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Quero dizer,
sim, que foram estas andanças. De cerro mato, em torto de rio. Os encontros.
Cada um é um, por certo, dizia minha comadre, que ainda diz, nos revelos, que
as coisas são mais belas do que aparentam poder ser. Foi, que foi, nos meus sós.
Cresceu tanto de modo terreno baldio antes de bosquear. Diz -se que a terra no
onde a gente pisa tem forma de nos falar, basta ter ouvido. E que o rio do onde
se bebe a água, traz a gente sempre de volta para o ele. Mas quando, que força
desta monta eu mesmo senti, nos meus dentro e fora. Onde quando foi que,
deitado, pensando em forma de desistir, senti, que prova é quem sabe olhar o
fundo de um homem, a terra me abraçar e dizer "fique, meu filho, que aqui
é lugar seu".
Entrementes, que bulia dizer algo de mim, forma era eu sabia não. Peguei do que
conhecia, tendo passado por um demais dum vazio de ser. Qual o que um homem,
que, dotado de sabedoria, decide é largar de tudo o que sabe para se preencher
no novo. E foi assim. Só que o intento é danado, dói que ferra queimando,
assusta e apavora. Qual um curuminzinho que ainda não sabe nadar e gente joga
ele na água. Ai, que demora dum tanto em saber-se capaz! Passa por sufoco e
alívio, no bater forte do coração, no pensar que vai morrer, no desespero, qual
a beira dum cume bem alto, sem escora de apanhar e grito de socorrer.
Voltei a mim, modo como um homem, em broca de fome, vasculha terreno atrás de
fruta e caça. Era deste tanto o caminho: vim de saída dum lugar belicoso,
fumaçento, lotado de gente raivosa e dotada duma tristeza calada, crivada é
mesmo lá nos recônditos da morada da alma. Em este lugar eu fazia morada, como
que já não sabia mais quem morava dentro de quem, era eu nele ou ele em mim,
visto que o modo de ser de um podia ser o modo de ser do outro. Em vista que,
posso eu ter sido muitas vezes, eu mesmo, belicoso, fumaçento, lotado de gente.
O me sentir neste lugar, eu mesmo conto: era que, de um modo meio nublado, meu
coração doía era muito. Como o sumo de um homem se sentindo sozinho no meio de
tanta gente!
Digo isto, sim, que o serviço de alguém nesta vida é achar o seu-caminho. Que
quando as estradas estão prontas, de quem elas são? Os caminhos no onde eu
morava, já eram picados. Quem tinha picado, eu não sabia não, e para onde ele
queria ir, eu também não sabia. E, movido duma força, qual correnteza de rio,
eu me movia nestas estradas, que não eram minhas e que me levavam para dentro
delas, e eu parecia era estar sendo carregado e sem jeito de pôr os pés no
chão.
Mas que, um dia, a vida tem seus modos, vi o olhar dum velho. Era de modo que
ele tinha a vida nas mãos, que o mundo seu era dum tanto certo e nítido e
apropriado, que até dono do tempo ele parecia que era. Os meus andares estavam
por conta de construir estradas iguais a aquelas todas que eu via. Mas o olhar
daquele velho me mostrou que ele tinha mesmo, de forma própria sua, criado um
sereno jeito de se viver, forte como um terreno arado, semeado de tudo quanto é
árvore e que resiste aos rasgos de água e seca que o céu faz o chão provar.
Sucede que eu meio que segui aquele velho. Segui sem tê-lo seguido, compreende?
Nos meus pensamentos, cá de dentro. Primeiro segui foi era uma mulher, que
fazia uma arte de um tal negócio de palhaça. Ai, que foi que vi dentro do olhar
dela e da outra que também caminhava junta, que somando eram duas, e que também
olhava igual, o mesmo jeito de caber no mundo. Mesmo jeito lá, daquele velho. E
que as duas estavam eram caminhando dum jeito contrário do para onde eu ia. E
elas me acenaram dizendo: vem com a gente! Fiz, que fui. Eu estava atrás do
velho, como-que, era só dizer do sim.
Mas que, largar do tudo? Gente de próximo me diziam, como se fosse o acesso do
insano, o dizer da bobéia, o azar do sem-juízo. Que eram olhares do fora, eu
bem sabia, como do meu dentro não compreendiam. Quem era que sabia do velho? E
da mulher-palhaça? E da minha dor de não caber naqueles caminhos? E quem sabia
que os caminhos davam no sem-sentido? Sei que bem sabiam alguns com os quais eu
convivia e que estavam eram contidos na brecha do tempo e desarrazoados do
convívio, marcados por não serem compreendidos. Estes, digo-eu, mereciam vir
comigo. Mas que, pelo não, sei que deixei um pouco de mim com eles.
Era bem que tinha começado, ou ainda não? Numa beira de estrada, esperamos um
tal de um índio que nos levaria para o alto do rio, bem dentro da floresta.
Esperamos cansados, três dias, em rede atada em cima de bosteiro, com os porcos
cheirando e farejando rastro de gente e comida. Mas ficou do intento o sentido
do tempo espichado, como o quê deveria ser de lugar como aquele, o velho me
disse. A pequena aldeia, de tanta forma era grande, de se perder, com os jeitos
deles de comerem, dormirem, falarem e amarem. Coisa de monta. Estas, que dariam
livro. Em matéria de medicina, tinham o pajé e o sagrado de plantas do mato.
Falavam com os mortos e limpavam o espírito das doenças, nas pajelanças. Tinha
a uasca e o cambô. Tinha o canto que invadia o sono.
Foram mais muitas andanças. De entre quais, dos tantos feitos, se sabe ter
registro, mas que mesmo eu deixo para quem quiser saber, procurar. O que de mim
se faz saber, o velho me diz, é do crescido. Mesmo que o crescido do olhar. Mas
que, sou o mesmo de ontem ou não. Quem me diz é quem me vê, não é como se diz?
Sei que, de agora e do onde estou o mundo se passa no como eu vejo agora. Do
passado, lembro pouco, vislumbros de desgosto. Mas que, no presente, não se tem
permanências?
Se sabem, são poucos, do ofício que levo. Sou médico. Mas que, fui acrescido.
Dum tanto de estas experiências com as mulheres-palhaça. Mas que, me
transformei? Não sei mais, visto que, como eu disse, sei do que vejo agora. Sei
dum tanto que me é pouco no sentido de compreender, mas tenho vontade de dizer.
Mas que, digo: sinto é falta de ter não ter compromisso quando falo com alguém.
Pois que, sempre preciso fazer alguma coisa, para motivo de acalentar. De tanto
compromisso, me falta por tantas vezes é do natural, do vontadear. Posso eu não
querer transcorrer prosa com fulano? Sei que, posso gostar pouco, mas digo
menos ainda. Os modelos. De estradas já percorridas. Vou menos para o profundo.
A prosa segue rasa, e vou tentando achar motivo de mergulho.
Não é que a gente, por vezes, perde a alma? Como se diz. Tem uns que vendem,
pro dito. Quero também dizer mais coisa, a tempo. Tenho duas almas, como também
soube de outro homem, e de outro e de outro -nem sei mais se todo mundo é
assim! Mas, falo por mim. Uma delas, sei não, mais parece que vem como para
proteger a outra. E esta alma é a que me veste para este negócio de médico. E a
vila onde eu moro, conversa e lida é com esta alma. Ela é tal que tem jeito
próprio de amar e desamar, de jeito de falar, dum modo assim meio letrado,
sucinto e objetivo. Dum jeito meio sem-sentimento, que olha para as coisas mais
de longe, que quer se afetar pouco pelas coisas. Dum jeito que fica assim meio
de lado para as pessoas, pois sabe que, se deixar, "o pessoal monta em
cima", como disse o caboclo.
Agora, tem a outra alma. Que dela digo pouco, pois que é ela quem vos fala
agora. Sabe quem então me ouve. Ela mesma- essa alma-, que ouve o velho. Como
que, não foi que vim até aqui? Casei com a mulher-palhaça. E vou ter uma filha
com ela. Essa mesma alma que chora bem por dentro, abafada pela outra, em
mais-de momentos. Chora às vezes à noite, escoando do travesseiro. Ela ri
também, nuns tantos. E foi ela que acresceu, nestas andanças. Ela que-palhaça.
O velho fala é com ela.
Essa alma faz modo de eu ficar aqui, agora, no sossego do mato, no encalço dos
homens daqui, querendo ainda mais aprender. Como se faz a bajara, e se pesca de
tarrafo. Como se trata desmentidura ou rasgadura. E como descer o caminho do
rio.
Frederico
Galante
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