quarta-feira, 30 de junho de 2010
pedindo
mergulhar profundamente
nos teus olhos
procurar-me em teu corpo
num desejo latente
de me ter
somente através dele
e poder te dizer
pedindo
depois eu quero mais
MQ
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terça-feira, 29 de junho de 2010
JAC. RIZZO - Nascem meninos
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Para um menino
chamado Henrique, que mora no meu coração!
O nosso querido Rubem Braga disse, numa crônica, que o poeta Drummond fez um poema para os meninos que nascem. Um poema seco e triste. Mas Drummond era assim, oitenta por cento de ferro na alma, lembram...Itabira...
Pois, diz o cronista, o poeta contempla com inquietação e melancolia os meninos do futuro. Sente que neste mundo estranho as vozes podem perder o sentido ao cabo de uma geração. Pensa nessas pequeninas e vagas criaturas sonolentas, que não enxergam, não ouvem, não sabem ainda nada do mundo, e quase apenas dormem, cansados do longo trabalho de nascer. Um texto lindo, que toca o coração da gente.
E diz ainda, nosso cronista maior, que nós todos tentaremos lhes apontar um caminho. Eles aprenderão que o céu é azul e as árvores são verdes, que o fogo queima, a água afoga, o automóvel mata, e que é preciso andar limpo e responder as cartas. Temos um baú imenso, cheio de noções sobre tudo.
Eu acrescentaria, queridos Drummond e Rubem Braga, sobre o cuidado que eles deverão ter nessa caminhada. Dos perigos que escondem, discretamente, essas dobras do tempo. Diria que o amor pode ser doce, mas também pode ferir fatalmente, um coração desavisado. Que escondemos mistérios no fundo do nosso ser. Que há muitas armadilhas espalhadas ao longo da vida .
Mas, por ora, como nascem ainda meninos, lindos, cheios de crença, nós devemos com cuidado extremo e bem devagar, não lhes passar o peso de toda nossa angústia e longa miséria.
Que esses meninos venham com o coração aberto e cheio de ternura. Ah, não lhes tiremos a ternura! Deixemos que o tempo a desgaste. Que tragam algo novo, como melhores razões para se viver. Que esses meninos surjam como as manhãs claras e azuis. Como a brisa fresca que chega do mar. Como o amor que renasce sempre... suave e esperançoso de existir eternamente.
Jac. Rizzo - http://jacrizzo.blogspot.com/
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segunda-feira, 28 de junho de 2010
domingo, 27 de junho de 2010
PEDRO VIRIANO E JOÃO MUTABA - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
tudo por fazer
na terra nova encontrada aqui
tudo por entender
do braço índio nascido aqui
vida viva de vencidos e vencedores
vivendo livre
sobejando aqui
encontro das culpas seculares
aprendidas de joelhos
e mãos postas em armas
com a vida viva nascida aqui
declamação:
contrição e a rubra mordaça
desnudada nas batinas
entalhes lúbricos resultados sem lavor
traço negro trazido à força
para empenho e labor
vida viva mutilada da altivez
restada nos porões pútridos do estanco
manumissão de libertos juntos
calados e misturados
às conquistas que o deszelo
cobriu com hipocrisia
sobrepondo lenitivo à vida
do braço índio cativado aqui
do braço negro exilado aqui
do braço branco renascendo aqui
verdade mestiça de dores
esparramadas em subserviência
findando no descaso com a terra
que se fingiu descobrir
o gentio se misturando mesmo curvado
quimeras prenunciando salvação
imitando de mão em mão um deus um rei
mas sonhos podem ter as mãos
quando ganham os espertos com seus grilhões
mas sonhos podem ter as mãos
quando tocam a verdade nos sonhos
de outras mãos e somam a escolha da liberdade
de mão em mão
óbolos de fel que põem solenemente acima
falsos e vazios circunspectos sujigando
em leis que moem e subtraem apenas
estugando o ódio nas entranhas
da morte em cal sangue e fezes
embriagados na loucura dos boticários
punindo em vão segregando o respeito
dor, adornada de dor adonando todos
desencadeando vala comum e rasa do penacova
valimento dos restos de menos valia
rompâncias e sujeição assomados nas ruas
iniquidade torturando calma e silêncios
no ecôo da concertina no sibilo das balas
polução na calma da noite na soberba das alforrias
cordura com os atos exéquias pequenas e tristes
nos arrabaldes do sonho mourejados só com a vida
cabedal que se doa com zelo sem datação
ressôo de bombardino sibilo das ordens
entrando pelas gelosias das janelas abandonadas
pelos senhores intolerantes
sobrecarga da ira no gentio apartado
vagando erradio pelos mocambos
deixando rastos imperceptíveis
nos bivaques e caminhos
no negro amolegado pela chibata
homiziado nas quilombolas
no branco tocado pela liberdade sem laços
rompendo desígnio
detração pelos adros e palácios como vômito
no linóleo impregnado
o esgar dos brasões enrijecendo a verdade
pelas ruas e caminhos espalhando vontade
o gesto lesto esmiuçando os arredores
até o suburgo na beira do rio
onde folga homens embaixo dum pau copado
deslindando seu relato parte por parte
para entender melhor o dédalo das leis promulgadas
postergando e emudecendo o ventre tenro
onde a liberdade queria nascer
só a memória espalhava
calor de luta no peito
pólvora no rosto marcava
a palavra armada de feito
e a lembrança deixava
sem mistério o seu jeito
anil-trepador entalhava
como se mãos fossem letras
misturaram os caminhos
confluindo o sonho o destino
montaram naquelas águas
defluentes do mesmo alinho
o grito que punham nos fatos
devagar se escrevia em silêncio
orgulho na voz dos mortos
plantando a cura no tempo
ê abaribó... ê abaribó...
sê abaribó... sê abaribó...
ê, ê, ê abaribó...
ê abaribó... ê abaribó...
sê abaribó... sê abaribó...
ê, ê, ê abaribó...
voz e violão: sérgio souto
sábado, 26 de junho de 2010
GUIMARÃES ROSA
Cordisburgo ganha portal para lembrar Guimarães Rosa
O pórtico de Cordisburgo, que fica a 113 km de Belo Horizonte, retrata o sertão, num projeto entre o governo de MG, a prefeitura da cidade e da associação de amigos do Museu Casa Guimarães Rosa.
Criação do artista Leo Santana. É feito com uma chapa de ferro onde se destacam a imagem em bronze do escritor e de vaqueiros em seus cavalos e também a de um cão, figuras frequentes no sertão e na obra de Rosa.
Portal Grande Sertão - Inauguração: 27/06/2010. Local: Praça Miguilim (Cordisburgo - MG). Horário: 16h
Via Estadão - http://www.estadao.com.br/cultura/
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CANÇÃO DOS POVOS DA NOITE - CANDINHA
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Candinha
(Marcos Quinan)
Arranjo - Fernando Carvalho
Violão – Fernando Carvalho
Flautas - Roberto Stepheson
Cello - Fábio Almeida
Viola - Ivan Zandonada
Violino - André Cunha
sexta-feira, 25 de junho de 2010
AMASTOR E LUZIA - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
vendeira
mercadejando pelas ruas
os olhos eram duas luas
na forração da madrugada
faceira
saia rodada em tornozelos
corpete de mangas tufadas
e o jasmim lhe dando cheiro
dançava
os seus quadris eram pandeiros
seu corpo era uma toada
o mais sublime dos gambelos
assassinado a pancada
pecado
que amastor não perdoara
guardou no ouvido bem guardada
a voz opaca do pedido
daquela moça judiada
mata ele mata ele
mata ele mata ele
e amastor embrutecido
atravessou a madrugada
a espera do tal desgranido
e o matou na alvorada
conforme havia prometido
pra luzia sua amada
conforme havia prometido
pra luzia sua amada
voz e violão: sérgio souto
RUY GODINHO - RODA DE CHORO
RODA DE CHORO - ESPECIAL
‘A REVITALIZAÇÃO DO CHORO’
O aparecimento do choro data da década de 1870 e tem sua origem no estilo de interpretação que os músicos populares brasileiros imprimiam à execução dos gêneros europeus - principalmente da polca - que aqui aportavam. Em 1870 foi o ano que o excepcional flautista Joaquim Callado, introduziu a flauta na formação musical de dois violões e um cavaquinho, criando o quarteto ideal, ao qual ele denominou de Choro Carioca.
O Choro cresceu e se consolidou, a partir do talento e da capacidade inovadora da segunda geração de chorões. Tanto que, em 1910, foi realizada a primeira gravação em que o gênero foi registrado como Choro.
Mas, ao final dos anos de 1950, início dos 60, com a ascensão da Bossa Nova e a valorização de outras formações musicais, o Choro sofreu um profundo golpe. As gravadoras perderam o interesse; as rádios, por sua vez, não o tocavam mais e o gênero foi pro fundo do poço.
Mas, na década de 1970, uma série de acontecimentos despertou o interesse de músicos, da mídia, das gravadoras e do público consumidor e o gênero sofreu uma verdadeira revolução. A Revitalização do Choro é o assunto do programa deste sábado.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro: www.fm94.rj.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h.
Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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TEATRO OFICINA - SÃO PAULO
Teatro Oficina é tombado e vira patrimônio federal
Prédio projetado por Lina Bo Bardi onde funciona o Teatro Oficina, no Bexiga, região central de SP, foi tombado pelo Iphan.
Via Folha de São Paulo .
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quinta-feira, 24 de junho de 2010
BOCA e DCS Comunicações ganham Leão de Cannes com o "Eu já sabia"
CAMPANHA: OLYMPIKUS RIO 2016
TÍTULO: Eu já sabia
PRODUTO: INSTITUCIONAL
AGÊNCIA: BOCA e DCS Comunicações
CLIENTE: OLYMPIKUS
CRIAÇÃO BOCA: Eduardo Menezes, Everson Klein, Marcelo Quinan e Gabriel Gama
CRIAÇÃO DCS: Rodrigo Alves e Everton Behenck
DIREÇÃO DE CRIAÇÃO BOCA: Eduardo Menezes
DIREÇÃO DE CRIAÇÃO DCS: Roberto Callage e Rafael Bohrer
ATENDIMENTO AGÊNCIA BOCA: Everson Klein e Marcelo Quinan
ATENDIMENTO AGÊNCIA DCS: Letícia Peroni e Camila Roveda
DIRETOR ATENDIMENTO AGÊNCIA DCS: Mário Paravisi e Luciana Grazziotin
PRODUTOR /RTVC AGÊNCIA DCS: Ana Paula Luce
PRODUTOR GRÁFICO AGÊNCIA DCS: Mariene Braga
ARTE-FINALISTA AGÊNCIA DCS: André Teixeira
MÍDIA AGÊNCIA DCS: Vera Peres
APROVAÇÃO CLIENTE: Pedro Bartelle, Márcio Callage e Bárbara Casara
RELAÇÕES PÚBLICAS BLOGS: Ian Black e Alexandre Inagaki
http://www.vimeo.com/10758192
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VINÍCIUS DE MORAES
Trinta anos após a morte do poeta, compositor, dramaturgo, jornalista e diplomata Vinícius de Moraes, foi sancionada a lei que torna o artista Ministro de Primeira Classe da Carreira de Diplomata.
A razão para o ato é que Vinícius foi aposentado compulsoriamente em 1968 por conta do Ato Institucional n.º 5.
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quarta-feira, 23 de junho de 2010
CELESTE - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
guerra findando lá fora
dor torcendo seu jeito
solidão não marca hora
e põe gemidos no leito
a pele da morte arvora
saudade em seu preceito
a vida foi-se embora
do luto fez-se o confeito
fincada a ausência devora
roendo a alma no peito
lugar em que rosário mora
escrava fiel desse eito
finando sem cor a senhora
negou-se ao esquecimento
morreu de amor ido embora
perdida do seu pensamento
finando sem cor a senhora
sombrio foi seu passamento
será que a morte a consola
calando pergunta o momento
será que a morte a consola
calando pergunta o momento
voz e violão: sérgio souto
terça-feira, 22 de junho de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
MURTINHO E ROSINA / JOÃO FANDRO E FRANCISCO RUGOSO / CUMARÁ E NHEIÚ / TARCISA E FRONHO / TOMÁSIA / DOURADO, TUMIDA... - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
o riso nasceu nas bocas
viraram dois maiorais
imitando nas horas poucas
o que a alegria apraz
esbulho trouxe poder
vergasta a traição
ficou sem conhecer
nenhuma punição
a febre comendo os olhos
com os dedos de escuridão
no rio de seus abrolhos
a morte pega o timão
seio de corda batendo
no terreiro alegria
a guerra fera gemendo
seu choro calando o dia
a morte chegou cobiçando
não a beleza nem o pecado
queria a liberdade dançando
naquele olhar embaçado
escaramuças cercando vidas
que se encontraram em vão
sonhos purgando as feridas
e a morte oferecendo o pão
cada qual seguiu seu certo
tal e qual vimos passar
nos cantamos o encoberto
descobrindo pra cantar
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voz e violão: sérgio souto
domingo, 20 de junho de 2010
sábado, 19 de junho de 2010
ENEU - COLHO CURA ( SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
alforriada enfim liberta
alma alada ao corpo empresta
suas asas amplas abertas
e uma casa feita de réstia
pra que ao sol ele resida
e voe nu sem trapo ou véstia
e viva corpo em carne viva
e deixe a pele pra moléstia
e assim à lepra ele resista
ao chão da úmida floresta
e adube o sonho de conquista
e que a conquista seja esta
a liberdade que se avista
em cada olhar em cada testa
em cada gesto antiescravista
de cada ser que a chaga empesta
que a santa casa imperialista
tanto o exclui quanto o nega
talvez por nojo ou ojeriza
de uma misericórdia cega
que só tem olho pro escravista
que em seu leito não enxerga
a lepra exposta feito crista
no corpo que jamais se verga
ser forjado na conquista
escalavrado pelas guerras
casca de alma lazarista
adubo-homem sobre a terra
há de ser humo na floresta
há de mudar os falsos rumos
há apagar toda essa cresta
há de centrar os novos prumos
voz e violão: sérgio souto
sexta-feira, 18 de junho de 2010
RUY GODINHO - RODA DE CHORO
O programa Roda de Choro deste sábado mais uma vez será especial. Isso porque estaremos recebendo em nossos estúdios o pianista e compositor mineiro Antonio Carlos Bigonha, que fará o lançamento nacional de seu segundo CD autoral, Urubupeba, lançado em 2010.
O disco consolida uma marca que Bigonha apresentou desde o Azulejando, lançado em 2004: bom gosto, sofisticação e alto nível.
Este chega a ser luxuoso, pois traz nada menos do que arranjos e regência de Dori Caymmi, que não economizou. Incluiu orquestra de cordas com 20 músicos, além de Juarez Moreira, Jurim Moreira, Jorge Helder, Paulo André Tavares, Oswaldo Amorim e Leander Motta.
Na parte musical, tocaremos dois blocos com músicas do Azulejando, para fazer uma retrospectiva e três blocos com músicas do Urubupeba.
Ouça pela internet:
Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro: www.fm94.rj.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h.
Produção e Apresentação: Ruy Godinho
Um passar de triz
Procuro verdade, umazinha
Qualquer uma
Seja na fotografia estampada
Nos maços de cigarro que fumo
Na segurança de andar amarrado no carro
Ou numa propaganda do governo
De qualquer governo
Procuro originalidade, umazinha qualquer
Na televisão que se copia indefinidamente
No cinema que só aprendeu engatinhar
Numa rádio, transformada em moeda política
Procuro nosso tamanho, só uma olhadinha
Nos jornais e revistas
Lá impressos estão o de outros
Gente de diversos lugares
Significando o nosso
Procuro a fé, só um pouquinho
Nas igrejas e templos
Lá, estão protegidos pela ignorância
Os vendilhões da maior mentira do mundo
Então na intimidade da poesia
Descubro que verdade
Originalidade, fé
E nosso tamanho
É apenas um passar de triz
Diante do falso cultivado
Formidando para criar verdades
MQ
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quinta-feira, 17 de junho de 2010
CELESTE E ROSÁRIO - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
pra cada tiro ardente beijo
pra cada afago um corpo ao chão
pra cada morte o mor desejo
pra guerra inteira uma paixão
lá fora enquanto o sangue jorra
cá dentro aquece o coração
lá fora enquanto a guerra tora
cá dentro em gozo a explosão
do amor da noite pela aurora
fica o orvalho suor no chão
no de rosário e sua senhora
úmidos anelos na emoção
lá fora grita a liberdade
estralam balas soa o canhão
e a trepadeira flora no enlace
com o caramanchão
na casa em que as duas moram
o alicerce agarra-se ao chão
amor abrigo que as sustentam
pondo-lhes asas em cada mão
é libertando para a vida inteira
na colcha gris sobre o colchão
voz e violão: sérgio souto
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Pedro Viriano e João Mutaba - SERTÃO DO REINO
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Pedro Viriano e João Mutaba
Acordou muito cedo, precisando das primeiras horas do dia, a memória espalhava calor de luta no corpo, sentia-se alquebrado pela idade e solidão, mas não se deixava quedar. Da janela, olhava a curva do rio, os paus-d’arco floridos no meio da mata e se punha no passado, esperava João Mutaba como fazia todos os dias. Parte do que contava estava na lembrança dele também. Queria manuscrever tudo e iam se recordando pouco por pouco.
Quem escreverá nossa história senão os poderosos que sabem ler e escrever. Como saberão o quanto queriam a Amazônia européia e que só o sangue derramado evitou que ela não fosse brasileira.
Supria o pensamento, enquanto Mutaba preparava o papel e o tinteiro.
Remanesciam dos que não quiseram anistia, preferindo a vida nos ermos do Abaribó, lugar agora quase despovoado, escondido na mata fechada e na fama da valentia secular dos cafuzos que um dia dominaram aquelas terras.
Não se conheciam até o dia que se encontraram fugindo, cada um com sua família. Pedro Viriano, oficial calafate quebrado na virilha esquerda e com o rosto marcado de pólvora, remava subindo o Guamá com mulher e filha. Mutaba, negro, descendente de escravos vindos de Goiás com seus donos, nos primórdios de Cametá, nascido forro sem saber por quê; nadava tentando atravessar o rio com o filho nas costas. Dali nunca mais se separaram, subiram todas as águas procurando o Abaribó por mais de ano.
No sertão Abaribó quase deserto e desolado, a maioria dos que chegavam, vinham com esperança de encontrar, no mistério daquelas águas que o cortavam, ora afluentes, ora confluentes, ora defluentes, confundindo qualquer perseguição, o refúgio que a bravura pedia e se impunha sobre a anistia pedida, com honradez, por patriotas e concedida, como espórtula, com descaso por improficientes.
Pedro lia para Mutaba. De olhos úmidos, brilhando no reflexo do sol da manhã. Narrador e personagem ao mesmo tempo, empunhando com as mãos trêmulas a arma da palavra escrita, aprendida com a mãe e afiada pelos livros que o Cônego lhe recomendava ler. Sabia a última batalha travar, contava com os lampejos de Mutaba, com a tinta que ele extraía; devoção na tarefa de manter o tinteiro sempre cheio. Demorava olhando o chão de terra batida, macambúzio. Lembrava a mulher e a filha mortas pelo escorbuto em meio à falta de recursos.
O corpo ia cedendo aos anos e à pobreza do lugar. As palavras iam ficando no escasso papel, nas letras meio borrados em tecidos de algodão e nos ouvidos de Mutaba que pedia quase todo dia a Pedro Viriano ler o poema da liberdade, se sentia importante ouvindo tantas pa-lavras bonitas que ele não conhecia e nem entendia, mas sabia ter ajudado escrever; seu orgulho, lutar aquela luta, preparar a tinta desde a extração do anil-trepador até o preparo com gotas de óleo de andiroba, carvão e ervas sicativas, receita que a intuição cabocla, logrou. Daquela aguada escura saía também beleza na entonação da voz.
Pedro lia :
tudo por fazer
na terra nova
encontrada aqui
tudo por entender
do braço índio
nascido aqui
vida viva
de vencidos e vencedores
vivendo livre
sobejando aqui
encontro das culpas seculares
aprendidas de joelhos
e mãos postas em armas
com a vida viva nascida aqui
contrição e a rubra mordaça
desnudada nas batinas
entalhes lúbricos
resultados sem lavor
traço negro trazido à força
para empenho e labor
vida viva
mutilada da altivez
restada nos porões
pútridos do estanco
manumissão de libertos
juntos
calados e misturados
às conquistas que o deszelo
cobriu com hipocrisia
sobrepondo lenitivo à vida
do braço índio cativado aqui
do braço negro exilado aqui
do braço branco renascendo aqui
verdade mestiça de dores
esparramadas em subserviência
findando no descaso com a terra
que se fingiu descobrir
o gentio se misturando
mesmo curvado
quimeras prenunciando salvação
imitando de mão em mão
um deus
um rei
mas sonhos podem ter
as mãos quando ganham
os espertos com seus grilhões
mas sonhos podem ter
as mãos quando tocam
a verdade nos sonhos
de outras mãos e somam
a escolha da liberdade
de mão em mão
óbolos de fel que põem
solenemente acima
falsos e vazios
circunspectos sujigando
em leis que moem
e subtraem apenas
estugando o ódio
nas entranhas
da morte em cal
sangue e fezes
embriagados na loucura
dos boticários
punindo em vão
segregando o respeito
dor
adornada de dor
adonando todos
desencadeando vala comum
e rasa do Penacova
valimento dos restos
de menos valia
rompâncias e sujeição
assomados nas ruas
iniquidade torturando
calma e silêncios
no ecôo da concertina
no sibilo das balas
polução
na calma da noite
na soberba das alforrias
cordura com os atos
exéquias pequenas e tristes
nos arrabaldes do sonho
mourejados
só com a vida
cabedal que se doa
com zelo, sem datação
ressôo de bombardino
sibilo das ordens
entrando pelas gelosias
das janelas abandonadas
pelos senhores intolerantes
sobrecarga da ira
no gentio apartado
vagando erradio
pelos mocambos
deixando rastos
imperceptíveis
nos bivaques e caminhos
no negro amolegado
pela chibata
homiziado nas quilombolas
no branco tocado
pela liberdade sem laços
rompendo desígnio
detração pelos adros
e palácios como vômito
no linóleo impregnado
o esgar dos brasões
enrijecendo a verdade
pelas ruas e caminhos
espalhando a vontade
o gesto
lesto
esmiuçando os arredores
até o suburgo na beira do rio
onde folga homens
embaixo dum pau copado
deslindando seu relato
parte por parte
para entender melhor
o dédalo das leis promulgadas
postergando e emudecendo
o ventre tenro
onde a liberdade
queria nascer
João Mutaba não movia um músculo do corpo, ficava tempo olhando o longe. Pedro Viriano, cada dia que passava, terminava a leitura com a respiração mais cansada. Ensimesmado como o ouvinte, se perdia das palavras, ficavam horas trocando seus silêncios.
Enganava o tremor das mãos com a tarefa que se impunha, pedia a Mutaba tinta e a lembrança da chegada do mestiço Visgo Rei e sua gente, anistiados e depois fugidos do Corpo de Trabalhadores.
Nossa verdadeira derrota foi na calada das leis que perdoam e aprisionam a um só tempo: os braços e os sonhos, desespero dos precitos, trabalho livre em grilhões, dispostos. Servidão paga com moedas esvaecendo direitos, cortando fio por fio a teia que a liberdade ousava tecer.
Escrevia traduzindo a voz cansada. Escrevia...
Pedro Viriano foi encontrado por Mutaba sentado no banco, na mesa, em frente à janela onde costumava ficar olhando as águas, a cabeça tombada sobre o ombro direito como se as visse. Nas mãos, segurava o maço com seus escritos, os braços esticados pareciam querer entregá-los a alguém.
João Mutaba sentou no chão batido da soleira, olhou os caminhos do Abaribó entrando pela mata, findando nos barrancos, ligando as cabanas; um abandono, somente velhos esquecidos e esquecendo, pensava em silêncio, ouvindo a voz do morto recitando:
... postergando e emudecendo
o ventre tenro
onde a liberdade
queria nascer
MQ
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terça-feira, 15 de junho de 2010
TRANCA DE RIO - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
a água do manadeiro
borbulhou encarnada
a carne do aguadeiro
foi a chumbo rasgada
em todo o chão do reino
a guerra foi deflagrada
naquele dia horrendo
de carne dilacerada
a sede secou as bocas
o fogo rachou as almas
as vozes ficaram roucas
e mãos a suar nas palmas
mentes ficaram ocas
na luta se dando às claras
faces ficaram loucas
as ruas perderam a calma
a sede desse momento
qual forma de saciá-la
à chuva do firmamento
a sangue extraído à bala
à lágrima em movimento
rolando n’alguma cara
à foz desse rio barrento
lavando o rosto e a fala
o homem ali morrendo
dançando dando risada
menino se convertendo
traçando a sua alçada
foi liberdade correndo
nos campos da alvorada
espírito de água e vento
à luz da manhã sonhada
a água do manadeiro
borbulhou encarnada
a carne do aguadeiro
foi a chumbo rasgada
voz e violão: sérgio souto
JAC. RIZZO
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Não há velhos
Os poetas nunca envelhecem...
Se em toda manhã renascem,
não se reconhecem no dia que passou...
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Amastor e Luzia - SERTÃO DO REINO
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Amastor e Luzia
Na porta era a maior confusão, dentro pior ainda, apesar de nenhum negro entrar naquela sala, senhores, viúvas e até padre Laffaiete com seus quatro escravos vinham tratar, dar-lhe alforria mediante os papéis de credito que estavam valendo mais do que moeda cunhada.
Para Amastor, olhar zambro de permeio com os alforriados e voluntários como ele, ajuntados para embarque, procurava se esconder das vistas do oficial. Matara-lhe o pai quando muito mais novo.
Aproveitara o ataque, a primeira confusão com os alemães nas matas de Nazaré para tomar dianteira e entrar na casa do português. Sorrateiro, acordou e deu fuga aos escravos que quiseram fugir. Os demais, na ponta da arma, esperaram o dia clarear. Entre eles o menino, mulato, de olhos saltados como os do pai, segurando no cós da saia da avó, mãe de Luzia.
Amastor, enquanto esperou, pôs Luzia em seu pensamento, sua lembrança passeava, vendeira mercadejando pelas ruas, com os cabelos presos pelo pente de casco, marrafa, adornos e um ramo de jasmim emprestando cheiro. Saia rodada pelos tornozelos, corpete de mangas curtas e tufadas e o cipó catinga recendendo. Rés ao chão, seus pés pisavam passos de dança. Ela dançava.
A voz do menino perguntando à avó quem era, trouxe-lhe ao grave da hora e à imagem de Luzia, escrava de estimação, inerme nas mãos do dono, abastado, sovina, reinol influente na política que a tomava quando quisesse e espancava com as próprias mãos.
A resposta na voz da velha, quase um murmúrio, colocou-o na cabeceira de Luzia, uns últimos suspiros em meio ao seu nome falado baixinho, sem forças. O pedido sussurrado:
– Mata ele.
As pessoas chorando, gritando, a parteira tentando tirar o filho. O corte a facão, a mão puxando por um fio, e a criança retirada do ventre morto da mãe, um corpo quase mutilado a pancada, esbulhado da vida e do seu amor, Amastor sentiu desejos de acabar ali mesmo com o nascido. Foi contido e, naquela mesma madrugada, fugiu depois de tentar matar o português.
Ficou o mais procurado fugido pelo Corpo de Ligeiros, vagou por aldeias e quilombolas até encontrar os primeiros sinais do povo Abaribó. Eram poucos. Índios, cafuzos e alguns negros como ele. Seguiu-os se achando despercebido até ficar cercado por mais de uma dúzia. Foi levado, misturado a eles sem nenhuma hostilidade, para a principal aldeia. Deram-lhe de comer e ouviram sua história sem fazer muitas perguntas.
Olhava o menino com a avó e relembrava sua vida no Abaribó, dia a dia sonhando voltar e cumprir a promessa feita a Luzia. Queria dizer alguma coisa, quando ouviu o barulho da porta da casa se abrir, era o português aos gritos, reclamando não ter ninguém na cozinha. Amastor esperou ele dar os primeiros passos e se revelou de arma abaixada para que fosse bem visto, tomou mira e acertou o balaço no peito. O português estrebuchou aos seus pés, sem ais.
Apenas um instante durou sua hesitação, a avó e o menino se colocaram na sua frente fazendo com que desistisse de entrar na casa e fugisse pelo mato. A cidade já estava quase toda tomada pelos companheiros, a euforia contaminava quem saísse pelas ruas, havia balbúrdia e confusão, nelas Amastor não queria concorrer, para o Abaribó não voltou, viveu vagando de um lado para outro, primeiro com os cabanos em Luzéia, até aceitarem a anistia, depois entre os anambés e mundurucus, fugindo do Corpo de Trabalhadores, envelhecendo. Acostumado à vida errante, nem sabia onde era o Paraguai, mas era pra lá que queria ir.
Foi interrompido nos pensamentos pela ordem de embarque, sentiu-se descoberto. Procurou com as vistas fracas e viu o oficial vindo em sua direção, esperou ser acusado, depois de tantos anos, de assassino. Tal não aconteceu, o jovem militar só se aproximou o suficiente pa-ra um profundo olhar, olho no olho. Era gratidão, era o olhar de Luzia que o filho herdara.
MQ
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domingo, 13 de junho de 2010
EVERTON BEHENCK
SENTIDO
Esta saia só faz sentido
Envolvendo tuas pernas
Longe delas
É só um pano
Desbotando o espanto
Da tua ausência
Esta blusa só existe
Quando guarda o segredo
Dos teus seios
Fora da tua pele
As formas desaparecem
E não há quem reconheça
Beleza
Quantas coisas só existem em tua presença
Everton Behenck - http://apesardoceu.wordpress.com/
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sábado, 12 de junho de 2010
Celeste - SERTÃO DO REINO
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Celeste
Nenhuma lágrima verteu, apenas a sensação de todas elas dentro de si. Não demonstrava o sofrimento, gemendo no corpo junto com o cansaço dos últimos dias na cabeceira da cama. Dor tecida com a ausência que foi se consumando pela madrugada até o passar de Rosário.
O banho solitário, possuído pela ausência, a escolha do vestido que havia de ser belo e discreto como o corpo macio e quente que fora seu, só seu, durante toda a vida.
Um silêncio maculado pelo Corpo de Pedestres desfazendo o ajuntamento na porta da frente, as frases distantes:
- Dispersar...
- É um veloro.
As mãos seguravam o cabo do espelho e o pente sobre as coxas, como se estivessem mortos e insepultos, sentia um calor diferente tocando naqueles objetos.
No mesmo dia, embaixo da janela do quarto, cavou com suas próprias mãos e enterrou o espelho e o pente sob olhares espantados de todos da casa. Em silêncio, esperou duas lágrimas caírem, secando na terra, passou com suavidade as costas da mão direita no lugar e chorou outras mais.
O vestido preto com mangas compridas e gola alta cobria seu corpo todo. Na cabeça, a mantilha preta com as pontas perpassadas e presas por um nó por cima da cabeça, cobrindo as orelhas lhe dava um ar de tristeza que fazia chorar pelos cantos os serviçais espantados com aquela tristeza.
Nas mãos luvas pretas quase transparentes, mantinha o anel no dedo da esquerda envolto em fita fina de seda, os grandes brincos encapados com o mesmo tecido preto, luto por todos os objetos do quarto conservado fechado, um tom de ausência, proibindo a luz do dia.
Passava dias e noites sentada na marquesa sem se alimentar, entre suspiros murmurando:
– Quero morrer também...
Do quarto nunca mais saíra, recebia as poucas visitas ali mesmo. Não falava com elas, só se deixava observar, olhando o vazio. O desatino que os da casa e quem a visitava não compreendiam, ia sendo falado por todos, seu corpo perdendo as carnes, o mal cheiro exalava a falta de asseio. Era triste.
O tempo passava e passava seu silêncio. Dera de falar muito lembrando a infância, os pais, a convivência com as notícias de morte, as perseguições dos conhecidos, o surto de bexiga e um muito de coisas, algumas até, que ninguém entendia. Mas continuava recusando comida, dizia:
– Onde está, ela não come...
Os móveis cobertos de poeira e abandono, o lugar da casa onde ninguém mais entrava, um quarto abafado, sem uma réstia de sol, proibido a todos.
Foi encontrada já em estado de putrefação, sentada com a cabeça reclinada, na mesma marquesa, com o traje de seu luto puído pelo tempo, seu único alimento, a ausência, em restos espalhados nos detalhes da mobília do quarto enlutado.
MQ
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sexta-feira, 11 de junho de 2010
LUNAIÁ E JOÃO TUNGO - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan
limpavam os excrementos
e carcaças de animais
escondendo no mal cheiro
as armas dos maiorais
lidavam com suas dores
cantando pra espantar
colhendo entre seus pares
quem quisesse acreditar
paresque i’ele
pissuía curuba
iu’oto caxingava
tucavum caracaxá
tambur punga i ganzá
do ganho ganha a viúva
o sonho sonha ser livre
transporta como saúva
pólvora idéias calibre
a carne chicota a carne
não importa em qual
se plantou a semente
a liberdade nasce igual
no sentidor no sentente
no surrador cai a lágrima
com força de lenimento
traços da luta encobre
sob o capuz em tormento
paresque i’ele
pissuía curuba
iu’oto caxingava
tucavum caracaxá
tambur punga i ganzá
voz e violão: sérgio souto
RUY GODINHO - RODA DE CHORO
RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 12.06.10
O RODA DE CHORO deste sábado mais uma vez é especial. Baseado no livro Luperce Miranda – O Paganini do Bandolim, da escritora e compositora Marília Trindade Barbosa, faremos uma importante comparação e análise da obra de três grandes instrumentistas brasileiros, que viveram e brilharam na primeira metade do século XX e que deixaram uma enorme contribuição à música brasileira: os bandolinistas Luperce Miranda e Jacob do Bandolim e o cavaquinista Waldir Azevedo.
Há muita coisa interessante envolvendo a obra e as personalidades desses três ícones. Claro que não ficarão de fora os detalhes desta relação cheia de picuinhas e intrigas, principalmente alimentadas pelo gênio irascível de Jacob.
Em cada um dos blocos será tocada uma composição de cada personagem, para ilustrar a análise comparativa. Dentre os intérpretes, além de Luperce, Jacob e Waldir, teremos: Pedro Amorim, Radamés e a Camerata Carioca, Teca Calazans, Leila Pinheiro e Ademilde Fonseca.
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.
Produção e Apresentação: Ruy Godinho