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Quando ia passando, pela primeira vez notou: era bela e sensual; olhava a todos pela fresta da venda com indiferença, estática e séria.
Sentiu um olhar como se lhe copiassem o corpo e seguiu em frente. A sensação acompanhou-o, até cair no esquecimento.
A partir daquele dia, começou a ouvir vozes todas as vezes que passava por ela. No começo não entendia, pensou loucura; eram poemas declamados iguais aos que seu primo fazia? Não eram. Foi se familiarizando com a voz e, mesmo no meio do barulho da rua, foi conseguindo entender aos poucos. Eram leis declaradas uma por uma, com todas as mudanças, parágrafos, artigos e códices.
Loucura. Olhava os passantes tentando comprovar se também estavam ouvindo aquilo. Parecia que não.
Em muitos dias ficou observando, ela praticamente declamava as leis. A inflexão, as pausas soavam de um jeito diferente, conforme o passante, conforme a roupa, conforme a aparência.
Não podia ouvir a palavra doutor que se calava. Passava o outro guardador de carros que trabalhava do outro lado da praça, ela voltava a declarar suas excelências.
Ninguém a ouvia, apenas ele, que também a entendia; e era por isso que, todos os dias, na porta do Palácio da Justiça, o guardador de carros urinava na estátua bela, séria e sensual.
MQ
quinta-feira, 5 de março de 2009
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