esmolas misturado ao bem fazer. Naqueles caminhos reformamos muitas igrejas construímos cemitérios, açudes e encontramos descaso e incompreensão de padres e poderosos.
A seca intumescia e devorava as vontades. Via em volta nos rostos e no minguar do corpo de cada um. Mas um caminho se punha em obrigação: seguir o Beato em sua fé.
Andei por todos os lugares que eles passaram, por isso o cansaço cada dia aumentava no meu corpo. No Bom Jesus, os fogos na sagração da igreja ficaram nos meus olhos. A pregação do Beato Peregrino colocava as palavras em nossos ouvidos e ressoavam nas capuabas dos caminhos de Cambaio, Caipã, Canabrava, Rosário, Massacará, Jeremoabo, Cocorobó, Poço de Cima, Sauí e Angico.
A tantos lugares chegávamos... socorristas trazendo alento, repartindo algum de comer, esperança e a riqueza pobre tirada do trabalho e da caridade em Canabrava, Cocorobó, Calumbi, Cambaio e Caipã, Urucu, Rosário, Monte Santo, Uauá, Cumbe e pelos afluentes do Vaza-barris; Umburanas, do Mota, da Providência e Rio Sargento. Gente de cada lugar, vinha junto... africanos e seus descendentes alforriados... os últimos dos kaimbés e kiriris, juntando hábitos e costumes, acreditando no trabalho, na fé e nas promessas do Beato de construir vinte e cinco igrejas fora das terras do Ceará. Enxergava tantos desiguais juntos vagando pelas dificuldades e pelo agreste.
MQ
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
FEIÇÃO DA ESPERANÇA
Feição da esperança
Para Thiago de Mello
Teus versos salvaram
Um dia, nossas almas
Eram dias de tudo em vão
Muitas sombras nos caminhos
Muitos sonhos no portão
Havia a desesperança
Sobrando em nossas mãos
Haviam cortes de bala
Purgando cada canção
Conduzindo no candeio
Da esperança a feição
Procurando a liberdade
Na ponta da escuridão
Teus versos salvaram,
Um dia, nossas almas
Eram dias de escuridão
Só vergalho nas esquinas
Só demônios no porão
Sabias da esperança
Sementando tuas mãos
Sabias da igualdade
Buscando cada refrão
Conduzindo no candeio
Da esperança a feição
Procurando a liberdade
Na ponta da escuridão
MQ
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DIGNIDADE
Dignidade
Para o Juiz Márcio José de Moraes
Era onde se escondia a mentira
Artilhando a enganação
Os que sonhavam
Sabiam onde era o porão
Os que mandavam aceitavam
Qualquer razão
O homem assassinado
De verdade se matou
Quando se indignou
Deixando a dor
Ser o menor dos seus restos
E rasgou a confissão
Com a ética das suas mãos
No canto da cela
A dignidade gritou
Na morte
Seu canto de liberdade
Reuniu a fé
E o povo se viu
Numa família inteira
Entrelaçando as mãos
Para desnudar por completo
O encoberto e o outro corpo
Que se assassinou sem confissão
Os anos se passaram
A dignidade ficou entremeada
Nos ritos da história
Gritando a vida
Na emoção do juiz
Que também conhece
A ética das mãos
MQ
"Julgo a presente ação procedente e o faço para, nos termos do Artigo 4º, inciso I, do Código de Processo Civil, declarar a existência de relação jurídica entre os autores (Clarice, Ivo e André Herzog) e a ré (União Federal), consiste na obrigação desta indenizar aqueles pelos danos materiais e morais decorrentes da morte do jornalista Wladimir Herzog, marido e pai dos autores, ficando a ré condenada em honorários advocatícios que, a teor do Artigo 20, parágrafo 4º, do mesmo diploma legal, fixo em CR$ 50 mil". Esta foi a síntese da sentença do Juiz Márcio José de Moraes, declarada em 27 de outubro de 1978, em pleno regime militar, após estudar os documentos de acusação e defesa no caso Wladimir Herzog.
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DITADURA
No Aurélio
Ditadura
[Do lat. dictatura.]
S. f.
1. Forma de governo em que todos os poderes se enfeixam nas mãos dum indivíduo, dum grupo, duma assembléia, dum partido, ou duma classe.
eleições
formula
fundos de pensão
desvio
corporativismo
manobra
sindicato
quadrilha
corrupção
vergonha
dízimo
exploração
mst
canalhice
bolsa família
mercantilismo
ensino
equivoco
cultura
descaso
meios de comunicação
manobra
criminalidade
aceita
impunidade
prática
imposto
confisco
leis
privilégio
domínio econômico
estratégia
aborto
arbitrio
tabagismo
ignorância
cinto de segurança
desrespeito
o executivo
elegemos?
o legislativo
elegemos?
o judiciário
tememos?
o religioso
aceitamos?
qualquer ditadura serve?
MQ
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
DENTRO DO POETA
Dentro do poeta
Era só o poeta envelhecido com seus demônios, cansado, que voltava como se fosse possível voltar com todos eles. Deixar as cicatrizes cerzidas com o fio dos caminhos e se lembrar de ser são. Era só o poeta, em metáforas; de alma e corpo, peregrino pela vida, juntando pedaços desde que partira.
Era só o poeta e seus demônios que calavam versos e secavam lágrimas. Ele voltava à origem naquela madrugada de casas adormecidas e ruas silenciosas.
O dia amanhecia no quintal, colorindo os rastros que ela deixava quando caminhava para o portão. Parecia adivinhar quem chegava. Naquele abraço amoroso recebeu suas lonjuras. E eram tantas! Ele olhava para a mãe e as palavras pulavam do pensamento, como se ela as dissesse.
sou a mulher
que finda, ereta
e insubmissa,
a última etapa da vida
sou a mulher
que chora,
pelos cantos,
escondida,
o tempo que só
dentro de mim ficou
sou a mulher
que carrega no ventre
o fim latejando,
minha primeira gravidez
e meu derradeiro parto
sou a mulher
ereta e insubmissa,
que desde nascida
finda
Olhava seu pai, enrolando o cigarro para lhe dar com as mãos em calos e perdão, as palavras falando em silêncio, como se ele as dissesse.
do eito
onde capino o dia,
confiro meu verso,
pari o poeta
Da porta dos fundos da casa avistava os caminhos, espalhados no lugar da infância, iguais e distantes. Sem se dar conta, os passos levavam para a Meia Légua, guardada pelo buriti solitário, farfalhando.
sina de ser tão, sertão
posto o horizonte no dia,
linha estendida na imensidão,
caminho de tropas passando
vento balança copa e tronco
ensinando dançar,
ninho de juriti,
folha nova despertando,
cacho, coco, capivaras, bem-te-vis
chuva fina na terra fértil
fecunda a raiz lançada aqui
passeia o sol no compasso
traça a luz, projeta horas
ser tão, sertão
nos rastos das boiadas
seguindo
lusco-fusco, vaga-lumes
solidão
noite que a lua segue em compasso,
dança
ermo de cerrado, sinfonia,
solo de pirilampos
escutado sob
o silêncio das estrelas
o tempo são marcos
de ser tão, sertão,
na terra
onde folhas viram asas
do meu tronco buriti
Ouvia dentro a voz, era o poeta ouvindo, recebendo os versos, se calando em versos, ouvindo o convite do rio.
molha os pés
e as mãos em calos
nas águas da infância,
sou rio ponte,
rio pedra,
rio fonte,
sou caminho perdido
na curva do tempo
sou rio indo, ardendo
queimando paixões
sou rio ido
angustiado
em ser
rio velho,
jazindo,
indo, indo...
sou rio pedra,
rio ponte,
rio fonte,
indo...
Indo...
Voltava pelo trieiro, sem versos, sem paz. Pejado de demônios perquirindo, encontrando, um a um, quem já levara por dentro pelas estradas.
ainda somos as pessoas que ardem
e se esvaem
em procuras,
tecendo em sonhos,
encontros e despedidas,
a solidão de nossas
pequenas histórias
Passava pela porta e via a colcha de retalhos pendurada na cerca daquela casa simples que ela sempre morou, balançando no vento as palavras.
retalhos de vida,
dispostos juntos,
são das cores alegria
e tristeza
retalhos juntos,
dispostos na vida,
formam as cores da chegada
e da partida
retalhos dispostos,
na vida juntos,
cor das lembranças
a das saudades
retalhos de vida,
dispostos juntos,
na cor da labuta
tecendo a colcha de retalhos
com que cobres
tua angústia
Quando ele a viu, o olhar não acreditou, o corpo não acreditou, seus demônios não acreditaram. O tempo lhe caíra bem, lhe dera definitiva beleza e espera.
sê bem-vindo,
amado meu,
inesperado
mas bem-vindo,
amado meu
não te preparei versos e luares,
nem os braços
em abraços,
amado meu
mas sê muito bem-vindo,
amado meu,
seguiste os vaga-lumes,
não foi? amado meu
te pedia para voltar
depois de cada entardecer,
amado meu,
no piscar de cada estrela,
amado meu,
pedia aos vaga-lumes
que as imitassem sem parar
até te encontrar,
amado meu
Ele mal acreditava. Ela estava ali na sua frente, não escondida nos caminhos, mas ali, amor igual, restando igual, esperando igual, no tempo desigual, em lamento.
parte arrancada,
distante,
dilacerada,
mas que lateja e arde
parte e universo
história esmaecida
nas lembranças,
levada na poeira das estrelas
tempo feitor
reunindo pedaços
dentro de nós
corpos já puídos pelo tempo,
asseverando o amor
dentro de nós
miríade do que já fomos,
mutilada,
que ainda sinto
por dentro de mim
Havia tanto amor naquele abraço, o cheiro dela era tão ela, não havia demônios ali. Se doava.
entrego
aos teus olhos
os meus em lágrimas,
nesse momento maior de amor,
te pertenço por inteiro
na lucidez
desse silêncio
com teu rosto rente ao meu
e minhas mãos
sem mágoa
te falo do meu
amor definitivo
na poesia
dessas lágrimas,
que teus olhos
também conhecem
plenitude
maior do amor,
instante
maior do amor
em cristais
no meu pensamento
Ele que voltara apenas para restar ali ouvia cada palavra, com ouvidos de procura misturados na poeira, vagando.
queria te dar a aurora
se despindo na manhã
e orvalhar os caminhos
dos teus gestos pelo dia,
queria te dar momentos
que jamais tivemos
e todos os sonhos
que ainda não sonhei,
queria te dar mais,
tanto mais,
nas palavras usadas
em desbotadas metáforas,
queria te dar muito mais
do meu amor
que não envelhece,
mesmo esperando
só dentro de mim
O poeta não se pertencia, havia a chusma de demônios impelindo. Acreditava voltar, acreditava ficar, acreditava amá-la depois de tanto tempo urdindo distâncias. Não conhecia tanto a alma que amava. Seus pensamentos transpareciam e ouviam os versos.
por não te conhecer tanto
és perfeito dentro de mim,
assim, idealizo, sonho
e sofro a tua ausência
alma que me ama
minha alma também te ama
mas está, ainda, aprisionada
no meu corpo
que todos os dias sente saudades
do teu corpo e da tua alma
alma que me ama
prisioneira como a minha,
vivendo a ilusão de ser só alma,
num corpo que não conheço tanto
mas que é perfeito dentro de mim
alma que me ama
num dia nem vestígios
do meu corpo haverá
um dia quando só alma for,
no espaço infinito das almas,
ainda, doerá a lembrança
de tê-lo tido, sem tê-lo
de tê-lo esquecido, sem esquecê-lo
Era o poeta que só ouvia versos, só calava as palavras dentro de si. Era o poeta que voltava com o corpo cheio de demônios e olhava de soslaio a intenção aprisionada na ponta da estrada, chamando novamente.
Ela olhou para a direção do seu olhar e enxergou, triste, o lugar de ir, de só ir. E afirmou em lamento.
foi num lampejo de
angústia que Deus,
injusto,
se há,
nos formou um ser só,
deu solitário limite
na enorme ternura
em outro lampejo
permitiu, ainda,
a chama acesa
injusto,
se há,
reluta severo
em de verdade nos criar
embaralha o tempo
na dor que
recende dos nossos corpos
e num gesto de
generosidade
nos dá referências,
pessoas amadas
e nega,
na sua angústia,
que fossem
para nós dois as mesmas
se há,
injusto que é,
quem sabe num dia
de muita melancolia
nos permita alma
e carne se pertencer
se tarde for,
injusto,
se há
permitirá
nos contentarmos
com a lembrança
do que nunca fomos
Despedia-se do poeta e ele se despedia dela, a estrada o retinha, lugar de ziguezaguear com seus demônios.
Os versos chegavam doloridos de volta ao ventre, inéditos, sem vida.
Ele restou em litígio com sua chusma de demônios pela estrada a fora.
Mas ela cantava o definitivo canto.
vais durando em mim sempre
e sempre durarás em mim
pois tenho zelo em pertencer-te
e sinto a cada quadra do tempo
a doce saudade de ter-te
o tempo curva meu corpo
e vais durando,
apura minha sensibilidade
e vais durando
porque sempre
é quando,
estás em mim sempre
Tantos versos chorando nas palavras não ditas, só dentro, palavras tristes. Lágrimas que salgavam a boca dos demônios, que cantavam em coro pelo caminho, mesmo quando calavam dentro do poeta sem versos.
a tristeza
escorria no olhar
não escutavas
nada ao teu redor
a sinfonia do entardecer
deslumbrava
colorida
tristeza
escorria dos ouvidos
não vias
nada ao teu redor
a tristeza continha
teu corpo
para não escorrer
pelo chão
como lágrimas
MQ
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
LÁGRIMA NEGRA
para zé keti
a multidão vê
quando o arlequim
segue as estrelas
o surdo em lamento
marca cada lágrima
que cai dos olhares
do céu de cetim
chove confete
e serpentina
a colombina acena
um derradeiro adeus
e com seu pranto
derrete a máscara negra
que escondeu seu rosto
em todos os carnavais
mq
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
MODO DA EMOÇÃO
É ter jeito
Sentir a procura
É ter cura
Se deixar embeber
Do que dentro está
E enversar
É feixe de sentimentos
Escrutados
Nas recorrências
Modo da emoção
Vadear silêncios
E todos os caminhos do ser
Sem pedir remissão
MQ
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CORA CORALINA
Cora Coralina
O POVO DO BELO MONTE III - Brás Teodoro
***
- Sou Ana das Letras...
Ouvi claramente.
- No tempo que estás... ele foi Antônio.
Ouvi de novo.
Pensei no quadro que secava me falando, esperava isso mas ela estava era parada, próxima à porta como se pedisse licença para acabar de entrar; uma mulher magra, de gestos simples e voz rouca. Entrou em silêncio, tomou o quadro nas mãos e sorriu dizendo.
- É ele quando foi Antônio! Tu sabes dele? Parecia com meu avô.
E começou a falar do avô.
- Vivia do mar! Eu era pequena... ele perlustrava a calma do mar, com o olhar de velho pescador; penetrava naquela imensidão, identificando a feição do vento e o movimento das marés. As mãos grossas lidando com a rede e a sabedoria remendando as palavras mal conhecidas, quase sussurradas no grave da voz... apontando o cardume do fulano no qual iam sair pra pescar. Do fulano porque ele primeiro o viu, no mesmo ser, de todos que nele pescariam o sustento. Ali qualquer cardume era do mar, do mundo, de Deus e dum pescador. Foi a lição que levei para a vida toda.
E ficou calada ao lado da mesa em que comecei a trabalhar; às vezes sorria dissipando um pouco a tristeza que me freqüentava inexplicavelmente. Sua atenção não era para a espátula que bulia o barro de papel espalhado pela tela: o que olhava era a estante repleta de livros a sua frente.
A sensação era igual a que senti ao olhar o relógio, de total desentendimento. Não conseguia falar uma palavra e, ao mesmo tempo que delineava rostos disformes na tela, via aquela mulher curiosa percorrer os títulos dos livros com muita atenção percebendo a música com um ligeiro balançar de cabeça.
Correu os dedos pela lombada e se deteve por instantes em alguns. Olhou demoradamente os de Guimarães Rosa, agrupados no segundo vão, prestando muita atenção. Quando começou o segundo movimento da Nona Bachianinha fez um gesto apontando a música no ar até dizer com um sorriso:
- Tu conhece eles por nós!
E virou a cabeça olhando o andamento do quadro em cima da mesa.
- A Guarda Católica... vou trazer nosso povo aqui! Eu voltarei...
Disse ampliando o sorriso e se virando em direção à porta.
Não conseguia parar de trabalhar o quadro. A Guarda Católica me tirava dos instantes sem que percebesse; não conseguia pensar em nada, não sentia vontade de fumar, comer ou qualquer coisa normal de se fazer. Parecia de novo não estar no meu corpo. Vi-me em lágrimas e os via em lágrimas; uma tristeza procurava a cor nas tintas e uma urgência comandava os movimentos de fazer mais papel-barro, espalhando em todo tamanho de tela que havia disponível na minha frente. Ali renasceram naqueles dias muitos rostos do Povo do Belo Monte. A angústia me tomava, e a agonia trabalhava em minhas mãos, nenhum sentido estava envolvido com outra coisa. Numa hora, o cansaço bateu, e tudo que estava quase pronto, secando para receber acabamento e os retoques finais saltou para dentro da minha alma.
O que sentia na hora não sei descrever; me percebia exaurido e sem cansaço, numa sensação só. De novo bebi como se o álcool fosse necessidade do corpo; me senti um alcoólatra; lembrei os meus tempos de boêmia e fiquei horas olhando as figuras num misto de perplexidade, contentamento, dor e tristeza, mas sem derramar lágrima alguma.
***
No telefone era Anabel de quem nem lembrava o nome, querendo voltar para escolher o quadro e trazer com ela um amigo do interior, um poeta que queria muito me conhecer. Na conversa mencionou que estivera na minha casa três dias antes. Voltei à racionalidade nesse momento e consegui ver as horas. Descobri que não me alimentava, não dormia e nem fazia nenhuma higiene pessoal. Olhei em volta a bagunça que estava a casa; lembrei que só no outro dia a diarista viria cuidar da limpeza. Dei uma arrumada superficial na sala, tirei as marcas de tinta do corpo, tomei um banho demorado e fiquei esperando.
Abri a porta com a fisionomia cansada e aparentando muita solidão. A casa estava silenciosa como se fosse um lugar de meditação; o cheiro de tinta carregava o ambiente, mas atenuava o forte odor de papel com cola ainda secando em muitas telas espalhadas pela casa.
O entendimento sobre a compra do quadro foi breve, mas nossa conversa entrou noite adentro. Havia muita curiosidade sobre a temática que estava pintando. Eles acharam um pouco sombrio e triste, queriam saber mais.
Contei o que me pareceu que devia: o tema era recorrente em minha vida, fazia muitos anos; desde muito jovem que lia tudo o que encontrava sobre o assunto; chegava a pesquisar, publicar artigos em jornais e revistas... que achava uma história muito mal contada... omitindo, claro, todos os meus problemas com a ditadura, o transe pelo qual estava passando e que nem eu entendia. A conversa foi mudando para outros assuntos. Falamos de poesia e música. Ela deixou o jovem poeta e se despediu no meio da madrugada.
Bebemos até o amanhecer, ele tinha um talento quase impertinente para conversar e dizer da sua poesia, era como se estivesse sonhando. Adormeci sentado e só acordei na metade da manhã. Ele permanecia na sala ainda bebendo e lendo. Saímos para um bar que não me lembro... encontramos outro poeta seu amigo e os dois se puseram a escrever em guardanapos... decerto nos despedimos ou nos perdemos no fim da tarde. Voltei pra casa acompanhado de um cão que me seguiu pelas ruas, surgido não sei de onde, que me acompanhava e me ignorava ao mesmo tempo. Sumia das vistas e retornava no outro quarteirão, mais parecendo uma visagem. Quando eu o olhava, virava a cara pro outro lado como se não fosse com ele e continuava desaparecendo e aparecendo.
MQ
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RUY GODINHO - RODA DE CHORO
ESPECIAL CENTENÁRIO DE CARMEN MIRANDA
No dia 09 de fevereiro de 2009, a cantora, atriz e dançarina Maria do Carmo Miranda da Cunha completou 100 anos de nascimento. Nascida em Marco de Canavezes, Distrito do Porto/ Portugal, veio para o Brasil com apenas 18 meses.
O primeiro contato com a música foi na pensão que sua mãe mantinha para sustentar a família. Pixinguinha era um dos frequentadores. Depois, costumava imitar as cantoras da época nos programas radiofônicos. Até que conheceu o violonista Josué de Barros que lhe abriu as portas do rádio, das gravações e da carreira artística.
Com o nome artístico de Carmen Miranda, foi a artista que mais incorporou a alma brasileira e mais divulgou nossa música no exterior.
No Brasil gravou dezenas de discos, lançou diversos compositores para a consagração, entre eles Dorival Caymmi, Assis Valente e Joubert de Carvalho. Foi a cantora mais bem paga do rádio brasileiro.
Em 1939, foi vista pelo empresário Lee Schubert, que acabou contratando-a para uma temporada na Broadway, dando início à carreira internacional.
Gravou 281 discos, fez 14 filmes. Projetou o país e nossa música para todo o mundo. Morreu em agosto de 1955.
Na parte musical, uma seleção histórica de 14 choros gravados por Carmen Miranda no período de 1930 a 1940.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro: www.fm94.rj.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.
Rádio Universidade FM, Londrina-PR, quintas-feiras, 22h.
Produção e Apresentação: Ruy Godinho
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
sem promessas
sem promessas
a liberdade
esteve entre nós
na madrugada
casual
perfumou nossas bocas
e muitos gestos
sensual
guiou nossas mãos
lambendo sedenta
cada instante
pulsando
instilou seu corpo no meu
e o meu no seu
sem promessas
nos pertenceu
e foi embora
deixando na manhã da realidade
um sabor de volúpia
recendendo de nossas roupas
e um cheiro de amor
calando nossas verdades
MQ
.
Beba Vinicius
“olhe somente a vida dos meus versos,
que a vida do meu verso - é a minha vida.”
vinicius de moraes
(A) PAGA (DOR) - Marisa (a)Penas
Desatando adereços ...
escancarando a angustia ao mesmo tempo em que a domina, dando impressão só de coadjuvância. com a coragem de se projetar em volta e dentro de si mesma, de sentir na poesia o cotidiano amoroso sobrepondo seus momentos de mel e fel, desatados amorosamente
... desfazendo desacertos ...
trançando no dia a dia das lembranças; o gesto insaciável das possibilidades como ato de equilíbrio; a paixão e seus abismos, verdadeira reflexão do ser
... desmanchando desavenças ...
no trabalho poético com estética própria, espaçado na precisão e na simplicidade - maior forma de tamanho –, na liberdade, imagens, sentimentos e sonhos que fazem parecer tirar do nada, verdades necessárias e o mais real
... desprezando umas crenças ...
sem deixar de propender para os mistérios que nos freqüentam nem perder a percepção da existência e a consciência da solidariedade como dogma da pessoa.
perdas como vivência e por isso encantamento, evolução... jeito de ir
... descartando claridade ...
para, com esperança, costurar o desalento, a mágoa e a nostalgia
na saudade e nos fios de melancolia que carrega com pertencimento, como despojos
... despedindo a vaidade ...
da vida das palavras que dizem o que a poeta quer dizer, processo deserto e límpido ao mesmo tempo, têmpera tirada da substância pessoal e da incontida vontade de ser maior ou melhor ser.
e ir
... despencando do começo ...
da existência apregoada pelo bendito dom da poesia e iluminada pelo merecimento do ser que é.
D E S A P A R E Ç O ...
e a poesia que, inconformada e por isso fiel a descobertas, empresta acordes à vida e ao que invisível está encartado na força da poetiza que percebo emocionado.
é assim que desaparecendo, marisa apenas aparece.
marcos quinan
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
TOINHO ALVES - Tempo Algum
Tem blog novo no ar.
O jornalista, poeta e ambientalista acreano, Toinho Alves, que durante quatro anos editou o blog O Espírito da Coisa, inaugurou espaço virtual novo, Tempo Algum. Novas e velhas inquietações, mais poesia da boa, amazonidades lúcidas, conversas espichadas e cheias de reflexões e até jogo de xadrez... enfim, um lugar de ir sem pressa de voltar. E pra recomeçar com beleza, ele escreveu assim...
"...Nessas horas o pássaro não canta. Mas o canto é o que tenho. Vou começar, portanto, ainda que quase inaudível, numa tarde nublada do inverno amazônico. E o tempo dará o tom e a melodia, que o tempo muda e demuda tudo."
www.tempoalgum.blogspot.com
Márcia Corrêa - http://novopapeldeseda.blogspot.com/
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ORAÇÂO
do rosário de versos
rezo pela vida
prece de solidão
e de procura
cantando
o sertão da alma
meu jeito de oração
mq
ANA TERRA - Qual é a música?
Por Ana Terra
Rio de Janeiro, 11 outubro 2008.
Prezado Ministro da Cultura Juca Ferreira
Iniciando o diálogo proposto quinta-feira no Palácio Capanema, vou tentar informar e formular ao ministro da Cultura algumas questões fundamentais para a maioria dos músicos profissionais brasileiros.
Atenta à sua brilhante observação quanto ao cuidado que devemos ter para não corromper as palavras, me pergunto se não seria esse o maior cuidado que se deveria ter.
Para propor políticas públicas para a música, precisamos fazer a pergunta certa: qual é a música a que nos referimos? Sem a criação não há obra, sem a interpretação não há comunicação da obra.
O Fórum de Música do Rio de Janeiro optou por se constituir, exclusivamente, de músicos que, como autores e/ou intérpretes, formam o que nomeamos Núcleo Criativo, composto pelos únicos elementos indispensáveis à existência da obra de arte, mas que, historicamente, é massacrado pelos setores que dele retiram prestígio, lucro e poder.
Que setores são esses? Na atualidade são exatamente as denominadas "entidades que compõem a cadeia produtiva de música", que o Ministério da Cultura convidou para vetar, na Câmara Setorial, todas as propostas dos músicos que pudessem, minimamente, ameaçar o poder ditatorial que elas exercem e sempre exerceram sobre o Núcleo Criativo.
Só para ilustrar, em dezembro de 2005, na sétima e última reunião da Câmara de Música sobre o tema - consumo - a primeira frase do documento dos músicos "Democratizar, Descentralizar, Desonerar e Fomentar o Consumo da Música Brasileira na sua diversidade" sofreu a primeira tentativa de veto, emblematicamente, para o termo "democratizar", por parte do representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), sobre a seguinte alegação: "Não há necessidade de usar a palavra democratizar porque senão fica parecendo que não é". No que eu respondi: "Não nos parece que o ‘jabá’ seja uma prática democrática."
A partir daí foi uma sucessão de vetos por parte inclusive de entidades que nunca poderiam estar nessa reunião, e muito menos nos vetar, como por exemplo, o ECAD. Como todos sabem, o ECAD é uma empresa privada, escritório técnico criado por nós para executar arrecadação e distribuição dos nossos direitos autorais. Toda sua estrutura física e pessoal é sustentada com os nossos recursos. Então eu pergunto: que lógica capitalista permite que um empregado vete o patrão e o obrigue a se associar?
O veto da ABERT, da ABPD, do ECAD e da ABMI se deu à singela proposta "Garantir aos titulares do direito autoral de execução pública a mesma forma de pagamento praticada diretamente ao titular como no direito autoral fonomecânico." Sim, o direito autoral gerado por venda de discos pode ser recebido diretamente pelo titular que autoriza ou não à gravadora a utilização da sua obra. Ele não é mais obrigado a editar. Por qual lógica um titular de direito autoral é obrigado a usar um atravessador, no caso as associações de direito autoral e as editoras, para receber seus pagamentos? Para que servem essas empresas? Para nada! Minto. Servem sim. Para agiotagem.
Na realidade, a corrupção de conceitos permite vários erros como, por exemplo, denominar independente uma gravadora nacional. Independente foi o termo que definiu o modo de produção da arte que se desenvolveu nos anos 1970, cuja propriedade era do Núcleo Criativo.
Uma gravadora nacional, e não vai aí nenhuma crítica quanto à competência e bom gosto com que algumas vêm produzindo a música brasileira, é uma gravadora nacional! E que reproduz o modo de produção das multinacionais quanto à propriedade do fonograma, embora, louvavelmente, já venham flexibilizando essa propriedade por meio de licenciamentos.
E, ao contrário do que foi dito na reunião pública de quinta-feira, onde por sinal não havia representante da música na mesa, as gravadoras não estão acabando! Pelo contrário, existe uma grande produção por esse Brasil afora que necessita sim de uma política de Estado, que garanta estrutura para a circulação desses produtos nacionais, com ênfase nos auto-produtores. Auto-produtor foi o termo cunhado por Antonio Adolfo para denominar o corrompido independente. Auto-produtor, auto- poyesis, auto-criação. Antonio foi feliz na escolha.
Outra questão. Imediatamente após a posse do demissionário presidente da Funarte, nossa indicação, com o aval de várias entidades para a direção do Centro de Música da Funarte (CEMUS), foi solenemente ignorada. Será que é algum absurdo propor um músico para gestão de um centro de música? São inúmeras as questões que daremos continuidade, num segundo momento, como as propostas para a Lei Rouanet.
Voltando o foco para a Câmara Setorial de Música, que se extinguirá sem ter cumprido seu papel e, para evitar que caiamos mais uma vez nas tramas múltiplas da burocracia e da falsa representação, precisamos deixar muito clara a realidade atual.
Sob a intenção de descentralizar decisões e lideranças do chamado eixo Rio-São Paulo, nas cidades que lançaram o movimento organizado para pleitear políticas públicas para o setor, aconteceram equívocos. O primeiro deles foi uma mobilização artificial de alguns estados onde os fóruns foram ocupados por produtores e não por músicos.
Em segundo lugar, as realidades regionais são diversas, apresentam características próprias que dificultam uma posição unificada. Os músicos não tiveram reuniões presenciais em nível nacional para a troca de informações necessárias ao nivelamento das experiências. O contato deu-se por listas de discussões na internet e algumas poucas e insuficientes vídeo-conferências. Louvamos a intenção de descentralizar e democratizar o processo, mas pergunto se isso não seria conseqüência, e não ponto de partida, para a política responsável que almejamos.
Não se pode desconhecer que Rio e São Paulo lançaram nacionalmente artistas das mais diversas regiões do país. Desconhecer que esses centros concentram a maioria da classe profissional de música e, por esse motivo, conhecem por experiência a realidade da profissão, é jogar fora a oportunidade histórica que se apresenta.
O voto unitário dos fóruns estaduais alijou das esferas de decisão a representação legítima de músicos que conhecem, porque vivem, trabalham e lutam há muito tempo por melhores condições para todos.
Esperamos que a reflexão do ministro da Cultura sobre as questões que trazemos não permita mais um equívoco.
Atenciosamente,
Ana Terra, compositora, e integrante da Coordenação do Fórum Permanente de Música do Rio de Janeiro (FPM/RJ)
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
JÁ QUE É...
já que é ponto
mas de partida
já que é parte
do que descobre
já que é arte
e se aninha
nas entrelinhas
do que produz
já que é lúcida
dentro do ato
já que é fato
se compartir
já que é tempo
vou te pedir
exista sempre
com sua luz
já que é poesia
MQ
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
SÃO JOSÉ DILIGENTE - Roncador
(Marcos Quinan / Eudes Fraga)
Arranjo: Roberto Stepheson
Arranjo de base: Eudes Fraga
Eudes Fraga - violão
Pantico Rocha - percussão
Marco Milagres - baixo acústico
Renata Ribeiro - viola
André Cunha - violino 1
Daniel Cunha - violino 2
Ocelo Mendonça – cello
GUIMARÃES ROSA
No Araguaia – I
Nestas praias sem cercas e sem dono
do velho Araguaia,
achei um amigo, escuro,
de cara pintada a jenipapo e urucum:
o carajá Araticum – uassu
Seus músculos são cobras grossas
que incham sobre o couro moreno;
suas narinas têm sete faros;
e nos seus ouvidos há cordas sutis, onde ressoa o pio
curto e triste,
que, mais de um quilometro distante,
solta o patativo borrageiro.
Quando o rio ensolado enruga, em qualquer ponto,
a lâmina lisa de níquel molhado,
ele traduz , na esteira da mareta,
com o binóculo faiscante dos olhos,
o tamanho e a raça do peixe navega escondido.
E a flechada vai arpoar, certeira , debaixo d’água,
o pacamã ou o pirarucu.
A mata não lhe dá mais surpresas
(tem vinte presas onça preta no colar),
nem o rio lhe conta mais novidades
(ele é capaz de flutuar , até dormindo,
correnteza abaixo, como um pau de pita).
Hoje eu lhe perguntei:
-“Como foi feito o mundo,
ó meu patrício Araticum Uassu?...
”Ele riu, deu um mergulho no rio,
e emergiu, com a cabeleira em gotas,
sem precisar de falar...
“Bem, mas o que é mesmo a vida , meu irmão moreno?...
”Araticum-uassu riu com mais gosto ainda,
e saiu a remar, com esforço simulado,
tangendo a piroga corredeira acima...
“Muito bem, amigo, quero saber, agora,
o que pensas do amor...”
Desta vez ele não riu - franziu o rosto,
e jogando fora o remo de taquara,
deitou-se na canoa, indiferente,
com olhos fechados, braços cruzados,
e deixando-se levar pela corrente, à-toa,
sumiu na curva, atrás do saranzal...
João Guimarães Rosa
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1971
deixe-se envolver
acorde desse torpor
mas não defina nada, viva
separe-se das coisas
viva a incerteza
de cada instante
questione-os
também em função
de sua ressaca semanal
deixe que lhe digam
todas as verdades
mas não se envolva nelas
não acredite em ideologias
nem em falsas ideologias
ideal é ser você mesmo
liberdade é palavra bonita
mas não a pronuncie
vivê-la é o bastante
abandone-se nas situações
de vez em quando
do lirismo à hipocrisia
e até a vadiagem
apaixone-se por uma mulher
uma árvore, um comercial
seja tudo que puder
fale pouco
escute (com um pouco de atenção) muito
não reestruture
nem reformule nada
tenha sempre a mão
uma garrafa cheia
ou um cigarro
pratique um vício, se quiser
olhe sempre pra frente
relacione-se com pessoas
de todas as idades
tamanhos, credo, cor
não seja caridoso, seja bom
e mais o que quiser, se quiser
não se defina nunca
MQ
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
canção do amigo
para henrique pereira alves
irmão que não tive
salvamos o passarinho, foi um sanhaço
alembra o dia
nada dentro está esquecido
a simplicidade, é isso que nos emociona
pequenas lições percebidas a tempo
éramos felizes na beira dos córregos da nossa juventude, e percebemos hoje, quando estamos também felizes, para saber só amanhã
almas atemporais
na calçada da frente, estava apenas a um quarteirão adiante, mas eram paralelas as calçadas, trilhos nas ruas das nossas pequenas cidades
pequenos pecados na calada da noite, almas envolvidas desde então
atemporais
homem do terror, existe não
te gritava, uma esquina na frente
os amigos que não ficaram senão nas lembranças, no coração
não nos deixaram, não os deixamos
alembro, você não tinha nem nascido ainda
eu já te puxava pela mão, na subida da ladeira do vai-vem
íamos encomendar um pião de goiabeira a mestre pila
também de você sentado na calçada, de madrugada, me esperando na porta da cobra verde
alembra
seu primeiro dia de trabalho com joaquim pirracento, fazendo carroça
eu estava lá
alembro
na são lourenço, ensinaram
pede uma cerveja, escolhe a qual você quer e convida para tomar um copo
quando ela beber o primeiro gole, convide para terminar a cerveja no quarto
lá dentro combine o preço antes, e o resto é com ela
foi rapidinho, você pareceu galo, disseram
me alembro, ela se chamava maristela, era bonita, só um pouco envelhecida
irmão que não tive
almas encantadas, atemporais.
encontro marcado, o menino correu, o moço encurtou os passos
calçadas, trilhos nas ruas duma cidade, achamos nosso norte
aprendemos neste encontro marcado que o tempo nas nossas vidas está é dentro de nós, atemporal
um dia, na velhice final, sentados num banco de jardim da praça da liberdade na sua ou na minha cidade te direi...
irmão que tive
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MQ
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SÃO JOSÉ DILIGENTE
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Camboinha
(Marcos Quinan / Marco Antonio Quinan)
Arranjo: Fernando Carvalho
Fernando Carvalho - violões
Pantico Rocha - percussão
Roberto Stepheson - flautas
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Encontre na www.ladodedentro.com.br
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JAC. RIZZO - As veredas do sertão
Um dia, Guimarães Rosa juntou-se a alguns bois e meia dúzia de boiadeiros, e foi viver sua aventura!
Embrenhou-se pelos cerrados de Minas Gerais, para escrever o que se tornaria seu mais belo livro! Seu Grande Sertão: Veredas.
Ele foi só um menino míope que nasceu na boca desse sertão, com uma infância solitária, povoada de bichos, livros e travessuras. Mas João, entendia de coisas e gente! E foi doutor, embaixador, diplomata!
E quando fala do sertão é com uma carga de emoção, que transforma o universo natural em universo humano! Ele conta de maneira subjetiva, profunda, a história de homens simples falando a linguagem do próprio sertão! Mais que isso...inventando uma outra forma de falar! Pondo palavras novas nessas bocas que ele arranca do fundo desses confins, para jogar no 'remoinho', no meio, no mundo!
Pois a obra desse grande escritor ultrapassa a dimensão de literatura regional, e salta para uma nova extensão, se torna universal! Vai ser arte, pela imensa beleza e força de seu texto!
Assim faz o artista verdadeiro...recria o real! Transfigura, vai buscar dentro dele a emoção para compor um outro universo - o seu, particular!
“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” Pois Guimarães Rosa morreu, inesperadamente, num dia de novembro de 1962, horas depois de dizer, ao ser empossado na Acadenia Brasileira de Letras, que ‘as pessoas não morrem...ficam encantadas.’
João Guimarães Rosa ficou encantado para sempre!
“O poeta não se traça programas, porque a sua estrada não tem marcos nem destino. Não se aliena, como um lunático, das agitações coletivas e contemporâneas, porque arte e vida são planos não superpostos mas interpenetrados, com o ar entranhado nas massas de água, indispensável ao peixe - neste caso ao homem, que vive a vida e que respira a arte. (...)
E o incontentamento é o seu clima, porque o artista não passa de um místico retardado, sempre a meia jornada. Falta-lhe o repouso do sétimo dia. Não tem o direito de se voltar para o já- feito, ainda que mais nada tenha por fazer.
A satisfação proporcionada pela obra de arte àquele que a revela é dolorosamente efêmera: relampeja, fugaz, nos momentos de febre inspiradora, quando ele tateia formas novas para a exteriorização do seu magma íntimo, do seu mundo interior. (...)
Pinta a sua tela, cega-se para ela e passa adiante. E no caso dos poetas, serenidade não é estagnação, e o brilho da face viva nada rouba à projeção poderosa da profundidade.” (...)
* Trechos de um discurso proferido por Guimarães Rosa em agradecimento a um prêmio concedido pela Academia Brasileira de Letras.
Jac.
Jac. Rizzo - http://jacrizzo.blogspot.com/
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
RUY GODINHO - GENTE QUE FAZ
RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 14.02.09
ESPECIAL TRIBUTO A VILLA LOBOS
O Roda de Choro deste sábado mais uma vez é especial. Vai reproduzir a gravação ao vivo do concerto Tributo a Villa Lobos, realizado no Teatro da Caixa Cultural, no dia 07.02.09, protagonizado pela flautista francesa Odette Ernest Dias e o violonista Jaime Ernest Dias, com as participações especiais de Beth, Cláudia, Andréa (flautas), Carlos Ernest Dias (flauta e oboé) e ainda Elza Gushiken (piano).
Além do tributo, o concerto foi uma celebração dos 80 anos de Odette Ernest Dias, que chegou ao Brasil em 1952 e aqui constituiu uma família de músicos virtuoses, além de outros tantos que ela, na qualidade de professora de flauta, ajudou a formar no Brasil.
Odette, que conviveu com Villa Lobos nos anos de 1950, durante o concerto, revelou passagens pitorescas de sua convivência com o polêmico maestro.
Na parte musical, uma seleção de peças de Bach, do próprio Villa Lobos, choros de compositores dos primórdios, entre eles Satyro Bilhar, Quincas Laranjeiras e Anacleto de Medeiros - que influenciaram a obra de Villa - além de Tom Jobim, que foi influenciado por ele.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro: www.fm94.rj.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.
Rádio Universidade FM, Londrina-PR, quintas-feiras, 22h.
Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
O POVO DO BELO MONTE II - Brás Teodoro
Pensava na rotina da minha angústia, de como gostava daquele fazer repentino, da intuição comandando tudo, de não ter nenhum conhecimento formal sobre nada. Aquilo me colocava nu diante da manifestação: minha arte sem polimento nenhum, consentida. Simplicidade gritando emoção – me disseram uma vez: - És um desesperado, por isso és são!
Eram meus pensamentos enquanto preparava o papel machê. Dali queria a possibilidade de esculpir, como já fizera no barro, sem que minhas mãos engelhassem. Preparava o material quando senti o ar ficar abafado como se estivesse sem umidade. Parecia, como se isso fosse possível, que as pequenas partículas não contivessem água e sim uma tristeza vinda de longe.
Contracenando com o momento, ouvia as Bachianas de Villa Lobos que da vitrola pareciam gritar esplendor e melancolia ao mesmo tempo. O ambiente todo conspirou com aquela sensação. Da rua não ouvi mais nenhum barulho. Tudo em volta estava parado. Um silêncio que só deixava a música espargindo, afiando o ar. Meu corpo rebelou os gestos e jogou o papel machê na tela branca que nem percebi apanhar no canto da sala. O material preparado pareceu ter vida própria e se arrumou na tela esparramando sinais; não me senti manuseando a espátula.
O papel machê tornava-se barro diante dos meus olhos e se punha em criação erguendo uma fisionomia familiar e sofrida. A tristeza do ar entrou pelos pulmões e explodiu nos movimentos atormentados das minhas mãos; os cigarros que acendia se queimavam no cinzeiro sem que me lembrasse de tragá-los; o movimento dos meus pensamentos queria não entender a hora, mas entendia de alguma maneira aquele rosto que ali nascia ou renascia e que tinha a arquitetura da solidão. De seus olhos brotavam lágrimas que a espátula espremia no barro de papel. A boca balbuciou.
– Sou Antônio...
E mais nada.
***
O bater na porta me tirou daquele encanto, se assim se pode dizer. Foi desta forma que a conheci, olhando minha última produção, uma série de cenas sertanejas. Seu acompanhante via tudo com o desinteresse de quem só faz companhia, mas o olhar dela percebia vida e se emocionava. Senti vontade de chorar e de que ela chorasse comigo. Senti vontade de que aquele homem se fosse e ela ficasse; de colocar de novo o disco e aumentar o volume e sentar ao lado daquela desconhecida para ouvir a Quarta Bachiana e chorar silenciosamente para sempre.
Nada disso aconteceu. O casal elogiou meus quadros, perguntou por uma exposição e manifestou intenção de comprar um dos trabalhos para a parede dum quarto. Voltaria noutra oportunidade e se foi como tantos outros.
Desandei a chorar mal saíram. Desandei a beber e a chorar sozinho. Sentia-me distante, numa espécie de espanto, não estava só. A música entristecia ainda mais o momento. Por quê? Não sabia. Nada naquele dia era racional ou explicável. O simples gesto de acender o cigarro era diferente, parecia eu mesmo e próprio, me vendo fazer as coisas e não que as estivesse fazendo. Via-me chorando e sentia o rosto esculpido no papel secando na mesa vestindo o meu; sentia os olhos daquela mulher bonita sendo os meus e chorando com os meus; sentia a presença de Villa Lobos regendo minha tristeza indefinida. Tudo era vago; o momento desacelerava em volta, vagarosamente. Sentia as lágrimas esfriarem escorrendo pela pele e um aperto me crispando o peito.
Um cansaço mais que físico, parecendo uma ressaca, o excesso de sensações deixando torpor e junto um conforto foi tomando conta, tomando conta... até que desabei com o nascer do dia.
Quando acordei, pensei ter sonhado tudo aquilo até ver em cima da mesa o quadro quase pronto, mas ainda úmido, talvez das lágrimas, pensei, descartando o sonho e me lembrando do rosto da mulher que queria um quadro para seu quarto junto daquele homem elegante demais, formal demais.
Não sabia o quanto tinha dormido. A vitrola continuava repetindo as Bachianas e era dia claro. Na cozinha, enquanto preparava o café, também lidava com mais material; queria trabalhar como no dia anterior, penetrar fundo naquela situação irreal e parecendo prevista, esperada ou quem sabe até desesperada.
Lembrava; Antônio... enquanto sentia as mesmas sensações do dia anterior. Tomei café puro e acendi o primeiro cigarro, olhando pela janela a rua calma. Decerto seria um domingo.. não sabia que dia era, que horas eram. O tempo saiu de meu entendimento: desaprendi a ler as horas e constatei isso ao ficar em frente ao relógio, olhando o objeto. Alguma coisa me induzia a não tomar conhecimento de nada, não sentia o gosto do café na boca, menos ainda do cigarro. Sentia-me irreal, até tocar a espátula e começar a trabalhar.
Olhei pela sala e vi as duas garrafas vazias que havia tomado. Imaginei a ressaca com que deveria estar e não estava; sentia-me bem e novamente dentro de um tempo impreciso; dentro de uma tristeza imprecisa e densa. A música parecia rasgar o ar em tiras de melancolia e atingir meu corpo com uma dor pungente que doía e libertava, como se só uma coisa fosse.
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MQ
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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
MAX MARTINS - O tempo o homem
O tempo faz o homem que faz o tempo
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
prelúdio
- à amiga distante -
imagino-te em vestido solto
sentada numa poltrona
de meias grossas
e pés na janela
num fim de tarde frio
bebendo poesia e vinho
imagino na tua pele
tons de manhãs
e olhos orvalhados
em pertencimento
e um momento de fingido pudor
quando um verso
se aninha em teu colo
e uma gota de vinho
mancha o tecido
que te emoldura o ventre
falamos de nava...
te ouço em palavras
e canto poemas antigos
- meus versos de procura -
carregando a angustia
imagino tua embriaguez
e também bebo saudade
nas palavras sem sujeição
que espalhas por veredas
- é tua alma na minha –
em atos de amor e desejos
na esquina nova do mundo
a distancia da tua presença
toca com ternura minha emoção
para compartilhar palavras
e a intensidade dos poetas
transgressores, loucos sãos
ouço villa lobos
lembro ovalle e vinícius
e sinto saudades...
quando entrego à amiga
por dito de gesto simples
esse um tipo de amor
MQ
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Ah! patriazinha, pátria minha...
Ouvi com muita atenção a definição, ponto por ponto, do que o Ministério da Cultura está fazendo com relação a Diversidade Cultural, setor recém estruturado, cheio de novidades!!!???
Entrem no site do Ministério, lá estão todas as informações!!!??? Disseram...
Atender toda a diversidade cultural das minorias, expandir as ações pela América Latina e África, mudando o foco e atendendo esta demanda. Duzentas e poucas comunidades indígenas, umas centenas de comunidades quilombolas, resgate das minorias ciganas, das comunidades gays!!!??? Desentendi. Corri no dicionário assim que pude... É isso mesmo gay, está no dicionário, significa homossexual.
Sou absolutamente indiferente quanto a escolha sexual de cada pessoa, acho que todas podem ser “o que quiser, se quiser”, podem desenvolver seus quereres com total liberdade. Tenho parentes, amigos, conhecidos e pessoas amadas que o são e os respeito sem nenhum preconceito.
Minoria!!!???. Cultura homossexual!!!??? Não entendo. Não seria o homossexualismo uma opção sexual apenas ou um comportamento sexual apenas. Coisa da intimidade de cada ser humano. Ou será que o Ministério da Cultura vai atender também as minorias que formam as comunidades sadomasoquistas, as minorias das comunidades cuja preferência sexual é alguma outra, são tantas!!!???
Entrem no site do Ministério, lá estão todas as informações, cadastrem suas comunidades que tem alguma preferência sexual especifica!!!??? Imaginem...
Desrespeito. É isso sim. Quando esse olhar preconceituoso é imposto aos nossos indígenas e descendentes, aos nossos negros e descendentes, as nossas minorias e descendentes, aos homossexuais, aos ciganos etc...
Além de não nos respeitar, estão desrespeitando também a eles como brasileiros que são. É só isso que todos somos, brasileiros, com nossas igualdades e desigualdades, nossas leis nem sempre justas, mas nossas leis. Nosso modo diverso, mas nosso, de todos nos, minorias ou não, independente de diferenças de cor, credo ou preferências sociais, sexuais, intelectuais.
Entrem no site do Ministério, lá estão todas as informações!!!??? Dizem...
Ah Internet bendita!!!???
Solução dos problemas todos. Internet para as crianças na primeira escola antes de ensiná-las os rudimentos do conhecimento para se formularem na vida. Internet no gerenciamento do Ministério da Cultura, entre lá, se cadastre, conheça os editais, estão disponíveis para todas as ações culturais.!!!??? Dizem...
O Ministério da Cultura está identificando as manifestações artísticas e culturais populares e as reconhecendo!!!??? Dizem... Falando como se as tivessem permitindo.
Nenhum artista, nenhuma manifestação cultural precisa de reconhecimento assim. A obra de cada artista, a manifestação cultural de cada ajuntamento de pessoas é validada é por elas mesmas, não precisa de ações publicas para isso. O que é preciso sim, é de que sejam fomentadas para que os sonhos que as fazem existir não fique no abnegado desejo de quem as mantém de pé e das pessoas que as reconhecem.
Os artistas estão nos Municípios, seu público igualmente está em um Município. Nossa cultura, que são nossos modos, também. Então, por vontade e atitude, o Ministério da Cultura poderia muito bem melhor olhar para a distância que o Brasil está dos outros Brasis.
Equalizar seus parcos recursos pelas manifestações culturais e artísticas de cada um, aí sim contemplar a diversidade, mas com planejamento, acompanhamento, compartilhamento junto as Secretarias de Cultura dos Estados e visceralmente com o próprio Município, produzindo resultados em todos os aspectos, e não manter seus técnicos e dirigentes zanzando por intermináveis discussões desnecessárias que nunca levaram a nada a não ser produzir um emaranhado de resoluções confusas e nunca aplicadas, distorcendo o cenário de nossos modos e da nossa arte, reconhecendo diversidades culturais em minorias que, por si só, não representam isso.
O maior público para nossas atividades artísticas e culturais está nos Municípios. A maioria sentada, em hora marcada, ávida, sim isso mesmo ávida por conhecer e reconhecer. Um público novo, cheio de vontade e inquietação, cheio de esperança, de diversidade e de minorias. São os alunos de nossas escolas.
Quando negamos o lúdico na educação com o desmembramento dos setores públicos que cuidavam da educação e da cultura juntos, - um grande erro da minha geração - semeamos o que está ai agora, rodeando os problemas com muita, mas muita conversa esquisita e pouca, muito pouca ação.
Tomando emprestado os diminutivos de Jayme Ovalle ou de Vinicius de Moraes...
ah! patriazinha, pátria minha...
não segregue nossos índios,
nossos negros,
nossos pequenos ajuntamento de pessoas,
nossos homossexuais...
tirem deles os grilhões
somos todos brasileiros,
diversos e desiguais
e, é também por isso
que precisamos nos distanciar
de qualquer tipo de ditadura
e ser de verdade uma nação*
*Dicionário Aurélio - (Pessoa jurídica formada pelo conjunto dos indivíduos regidos pela mesma constituição e que, distinta desses indivíduos, é a titular da soberania)
Adquira o trabalho de artistas amazônicos e brasileiros na www.ladodedentro.com.br
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
SÃO JOSÉ DILIGENTE
Choro de Valsa
(Marco Antonio Quinan / Marcos Quinan)
Arranjo: Roberto Stepheson
Marco Antonio Quinan - violão
Marco Milagres - baixo acústico
Renata Ribeiro - viola
André Cunha - violino 1
Daniel Cunha - violino 2
Ocelo Mendonça - cello
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Meio cego, meio surda
Tinham nascido em lugares distantes um do outro, épocas diferentes, costumes outros vieram em cada um para os dois.
Ela era quase surda, ele enxergava muito pouco. Em ambos, os dois sentidos desfaleciam. Quando se conheceram, ela o amou no instante que o viu. Ele, ouvindo, foi se entregando devagar, descobrindo-se na sensualidade daquela voz.
Com o tempo perceberam que suas almas se pertenciam; a dela, masculina, via a vida e deslumbrava-se com tanta forma e tanta cor. A dele, feminina, ouvia tudo que soasse no ar e nos seres.
Num, o silêncio apagava a música do som; no outro, a escuridão calava a luz enquanto se pertenciam.
Viveram juntos pelas ruas do bairro, decorando cada forma, ouvindo a vida. Andavam o dia inteiro; quando anoitecia, misturavam os sentidos no amor. Era assim que ela escutava a vida e ele via a beleza do mundo.
Quase a um só tempo: a tecnologia deu a ela o aparelho minúsculo, ouviu. Ele recebeu o transplante da córnea tão esperada, agora via.
Mas, ao se amarem sem suas deficiências, uma sensação nova os engoliu. Era como um amor que não valia, cego e surdo... morria.
MQ
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Gregório de Mattos
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Língua da rua
Procede permitido
Pegar palavras
Pelo particular
Passar pensamento
Persistir pessoa
Passar...
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RUY GODINHO - GENTE QUE FAZ
FM 100,9 - também pode ser ouvida pela internet
Neste sábado, 07 de fevereiro de 2009, às 19:00 horas,
Programa "Esquinas de Minas" especial com Pena Branca, João Araújo e Rodrigo Delage (música de viola)
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
GRUPO CUÍRA - BELÉM
SE ESTA RUA FOSSE MINHA
No próximo domingo, inicia a segunda fase do projeto Se Esta Rua Fosse Minha, do Grupo Cuíra.
Além da feirinha, com venda de roupas, livros, antiguidades e objetos de decoração, que funciona a partir das oito da manhã, pela Primeiro de Março, estréia no palco do Teatro Cuíra a peça Ô Abre Alas, com o Grupo Palhaços Trovadores. O espetáculo é infanto- juvenil e tem tudo a ver com o carnaval.
Ficará em cartaz todos os domingos, às 11h da manhã, até o dia 15.
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AMAPÁ
A Secretaria Estadual de Cultura (Secult/AP) divulgou que estão abertas, até o próximo dia 27, as inscrições para a seleção do Projeto Mais Cultura (PMC), do Governo Federal. Os interessados deverão procurar a sede do órgão, no Sambódromo de Macapá, no bairro Zerão. A organização interessada terá que preencher algumas exigências da coordenação do PMC.
De acordo com a coordenadora do PMC, Regina Canezim, poderão concorrer associações ou entidades com o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) regularizado. No primeiro ano, R$ 20 mil serão destinados à compra de kits multimídia para a viabilizar a criação de uma rede de pontos de cultura em todo o Brasil, através da inclusão digital. Os projetos inscritos serão avaliados por uma comissão.
Existem cerca de 650 locais beneficiados pelo PMC espalhados pelo País, cerca de 15 pontos de cultura serão implantados no Amapá. Cada um deles receberá R$ 53.333,33 anualmente, durante três anos, para impulsionar ações culturais e contribuir para a inclusão social, afirmou a coordenadora.
(Portal Amazônia)
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
ANA TERRA - O estado da música e da cultura no país
Por Ana Terra
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Comunicação da compositora, escritora e produtora Ana Terra, como palestrante no seminário "Autores, Artistas e seus Direitos", promovido pelo Ministério da Cultura, no Rio de Janeiro, em 27 e 28 de setembro de 2008. O evento, que fez parte do Fórum Nacional de Direito Autoral, foi promovido pela Coordenação-Geral de Direito Autoral do Ministério da Cultura, com apoio da Funarte. De acordo com o MINC, o encontro objetiva angariar subsídios dos autores e artistas quanto aos benefícios e dificuldades impostos pela atual estrutura do direito autoral no Brasil; ouvir quais são os seus anseios e receios diante das questões impostas pelo advento das novas tecnologias de produção e difusão dos bens culturais; e discutir como têm se dado as relações contratuais com os investidores da área cultural.
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“Nosso planeta está passando por um momento onde atingimos o ápice do ciclo cujas regras são ditadas por um conselho presidido pelo deus mercado. As conseqüências estão aí. Vivemos uma guerra civil global e nunca se viu tantos crimes bárbaros, porque a essência da vida que não está mais em nós se vinga e reaparece pelo lado mau das coisas. O grande desafio do século XXI será rever os princípios, as premissas que norteiam nossas práticas de vida. E muitas vozes, no mundo inteiro clamam pela volta da vida.
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Não me darei à pretensão de apresentar um texto jurídico diante de tantos especialistas no assunto. Não sou advogada, sou artista, autora, embora venha há mais de 30 anos advogando a causa dos meus colegas compositores e intérpretes. Também como cidadã, venho participando de muitos movimentos políticos em defesa dos princípios que orientam minha vida. E é dessa condição, de artista e cidadã que darei meu depoimento neste seminário.
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Quando comecei profissionalmente como compositora tive vários espantos. Admiradora desde a infância, da música popular brasileira e de seus maravilhosos autores e intérpretes, ao conviver de perto com alguns dos meus ídolos, a realidade se mostrou muito distante da imagem que as pessoas, em geral, fazem do mundo artístico. Vou trazer fatos porque foram fundamentais na minha trajetória para tentar compreender vários paradoxos.
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Foi um presente do destino conhecer e conviver com o autor dos versos que mais me emocionaram na infância.Lembro até hoje de meu espanto de menina ao ouvir no rádio a seguinte frase cantada: "pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz" . Por conta de minha inclusão na família, convivi como nora e depois como amiga e mãe de seus netos, com os nossos saudosos Dorival Caymmi e Stella. Posso dizer que os dois me proporcionaram, por mais de três décadas, muitos dos melhores momentos da minha vida.
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Sentado em sua cadeira de balanço num apartamento comum de classe média, em sua querida Copacabana, Dorival calmamente ia me respondendo as perguntas que eu, abismada, lhe fazia. Porque, evidentemente, eu não compreendia o motivo de um dos mais importantes nomes da canção brasileira não ser um homem rico. É claro que tanto eu quanto ele fazemos parte de uma classe que é privilegiada num país em que fazer três refeições por dia é sem dúvida um privilégio. Mas o que me espantava era ver que os gerentes da nossa profissão, isto é, empresários, produtores, advogados, administradores e editores, faziam parte de uma outra elite: a que ganha muito dinheiro com a obra dos profissionais do Núcleo Criativo.
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Chamo de Núcleo Criativo aquele formado pelos únicos elementos indispensáveis à existência da obra musical: o autor e o intérprete. Sem a autoria não há obra. Sem a interpretação não há comunicação da obra. Por haver uma conexão natural entre eles, os direitos do intérprete (cantor, instrumentista, arranjador) são conexos aos do autor.
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Por trabalhar com as palavras e gostar muito delas, implico, às vezes por motivos estéticos, outras vezes por motivos éticos, com algumas delas, quando as empregamos mal. Por exemplo, a palavra "cadeia" me remete sempre a prisões. A expressão "cadeia produtiva da música" me incomoda muito mais porque coloca o autor e o intérprete como simples elos de uma enorme corrente, quando eles são a única razão da existência de inúmeros profissionais do universo econômico da música.
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Claro que muitos são honestos e bons parceiros, tenho amigos pesquisadores, produtores, empresários, advogados, e não estou fazendo críticas pessoais, mas sim ao conceito que inverte e corrompe o sentido das coisas. Quem tem direito, de fato, de estipular preços e contratar esses serviços são os artistas, e não o contrário. O que tenho assistido é uma grande quantidade de profissionais que, na verdade, integram, como diz um amigo músico, a "cadeia destrutiva da música" comportarem-se como donos do artista e de sua obra.
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Voltando ao Dorival, e sua cadeira de balanço, fiquei sabendo no início dos anos 1970 que a maior parte de seu repertório era gerido por editoras musicais. Como assim editoras musicais? -"É que antigamente, minha filha, a forma de divulgação da música era feita por partituras. Com a partitura impressa, os compositores corriam às orquestras para tentar divulgar seu trabalho. Ainda não era o disco gravado, mas as grandes orquestras eram os principais canais difusores da música." -“Sim, Dorival, mas agora É O DISCO!!! Para que servem as editoras AGORA?”
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-"Pois é, Aninha, hoje elas só servem para autorizar gravações e fazer adiantamentos, que a gente está sempre devendo."
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-“Mas o compositor não pode autorizar e receber direto da gravadora?"
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-“Não minha filha, porque a maioria das editoras hoje em dia é das gravadoras, e tem uma tal de cessão de direitos que o compositor é obrigado a assinar senão não é gravado".
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-“E as sociedades de direito autoral que você ajudou a fundar?”
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-“Ih, nem queira saber... o início foi terrível, chamavam até a polícia quando se falava em cobrar direito autoral das casas noturnas, que usavam a nossa música e não queriam pagar. Aliás, a idéia de que a autoria da música devia ser paga nasceu de um episódio na França. Compositores jantavam num restaurante quando músicas deles eram executadas. Depois do jantar, levantaram para sair e o dono do estabelecimento veio cobrar a conta. Eles responderam: a conta está paga. ‘Foi paga com a nossa música que vocês serviram aos fregueses’.”
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Bom, agora deixemos em paz o bom Dorival, e vamos ao meu discurso. Essas sociedades, que eram arrecadadoras e distribuidoras do direito autoral, foram proliferando de tal maneira que causavam uma enorme confusão na hora de cobrar dos usuários. Músicos e aliados, então, resolveram a desordem da seguinte forma. Seria criado um órgão normativo e de fiscalização, o Conselho Nacional de Direito Autoral e uma central única, uma empresa privada constituída pelos titulares de direito autoral. Criou-se então o CNDA e o ECAD - Escritório Central de Arrecadação de Direitos.
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Pela lógica do bom senso não haveria mais necessidade de sociedades, mas pela lógica do empreguismo, as sociedades continuaram a existir meramente como repassadoras dos pagamentos do ECAD aos respectivos associados. E mais que isso, como gravadoras e editoras são tidas como titulares o direito autoral junto ao Núcleo Criativo, e o ECAD é dirigido pelos seus donos, um conselho formado por essas sociedades administra o ECAD.
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Conheço bem essa estrutura porque fui fundadora do quadro de compositores e exerci cargos eletivos na AMAR- Associação de Músicos, Arranjadores e Intérpretes, primeira sociedade dirigida apenas por titulares do Núcleo Criativo, e que foi fundada com o objetivo principal de defesa do direito conexo do músico.
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Acho importante esclarecer vários equívocos que são repetidos irresponsavelmente e acabam também se naturalizando: O ECAD não é estatal. O ECAD não é monopólio. O ECAD cobra em nome dos titulares a remuneração do seu trabalho. Portanto, os funcionários do ECAD não são porta-vozes da classe, e não podem participar de decisões políticas como, por exemplo, ter assento na Câmara Setorial da Música como aconteceu ou no Colegiado que a substituirá. O ECAD também não pode impedir que nenhum titular possa receber diretamente do ECAD seus pagamentos, se não quiserem pertencer a nenhuma sociedade. Já consultei vários advogados e eles reafirmaram o raciocínio óbvio: o direito constitucional de livre associação assim como não impede, também não obriga ninguém a se associar contra a sua vontade. E mais ainda, óbvio, os proprietários da empresa é que decidem a forma de sua remuneração e não os empregados. Quem pode mais, pode menos.
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A demonização do ECAD pela mídia serve aos interesses dos proprietários dos meios de comunicação, muitos deles políticos profissionais, e outorgantes das concessões públicas, que não querem pagar direito autoral. Nesta cultura institucionalizada do furto do trabalho alheio, estão tentando convencer o consumidor das obras musicais que esse trabalho não deve ser pago. Como assim? É um comércio como outro qualquer! Por que as instituições não querem pagar a música que utilizam dando esmola com o chapéu alheio? Se, por exemplo numa cerimônia de casamento, além das flores, do vestido da noiva, do bufê, até o padre é pago, por que não a música? Que lógica maluca é essa?
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Penso agora como, realmente, a história se repete como farsa. Quando a farra de download começou na internet, nem o poder público nem a sociedade civil ensinaram aos meninos que isso era furto e que furto é crime. O crime se naturalizou com a idéia que a internet é um território livre e democrático, quando todos sabem que grandes corporações são proprietárias desse imenso território virtual.
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Naturalizou-se o furto também quando a prática de comprar CDs pirateados começou a ser justificada, com o singelo argumento que os CDs originais são muito caros. Bom, já que é assim, proponho eu a vocês, vamos todos falsificar cédulas de dinheiro porque o dinheiro original é muito caro! Naturaliza-se o crime quando as palavras e os conceitos são corrompidos. Quando os proprietários de casa noturna cobram o chamado couvert artístico e esse dinheiro não vai integralmente para o artista. Quando as gravadoras pagam o cachê do músico e o obrigam a assinar um recibo ilegal de cessão de direitos autorais. Quando a pessoa jurídica, como a gravadora e editora, escoradas em acordos internacionais escusos, apropriam-se de um direito que é exclusivamente da personalidade, da pessoa física, do artista.
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Seguindo essa lógica, é natural, então, que os músicos solicitem ao Estado o direito à isonomia. Trocando em miúdos, que os músicos sejam incluídos, formalmente, como sócios da pessoa jurídica. Que nossos nomes sejam incluídos, como acionistas e recebam os dividendos, na razão social de todas as empresas industriais e comerciais que se utilizam da obra musical, inclusive provedores de acesso à internet e a indústria da informática.
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Além desta, lembro outra proposta e que tem precedente histórico na Inglaterra que, pelo que eu saiba, é um país capitalista. A famosa BBC de Londres é financiada por uma taxa incluída no preço dos aparelhos de TV vendidos. Já que é tão difícil coibir o furto na internet e, como dizem, "baixar música de graça já é cultura", então vamos encontrar uma solução para remunerar o trabalho dos autores, instituindo uma taxa no preço de todos os suportes físicos que permitem o uso da internet.
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Repito mais uma vez: sem a autoria não há obra, sem a interpretação não há comunicação da obra. A criação artística nasce de um estado subjetivo da personalidade, anterior e independente das normas jurídicas, mercadológicas, sociais e políticas. E, agora, passando de leve no terreno do direito formal, cito o jurista Goffredo Telles Jr.: “A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.”
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“O direito objetivo autoriza a pessoa a defender sua personalidade de forma que os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria. São direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta.”
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As diretrizes gerais do Plano Nacional de Cultura estão num caderno impresso, que se destina à difusão dos debates públicos, o que vem acontecendo em todo o país por iniciativa do Ministério da Cultura, e está aberto às contribuições que vão subsidiar a relatoria do Projeto de Lei 6835/2006, que instituirá o Plano Nacional de Cultura do Brasil.
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Este Plano orientará a atuação do Estado brasileiro na próxima década, na aplicação de políticas públicas na área da cultura. No item 4 dos Valores e Conceitos do Plano está escrito: “A sociedade brasileira gera e dinamiza a cultura, a despeito da omissão ou interferência autoritária do Estado e da lógica específica dos mercados. Não cabe aos governos ou às empresas conduzir a produção da cultura, seja ela erudita ou popular, impondo-lhe hierarquias e sistemas de valores...”
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Bom, vamos resumir o papel que o Estado e os governos tem feito na área musical. Quando a indústria fonográfica multinacional se instalou no país, foi financiada, através do governo, pelos trabalhadores brasileiros como, aliás, é pratica corrente em todos os setores. A música estrangeira que aqui chegava produzida e paga nos países de origem, era majoritariamente divulgada pelos meios de comunicação, concessões públicas, diga-se de passagem, e consumidas por nós, colonizados que somos.
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Fomos abençoados por Deus que dotou os músicos brasileiros de extraordinário talento e isso ninguém pode negar. O que o Estado fez? Como forma de incentivar a produção fonográfica da música brasileira, isentou do pagamento de impostos, o ICM na época, as gravadoras multinacionais. Então não houve investimento de capital estrangeiro, como nunca há. Quem financiou a música brasileira “de mercado” foi o dinheiro do trabalhador brasileiro que o Estado repassou pelo mecanismo da renúncia fiscal. E continua repassando até hoje, por meio da lei Rouanet.
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O Estado e os governos brasileiros tem como tradição financiar com dinheiro público as empresas privadas nacionais e estrangeiras de todos os setores. Na área da cultura, o Ministério da Cultura adota essa prática, que é repassar os recursos públicos para as empresas “escolherem” quem elas vão patrocinar, como se fosse seu investimento! Ao seguirem a “lógica do mercado”, escolhem somente os produtos que lhes dêem maior visibilidade! É com essa lógica de mercado que as empresas, financiadas pelo dinheiro público, escolhem que projetos serão patrocinados! Sem falar, só para dar um exemplo, do Cirque de Soleil, empresa estrangeira favorecida por recursos subsidiados através da lei Rouanet, criada para o incentivo à cultura brasileira.
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Alguém pode perguntar se eu defendo o intervencionismo do Estado. Mas o Estado é intervencionista por definição, haja vista a gigantesca operação do país ícone do capitalismo, que transfere bilhões de dólares para salvar o Grande Cassino da Especulação Financeira, levando à ruína milhões de trabalhadores em todo o mundo. O Estado, intervencionista por natureza, poderia, por exemplo, intervir para equilibrar as relações desiguais entre capital e trabalho, que é a função do Estado democrático.
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Poderia não ter dado poder de veto às empresas que foram convidadas para "pactuar" com os músicos na Câmara Setorial da Música. Pactuar o quê? Desde quando as classes dominantes pactuaram alguma coisa com o trabalhador a não ser por pressão? O Estado intervencionista poderia, por exemplo, deixar de tratar o artista e o pequeno produtor como um bandido que precisa apresentar milhões de comprovantes e cartas de anuência para solicitar, não o dinheiro, mas a autorização para pedir pelo amor de Deus a uma empresa que financie o seu projeto, com o dinheiro que é dele, do vizinho, da população enfim, é surreal... Se a cultura, como os outros setores precisam de financiamento, porque não destinar os recursos da renúncia fiscal para o Ministério, como o nome está dizendo, da Cultura, gerir esse dinheiro?
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Em vez de patrocínios personalistas, por que não cria mecanismos de circulação para os milhares de profissionais músicos autoprodutores do país, que não querem ou não podem pagar o jabá para terem suas obras veiculadas pelos meios de comunicação, só lembrando, concessões públicas?
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Por que não reapropriar os espaços públicos federais, estaduais e municipais como as universidades, escolas, centros culturais, meios de comunicação e teatros para que o artista autoprodutor possa trabalhar? O músico profissional não quer esmola, só quer ter condições dignas de trabalho como todo e qualquer cidadão.
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E, para encerrar, peço emprestada uma frase do filósofo contemporâneo Antonio Negri: “Todos os elementos de corrupção e exploração nos são impostos pelos regimes de produção lingüística e comunicativa: destruí-los com palavras é tão urgente quanto fazê-los com ações.”
Ana Terra é compositora, escritora, produtora musical e audiovisual.
Site: www.anaterra.mus.br
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