O destaque do 1º bloco vai ser a Coleção Choro Carioca - Música do Brasil. Os autores enfocados são o violonista e compositor carioca Alcebíades Vieira Nunes - conhecido como Bide - e o tenor e compositor maranhense Antônio Rayol, fundador da Escola de Música do Maranhão.
O 2º bloco enfoca o belíssimo trabalho do Conjunto Sarau, do Rio de Janeiro e as músicas do CD Cordas Novas, lançado em 1999.
O 3º bloco traz o contagiante Quatro a Zero e o som do CD Alegria, terceiro disco de carreira deste atípico grupo de choro paulista, lançado em 2011.
No 4º bloco, o destaque vai para um dos gêneros mais contagiantes da música brasileira: o maxixe. Nas primeiras letras havia a presença de expressões da gíria carioca, que lhe ficaram característicos. O grupo Invoquei o Vocal e Paulo Garfunkel ilustram o bloco com dois belos maxixes cantados.
O 5º bloco apresenta outra atração de São Paulo: o saxofonista, flautista, arranjador e compositor Da Do que lança no programa o quarto disco de carreira: Minha Cidade.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Deixa-me te amar muito Em todos os momentos Deixa-me eternizar No meu corpo o teu Onde já habitas Deixa Refletido estar Sempre Nos teus olhos Onde possuo dimensão
Vagava na chapada, havia mais de vinte anos, conhecia ela como a palma das mãos, caminho, atalhos, jeito de chegar. Era Baltazar. Uns diziam que era descendente de ciganos, outros que era dali mesmo. O certo é que cruzava aquelas terras, trabalhando ora aqui ora ali, sempre muito considerado por todos. Da família diziam que só restava ele.
- Seu Baltazar, apeia.
- Cumo vai dona Filó? Bom dia, seu Aniba.
- Dia. Chegô na hora, Filó cabô de passá um café. Achegue.
- Cum gosto, seu Aniba, cum muito gosto.
Ali mesmo, entre gole e prosa, tratou do serviço. Na preferência de Baltazar, trabalhar ali era o melhor. Fosse pela paga, fosse pelo trato, além de poder pôr os olhos em Das Dores, que quanto mais passada do tempo, mais boniteza acumulava. Em sendo filha única de seu Aniba e dona Filó, ficava no vantajoso da herança, mas isso não era cobiça de Baltazar.
Das Dores, moça donzela, jeito de menina ainda, apesar do maduro nos anos, vivia na conformação de solteira vida afora. Bonita, isso sim, ela era: o rosto, os olhos claros, os cabelos lisos sempre presos para trás, e o corpo escondido naquele mesmo jeito de se vestir. Baltazar não tirava a atenção dela. Coisa que seu Aniba logo avaliou nele foi a bem queren-ça escapulindo nos olhos, nessas horas.
- Seu Baltazar, já pensô tomá sussego na vida, pará num canto, radicá?
- Dô prá isso não seu Aniba, ponho custumação in lugá ninhum. Ponho gosto é nos caminho, na istrada.
- I’eu mais Filó tamo ficano véio, nóis só tem Das Dores e a terrinha. Se nóis fartá é ela só no mundo.
Numa pausa.
- Faço cumbinação, cunheço ocê prá mais de vinte ano, ponho reparo nos oiá docêis dois, fereço a mão dela e tudo que carecê.
- Na honra fico seu Aniba, no acanho de respostá tamém.
A conversa acabou ali. No outro dia, nem a paga Baltazar esperou. Ganhou estrada.
Dois anos passados.
Das Dores estendia as roupas na frente da casa para quarar, quando avistou no longe o cavaleiro, caminhou até o batente da porteira, enxugando as mãos no avental. Distinguiu Baltazar ainda no longe. Seu coração disparou; sem pensar muito, abriu a porteira.
- Cumo vai, Das Dores?
- No custumá, em como Deus qué.
- E seu Aniba, vim tê uma prosa mais ele.
- Foi na rua cum a mãe, apeia.
Baltazar desceu do cavalo, levou o animal para o cocho e sentou na soleira da porta.
- Nem fiz armoço ainda. Se quisé merendá, a mãe dexô quitanda feita. Vô passá um café.
- Carece não, Das Dores. Gradeço. Sabe do assunto qui quero pôr trato cum seu pai?
- Magino, mania do pai querê rumá casamento de cumbinação, mais quero não, quero só se for de bem querê.
Baltazar ficou surpreso e envergonhado, disfarçou o quanto pôde, tentou mudar o rumo da conversa, mas ela insistiu.
- Foi pur isso que ocê sumiu, igual fugino, foi o pai?
- Cumbinação foi não, ele só falô que punha gosto.
- E ocê põe?
Ele ficou um bom tempo pensativo, meio encabulado, sem saber o que fazer com o chapéu que tinha nas mãos. Mas respondeu balançando a cabeça afirmativamente.
Das Dores abriu um sorriso e falou bem baixinho, enquanto olhava Baltazar bem nos olhos.
- Brigado Santo Antônio.
Ele, por sua vez, sentiu o coração bater mais depressa. Nunca tinha sido olhado daquele jeito antes. Conhecia o afeto de muitas pessoas encontradas vida afora por onde seu caminho levava, nada como o que Das Dores demonstrou com aquele olhar. Os dois parados no meio da cozinha, água fervendo no fogo, nem notaram a chegada de seu Aniba e dona Filó que, da porta, os olhavam. Seu Aniba tossiu e pôs o quebrar naquele momento.
- Cumo vai Baltazar. Veio recebê a paga?
- Vim foi pôr trato de casamento cum Das Dores, se ainda é do agrado do sinhor e dela.
- É do seu agrado, minha fia?
Ela, baixando o olhar, sem graça:
- Se for do seu, pai, do meu é.
- Vamo cunversá lá no terrero, seu Baltazar.
Estranheza de Das Dores, que conversa seria essa? O pai vivia tentando arranjar marido para ela.
Tomando o rumo da cerca, seu Aniba foi pensando na conversa que tivera com ele, no seu sumiço de dois anos, e em toda aquela situação repentina, agora.
- É de seu querê mesmo? Tá resorvido tomá sussego? Puis reparo no que aconteceu dois ano atráis.
- O sinhor sabe da minha andança, que sô respeitadô; nesses dois ano garrei a pensá na vida. Das Dores tá no meu pensá faiz muito. Fugi no acanho de num sabê do gostá dela. Agora sei.
O casamento se realizou meses depois. Os dois viveram o primeiro ano sem filhos; no segundo, nasceu o primeiro e, daí em diante, foi um atrás do outro, para alegria de Das Dores. No todo, doze.
Baltazar tomou amor pela lida e, uma vez por ano, levava o gado para vender no curtume. Demorava mais que o necessário, mas era do saber de Das Dores que ele corria a chapada toda matando a saudade das gentes e dos lugares. Mas quando voltava, era como no dia em que pediu sua mão. Tocava o berrante no longe e chegava sempre cantando.
quando ando no sertão careceno pricisão eito prá invergá o corpo sei que num farta não quem me é de valia ladainha creio rezei tantas esqueço não
Das Dores largava tudo o que estivesse fazendo e o esperava com a porteira aberta e a quantia de amor que cabia no seu olhar.
O RODA DE CHORO deste sábado vai ser especial. Durante todo o programa desvendaremos a história dos grupos regionais: sua origem, a razão do nome, a importância como formação musical para a música brasileira, a parceria das rádios com os regionais, a função tapa-buraco na programação das emissoras, os principais grupos e algumas curiosidades interessantes.
No repertório: Os Oito Batutas, Choro Carioca, Grupo Carioca, Regional do Benedicto Lacerda, Regional do Canhoto, Época de Ouro, Água de Moringa, Caraivanas e Nosso Choro.
Minha amiga Monika (assim mesmo, artístico, sem acento e com K) Mendonça é uma espécie de fã profissional. Começou na rua Caiubi, 420, aonde ia religiosamente (foi, inclusive, quem nos deu - a mim e a Kana - a primeira carona lá); em pouco tempo já era a, digamos, fotógrafa oficial dos eventos caiubísticos; em seguida se especializou em filmar as apresentações e disponibilizá-las no youtube. Hoje tem mesmo sua página lá (Brazil Autoral), repleta de preciosidades. Mas o tempo passou, e o Caiubi foi ficando pequeno pra ela, que levou sua câmera pra palcos outros. No fundo, no fundo (não tão no fundo assim), foi a maneira que encontrou de compensar sua frustração por não ser cantora ou compositora e assim manter-se perto do universo musical que tanto ama.
O que Monika não levou em conta foi que, independente de seus talentos desenvolvidos, ela já podia se considerar artista somente por ter trazido ao mundo a prole linda que possui. Estes, sim, verdadeiras obras de arte! Claro que não podemos esquecer os 50% de direitos autorais que cabem ao sr. Iasi. Mas o fato é que, frustrado ou não, o desejo de Monika se projetou em seu filho varão, Rafael Iasi, que o transformou em realidade. Deixemos então, por ora, Monika, que deve estar agora ocupada filmando artistas que trilham o caminho do sucesso, e tratemos do moço Iasi, nosso Rafa.
Minto. Lembrei-me de um detalhe interessante não acerca de Monika, mas dos fãs profissionais (e mesmo de uns amadores) em geral que acho relevante. Estes, na condição de profissionais, esperam também profissionalismo de seus ídolos. Vão aos shows, decoram as letras, são amorosos, perseverantes, divulgam, convidam os amigos etc. Em troca, esperam uma única coisa de seu ídolo: que ele, por sua vez, tenha êxito na carreira. Quando o tempo passa e esses fãs percebem que o artista não consegue se enquadrar no perfil dos vencedores, meio que (talvez inconscientemente) se envergonham de ter gastado todos aqueles tempo e dedicação com "projetos de malditos" e passam a buscar em outros artistas, mais novos e vigorosos, o solo fértil onde plantar seu amor de fã. Pode parecer meio cruel, mas num mundo de vencedores qual fã quer se ver ligado a um artista... Sei lá, digamos... A um artista desses que protagonizam os textos do Ninguém me Conhece? Atire a primeira pedra quem nunca abandonou um ídolo! Não sou Jesus, mas tampouco eu a atirarei...
Deixemos de nhem-nhem-nhem e vamos ao Rafa, pois! Conheci-o, como a tantos outros talentosos rapazes aqui já citados, no improvisado palco da rua Caiubi, com um sorriso contagiante, moço bonito que sempre foi, com a autoconfiança de quem tem o público na palma da mão, mais Paul Newman que James Dean. Aparentava mesmo ser muito mais jovem do que era, descobri depois. E, embora não fosse um excelente cantor, tinha charme e belas canções, além de presença de palco. Lembro-me de certa ocasião em que Zé Rodrix, numa das tantas vezes que apresentou as segundas autorais caiubistas, fez um comentário chistoso a seu respeito, ao chamar ao palco meu parceiro Policastro: "Com vocês, Marcio Policastro, que tem andado muito ultimamente com o bad boy Rafael Iasi".
Mas Rafa não é simplesmente um bad boy inconsequente. É um cara ousado, sim, sem medo de errar, questionador, desses que não pensam duas vezes antes de chutar o balde, pôr a mochila nas costas e se mandar sem rumo, como já fez mais de uma vez; no entanto, o moço persegue seus objetivos, e entre os principais está a busca por autoconhecimento (tocar or not tocar). Por conta disso já chegou mesmo a abandonar a música e a urbe e passar um tempo no campo, em contato com a terra, plantando e colhendo. Foi, podemos dizer, seu momento zen. Talvez tenha seguido à risca os versos da canção de Carlos Careqa: "Por que você quer ser artista,/ Por que você quer ser cantor?/ O campo precisa de gente/ Não tem mais agricultor".
Não discuto com os irmãos Valle quando dizem que "a mão que toca um violão se for preciso faz a guerra", mas as finas mãos de Iasi não nasceram pra manusear uma enxada, muito menos fuzis. Deixemos de lado o garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, e também enxadas, pás, foices, fuzis, tacapes, tridentes... O instrumento do moço é o violão. Por falar em instrumento, uma das primeiras letras minhas que ele musicou só podia mesmo ser cantada por ele, que, com coragem e cara de pau devidas, como se cantasse uma canção infantil, não poucas vezes (e sem camisa de força, nem de vênus), entoou, pra uma plateia incrédula (embora talvez crente), a polêmica O Pau Nosso. Não transcrevo a letra aqui porque pode haver crianças na sala...
Mudando de pau pra cavaco, informo que Rafael Iasi é um de meus cantautores caiubistas prediletos. Sua música sabe equilibrar-se com naturalidade sobre o fio tênue da versatilidade e escapar de rótulos sem cair na rede (que não há em seu picadeiro). Pop, rock, samba, xote? São apenas ferramentas das quais se utiliza, variando de acordo com a letra que tem em mente (ou em mãos, caso sejam estas de terceiros). Da mesma forma, sua poesia flerta com a fina ironia, o deboche, ou mesmo o panfletarismo, sem perder o conteúdo. E Iasi, quando é pra meter a mão na massa, não pensa duas vezes. Em certa época de sua vida gastou uma grana enoooorme pra gravar em qualidade radiofônica uma única canção. Com o dinheiro gasto poderia ter gravado um CD inteiro, mas preferiu primar pela qualidade e lançar um single, que bem poderia ter tido o mesmo título do recém-nascido CD de Lis Rodrigues, Artista de Sinal. Explico: Iasi, com o tal single na mochila, teve a ideia ousada de vendê-lo nos semáforos, o que, além de lhe ter rendido muitos trocados, ainda chamou a atenção de muita gente e virou até notícia de rádio (pena que não tenha virado sucesso de rádio).
Resumindo: Iasi é um compositor mais que necessário em tempos vazios em que a maioria "fala demais por não ter nada a dizer". E é justamente uma pena que ele, que tem tanto a dizer, ande mesmo calado, sumido. Tenho saudades do tempo em que estávamos mais próximos, sempre com uma ideia na cabeça e um violão na mão. Espero sinceramente que ele não tenha voltado pro campo, a não ser que seja pro campo do Rondon, onde este tem um belo estúdio. Agora acabou de me vir à mente uma curiosidade: será que é mal de Rafael essa coisa do sumiço? Tem um Alterio que se enfurna em sua fazenda, um Leite que se esconde sob o teto de uma banca de jornal, um Barreto que vai pra Paris, um Iasi que vai pro campo... Sumir or not sumir...
Demorei pra falar dele pela dificuldade mesmo de encontrar disponíveis suas canções, que lembro só de memória (e de youtubadas). Por isso, mais uma vez, tive que recorrer à SuperMonika. Espero que as gravações que postei na página caiubista de meu X do Poema consigam fazer jus ao que ele é ao vivo. Termino com uma paráfrase conhecida:
Rafael Iasi, quando é que tu vai gravar CD?
***
Ouça alguns dos sublimes desesperos de Iasi aqui.
Leia as letras aqui. (Obs.: Por falta de gravações minimamente audíveis, acabei postando apenas canções de Iasi em parceria, mas o moço manda muito bem em parceria consigo próprio. Esperemos esse bendito CD sair pra comprovar)
. Pobres flores gonocócicas Que à noite despetalais As vossas pétalas tóxicas! Pobre de vós, pensas, murchas Orquídeas do despudor Não sois Loelia tenebrosa Nem sois Vanda tricolor: Sois frágeis, desmilingüidas Dálias cortadas ao pé Corolas descoloridas Enclausuradas sem fé. Ah, jovens putas das tardes O que vos aconteceu Para assim envenenardes O pólen que Deus vos deu? No entanto crispais sorrisos Em vossas jaulas acesas Mostrando o rubro das presas Falando coisas do amor E às vezes cantais uivando Como cadelas à lua Que em vossa rua sem nome Rola perdida no céu... Mas que brilho mau de estrela Em vossos olhos lilases Percebo quando, falazes Fazeis rapazes entrar! Sinto então nos vossos sexos Formarem-se imediatos Os venenos putrefatos Com que os envenenar Ó misericordiosas! Glabra, glúteas cafetinas Embebidas em jasmim Jogando cantos felizes Em perspectivas sem fim Cantais, maternais hienas Canções de cafetinizar Gordas polacas serenas Sempre prestes a chorar. Como sofreis, que silêncio Não deve gritar em vós Esse imenso, atroz silêncio Dos santos e dos heróis! E o contraponto de vozes Com que ampliais o mistério Como é semelhante às luzes Votivas de um cemitério Esculpido de memórias! Pobres, trágicas mulheres Multidimensionais Ponto morto de choferes Passadiço de navais! Louras mulatas francesas Vestidas de carnaval: Viveis a festa das flores Pelo convés dessas ruas Ancoradas no canal? Para onde irão vossos cantos Para onde irá vossa nau? Por que vos deixais imóveis Alérgicas sensitivas Nos jardins desse hospital Etílico e heliotrópico? Por que não vos trucidais ó inimigas? ou bem Não ateais fogo às vestes E vos lançais como tochas Contra esses homens de nada Nessa terra de ninguém!
Lindaura reclamava todo dia e Linoro fingia que escutava. Prometia providências mas, na verdade, não fazia nada. Ia levando no depois faço, até que fez mesmo. Catou estrume seco no curral do curtume e pôs para queimar, enchendo a casa de fumaça. Espantar as muriçocas? Espantava. Mas logo, elas iam acostumando com a fumaça e os da casa enojando cada dia mais daquele cheiro.
Aparecendo ali e nos vizinhos, em quantidade maior que o de costume, Lindaura pediu a Linoro para achar o lugar de onde elas vinham. Na mesma noite os dois foram no terreiro, com a lamparina na mão, e encontraram o foco na casinha.
- Traiz querosene que vou pôr fogo e matar o ninho, pediu ele. Lindaura lhe convenceu a esperar o outro dia de tardinha, hora que elas não tinham saído ainda, matava mais.
Ele acatou. No outro dia, com uma lata de quarto derramou o querosene na fossa deixando um rasto para pôr fogo de longe. Foi no borralho do fogão, acendeu um chumaço de palha de milho e quando ia chegando perto com o fogo... Bum. Só se ouviu o estouro da labareda sapecar o monte de lenha rachada e a copa das mangueiras ao redor.
A fossa exalando seus gases, somados ao querosene que ele derramou, explodiu, abrindo um buraco que engoliu até ele, espalhando sedimento e pedaços da casinha para todo lado. Foi um corre-corre danado. Lindaura gritava.
– Acode, meu Deus. Os vizinhos assustados com o estrondo e aquela gritaria, correram, de pronto, no tempo de segurá-la desmaiando.
Seu Ambrósio, mais dois passantes, correram para procurar e não encontraram Linoro em lugar nenhum em volta da casa. Sumira.
Dentro a consternação. Para todos ali, ele tinha voado com a explosão, caindo longe em pedaços. Era em volta do quintal em chamas que eles agora o procuravam. A casa foi enchendo de gente, chegavam só até a porta do terreiro para ver o buraco em chamas, sem aproximar. Dona Lindaura desesperada, em prantos, gritava querendo sair e procurar o marido. Batira, nora de seu Ambrósio, segurava, acalmando com chá de erva cidreira, e Deus sabe o que faz.
O fogo no buraco crepitava no queimar a lenha e o que restou da casinha, quando seu Geraldinho Mulato transpôs o umbral da porta descendo o degrau para o terreiro, querendo ver o acontecido, a madeira queimando estralou mais forte e um vulto saiu de dentro do buraco. Seu Geraldinho identificou como o diabo em pessoa, por causa das duas pontas do chapéu que sobrou e do corpo queimado, uma mistura de carne viva com o sedimento da fossa, como se o buraco tivesse dado nas profundezas. Deu um grito e saiu correndo sem olhar para trás.
– É o diabo. Passando dentro da casa cheia, derrubando tudo pela frente até ganhar a rua .
O povo que enchia a sala, no curioso, seguiu ele gritando.
- Cruz Credo, Ave Maria! O buraco deu nos infernos, o diabo saiu de dentro da terra.
Quem procurava nos arredores os pedaços de Linoro, ouviu aquela assuada, na gritaria correu, também, sem saber direito de quê.
Sobrou só dona Lindaura e Batira que levaram o maior susto quando Linoro adentrou pela cozinha, surdo, todo chamuscado de fogo e lambuzado de merda, ainda com o chumaço de palha na mão, olhou para mulher gritando;
Hoje é ‘Cidade Maravilhosa’. Mas, no Século XIX, o Rio de Janeiro já teve como apelidos ‘Cidade dos Pianos’ e ‘Barulhópolis’. Este último devia-se à barulheira que a população em frenesi fazia enquanto apregoava diversos produtos à venda nas ruas, de porta em porta.
- Querida por Todos... - Atraente... - Sedutora... - Sedutor...
Esses adjetivos, que poderiam muito bem ser ditos na cumplicidade da alcova, fazem parte de um diálogo erótico musical entre o flautista Joaquim Callado e a pianista Chiquinha Gonzaga, tão logo ela abandonou o marido, um militar sisudo, e ingressou na história da música brasileira.
Gafieiras eram os locais onde se cometiam gafes, publicou um afetado colunista social para alfinetar o que ocorria nos salões de bailes populares, no início do século XX. Os mesmos bailes animados e sem frescuras que depois viraram coqueluche das elites.
Cheio de curiosidades de um Rio de Janeiro que se afirmava como metrópole, assim vai ser o programa RODA DE CHORO deste sábado, dia 16.04.11.
. Quando dei por mim Tudo estava igual O que era de rir chorava O que era de chorar não ria O que era pra cantar Cismava Aquilo de calar Calava A hora do silêncio Era quieta E a festa Não festava
. eu não tenho palavras, exceto duas ou três que me acompanham desde sempre desde que me desentendo por gente, nas priscas eras em que era eu mesmo. agora sou uma espécie de arremedo, despido das minhas divinaturas. já não me atrevo ao ego sum qui sum. guardo no entanto em meu bazar de espantos a palavra esplendor, a palavra fúria, às vezes até me arrisco à palavra amor, mesmo sabendo por trás de suas plumas a improvável semântica das brumas o rastro irremediável de outro verso ou quem sabe a sintaxe do universo.
. Monjolo cascava o arroz, Zefinha catava feijão. Na roça, Dito Véio esfriava os calos da mão. O cabo apontado para o céu, encostado no peito, e o corte da enxada virado para dentro, onde ele limpava a terra do solado da butina.
A roça ficava de jeito que, do seu eito, ele avistava a janela da cozinha, enxergando Zefinha de longe. O pensamento distinguia ela, mais longe ainda, na formação das roças, na puxada do rego d’água, na doença do pai, e depois da mãe. Ia lembrando da menina nova sempre ao lado dele, pedindo garupa e ajudando tirar leite no curral. Lembrava até do dia que ela nasceu. E agora, avistando Zefinha na janela, catando o feijão, remoía por dentro o desassossego de ver ela tão moça, bonita e sozinha no mundo, mercê dos espertos. Ele foi o único que ficou, mesmo sem a paga, no esquecer dos anos.
Distraído nos pensamentos só viu quando já estava rodeado daqueles cavaleiros.
- Quem é seu patrão, nego véio?
Respondeu meio assustado levando eles até a casa onde Zefinha, já sem avental, esperava na porta.
- Que deseja, seu moço? – perguntou Zefinha.
- Tamo procurano dois preso fugido. Um tá atirado na perna, o outro é preto igual esse véio, nóis num sabe quantos tiro pegô. O rumo deles era esse, a moça viu gente estranha passá?
- Passou ninguém não.
Mal deram água aos cavalos e ganharam estrada.
- Dito, que será que os dois fizeram?
- Sabe lá minha minina, pelo tamanho da tropa, coisa muito ruim.
No decorrer de dois dias, Zefinha começou a dar falta dos indez que ela deixava nos ninhos das galinhas poedeiras.
- Dito, as galinhas num tão pono, que será que foi?
Passou Dito Véio duas noites seguidas vigiando e nada viu. As galinhas não botavam mais. Aí começaram a sumir coisas: primeiro, foi a colcha de algodão da estima de Zefinha, depois uma panela de barro, um pedaço de toucinho do varal. Outro dia foi o facão do Dito.
Os dois viviam assustados o dia inteiro, os afazeres, às vezes, entretinha. Mas logo vinha aquele desconfio de tudo que mexia no redor da casa.
Estando Dito Véio na limpa da roça, com o sentido posto no em roda, viu a sombra no lado do paiol. Foi lá que pegou os dois, nem precisou levantar a arma, estavam caídos no chão, sujos, fedendo e magros de dar dó. O que estava atirado ardia em febre, o lugar do tiro inchado e cheio de pus. O outro não dava conta de carregar o companheiro, ia deixar ele ali e seguir só.
Zefinha atrás de Dito já foi dando as ordens.
- Vamos levá eles prá dentro.
Dito carregou o atirado e Zefinha deu sustento no apoio do outro, que mal dava conta de andar. Deitou o são, deu água, comida, enquanto Dito banhou, de bacia a perna do ferido já estendido no catre, delirando. Zefinha apanhou umas folhas de fumo no terreiro e preparou um emplastro de urina com fumo e pôs na ferida; deu chá de mamacadela com palha de alho, o homem foi sossegando devagar até dormir sereno. Seu companheiro não disse uma palavra, caiu logo no sono. Ela ficou a noite toda na cabeceira do ferido vigiando a febre dele, trocando o emplastro. Essa labuta durou dois dias. Enquanto ela cuidava, ia ouvindo a história da boca do de nome Zaqueu.
- Trabaio p’ro seu Cristino, ele é da pulítica lá da Bahia; prendero nóis ano passado, nóis num matô nem robô não. Seu Cristino defendia o povo das glebas do Arreal da Barrera, terra que Coronel Ladera pois cobro cum arrumação de papel e pulítica. Prendero nóis muitos mêis, mais em sala livre, enquanto o pai do seu Cristino era vivo. Depois foi na grade mesmo. Nóis iscapô pur ajuda do cabo Olino que veio fugino tamém, mais levou um tiro derradeiro na persiguição e ficou na barranca do rio. Eu mais seu Cristino, atirado na perna, garramo num toco e descemo quase dois dia intero até a barra desse córgo e vimo dá aqui.
Na semana seguinte, Cristino já dava demonstração de cura, já passava um tempo acordado, mas não dizia nada, ainda fraco, ganhando sustento nas canjas e nas beberagem que Zefinha fazia. Zaqueu já ia limpar roça com Dito. Da janela ela ficava vendo os dois no capino, sempre conversando.
- Minha minina, qué qui nóis vamo fazê cum os dois.
- Sei não. O Cristino inda tá muito fraco. Mas se aparece a tropa do governo nóis esconde eles na dispensa.
- Eles num vão vim mais, vão só cercá na barranca do rio pr’eles num vortá.
O tempo passando e um dia Zefinha que cochilava ao lado do catre de Cristino, tigela na mão, acordou com as dele procurando as suas. Ele sorriu e beijou suas mãos agradecido.
Conversaram o dia inteiro, ele pôs mais detalhes na história, contou da sua terra, da sua gente, da morte do pai, da sua sina, agora de sozinho no mundo.
No começo, andava escorando numa vara de tambu, que Dito escolheu no mato para ele. Depois já andava pela casa, encostando aqui e ali. Nesse tempo, ajudava Zefinha nos serviços da casa. E por fim já curado.
- Tá chegando o tempo de ir.
- Por que não fica, trabalho é o que mais tem. A terra é grande, eu mais Dito carecemo de ajuda.
- Num posso abandoná minha gente, tenho que voltá.
- Traz eles, o Zaqueu falô deles p’ro Dito. Aqui tem terra prá todo mundo, nóis ajuda no dismato. Agrega os que for possível.
- Minha minina tá certa, seu Cristino. Sou seu positivo prá buscá eles; Baldino tá perto de passá, sigo cum ele até a barranca do rio, de lá o senhor dá orientação.
Naquela mesma noite, Cristino e Zefinha dormiram a primeira vez juntos. Seis meses depois começaram a chegar os baianos no Sertão do São Marcos.
O 1º bloco vai dar, mais uma vez, especial destaque à Coleção Choro Carioca - Música do Brasil. O compositor enfocado é Achiles dos Santos conhecido como Caboclo.
No 2º bloco a tônica é a Coleção Memórias Musicais Casa Edison. O autor enfocado é o clarinetista e saxofonista Bonfiglio de Oliveira, nascido em Guaratinguetá/SP, em setembro de 1894.
O 3º bloco traz a performance impressionante de Maurício Marques, nascido em Rio Pardo (RS), em 1974, na interpretação de clássicos do choro no violão de 8 cordas.
No 4º bloco teremos a suavidade e a beleza do CD Paulinho Pedra Azul e Wagner Tiso – Canções de Godofredo Guedes, um disco promocional, lançado no ano de 2000, e que recupera as canções e modinhas do magistral Godofredo Guedes.
O 5º bloco dá especial destaque à música brasileira escrita para o violão brasileiro com o ritmo do Brasil. É o som do duo de violões Corda Solta, formado por Jaime Ernest Dias e Matheus Caetano, de Brasília.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
. QUEIXA-SE O POETA EM QUE O MUNDO VAI ERRADO, E QUERENDO EMENDÁ-LO TEM POR EMPRESA DIFICULTOSA
Carregado de mim ando no mundo, E o grande peso embarga-me as passadas, Que como ando por vias desusadas, Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo. O remédio será seguir o imundo Caminho, onde dos mais vejo as pisadas, Que as bestas andam juntas mais ornadas Do que anda só o engenho mais profundo. Nâo é fácil viver entre os insanos, Erra, quem presumir, que sabe tudo, Se o atalho não soube dos seus danos. O prudente varão há de ser mudo, Que é melhor neste mundo o mar de enganos Ser louco cos demais, que ser sisudo. ..
. Já não cabem mais declarações Na verdade não cabe mais nada Toda explicação é despropositada Todo comentário é inconveniente Não há mais que se falar Em conserto ou em “será” É estranho o ponto em que chegamos No qual todos os comentários Caem como pedras no vidro
Dobramos esquinas, cada um a sua Rasgamos o tapete vermelho Que nos levava a um destino comum Mudamos a rota Numa guinada mortal Os anjos se escandalizaram Com pureza desinformada “- Absurdo dos absurdos!” Que, no entanto, aconteceu...
... e continua acontecendo A cada dia, a cada hora Como goteira funesta Que chora no fim da festa
Nosso afastamento É progressivo e presente Já que “passado” É o que parou de acontecer.
Preferia que tivesses me deixado Assim eu poderia, com propriedade Perguntar “por quê?”
Perguntaria ao céu, às aves, Às feras e às crianças Ninguém me responderia Mas entenderiam minha perplexidade E eu ganharia abraços
Preferia que tivesses me deixado Assim eu poderia imaginar motivos à noite E ir dormindo aos poucos, suavemente, Enquanto tentasse desvendar Nossa intrincada equação
Eu teria pena de mim mesma, ou ódio Só para ter o prazer De perdoar-me depois E então levantar a cabeça Totalmente consolada.
Será sempre uma anomalia Uma dor, um suspiro, A povoar os intervalos da minha felicidade Quando a lembrança me assaltar Levarei as mãos ao rosto Em um ato involuntário E perdoável
Então Na pausa da felicidade Farei reverente silêncio Pra poder me recompor E descobrir novamente Que não há nada de novo Debaixo do meu sol Tudo são espumas... Espumas de ondas passadas
“Durma em paz, alma minha!”
O passado Não é uma árvore que ficou para trás Na beira da estrada Penso que seja uma ave Que nos acompanha grasnando Desajeitadamente As músicas que cantávamos.