terça-feira, 30 de novembro de 2010

RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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NÓ NA MADEIRA
(João Nogueira/Eugênio Monteiro)

Eu sou é madeira
Em samba de roda já dei muito nó...
Em roda de samba sou considerado,
De chinelo novo brinquei carnaval, carnaval.
Eu sou é madeira
Meu peito é do povo do samba e da gente,
E dou meu recado de coração quente
Não ligo a tristeza, não furo eu sou gente.
Sou é a madeira
Trabalho é besteira, o negócio é sambar
Que samba é ciência e com consciência
Só ter paciência que eu chego até lá...
Sou nó na madeira
Lenha na fogueira que já vai pegar
Se é fogo que fica ninguém mais apaga
É a paga da praga que eu vou te rogar, devagar...
Sou nó na madeira
Lenha na fogueira que já vai pegar
Se é fogo que fica ninguém mais apaga
É a paga da praga que eu vou te rogar, devagar...
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Então, foi assim...
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A letra de Nó na Madeira foi escrita no início da década de 1970, pelo poeta e compositor Eugênio Monteiro1 com o intuito de elevar a auto-estima do compositor e cantor João Nogueira2. Na época, João estava numa fase ladeira abaixo em função de uma série de acontecimentos negativos em sua vida.

Ele tinha composto sozinho o samba de carnaval Chinelo Novo e deu parceria para o cantor Miltinho, que vencera o carnaval do ano anterior com a música Tristeza (por favor, vá embora...). Como não era muito conhecido, a idéia dele era entregar a música para alguém que estivesse na mídia, para facilitar o trabalho de divulgação. Miltinho, que não havia posto uma vírgula, entraria na parceria como caitituador3, personagem muito comum na Época de Ouro do rádio. O célebre cantor Francisco Alves, conhecido como O Rei da Voz, foi um dos maiores caitituadores da história da música popular brasileira. Em troca, exigia parcerias para gravar inúmeras músicas. Foi também um dos maiores comprositores, ou seja, comprava composições inéditas de autores populares, gravava e as registrava como dele, outra prática corriqueira na época.

A estratégia deu certo: Chinelo Novo fez um enorme sucesso. O que João Nogueira não contava era que seu nome ficasse à margem. Na hora de receber os prêmios e homenagens, nas entrevistas em rádios e TVs, só quem aparecia era o Miltinho, que sequer citava o nome do verdadeiro autor. “Conheci esse samba muito antes do Miltinho entrar nessa história.
Aliás, o João sempre me pediu pra não tocar nesse assunto, porque parceria é parceria”, afirma Eugênio Monteiro4. “Se Miltinho teve participação, foi muito pequena. Uma vírgula, um ponto, a interpretação. Mas só aparecia o Miltinho como o Rei da Cocada Preta. João Nogueira era esquecido e ficou muito chateado com esse negócio. Por isso, parte da letra – que pouca gente sabe e entende – de Chinelo Novo brincou carnaval, carnaval... era por causa do samba Chinelo Novo”, continua Monteiro.

Outro componente abordado na letra é que João Nogueira namorava uma cantora que não acreditava no talento dele e o aconselhava a desistir da carreira artística. Principalmente porque João era adepto da inversão dos tempos fracos com os tempos fortes na hora de cantar, que se tornou uma característica dele. Nogueira tinha muita habilidade manual e, nas horas vagas, trabalhava como vitrinista. A tal garota afirmava que ele não daria para a música, que permanecesse como vitrinista. Ele se sentia frustrado porque gostava da moça. Como era cantora de um grupo musical que fazia sucesso, foi para os Estados Unidos passar uma temporada e deixou o namorado na maior saudade. Quando o grupo voltou, a cantora ficou por lá, casou-se com um norte-americano. Nogueira ficou bastante chateado. “O negócio da paga da praga que eu vou te rogar era exatamente para a menina. Ele estava realmente exorcizando aquela situação”, afirma Eugênio Monteiro.

Para completar, Nogueira estava comprando um apartamento financiado pela Caixa Econômica Federal. Já tinha até dado um sinal para garantir a transação. Mas o banco fechou a carteira e o financiamento não pôde sair. Ele perdeu todas as suas economias. “Foi muita coisa ao mesmo tempo. Quando o cara está de azar cai de costas e quebra o pau”, sentencia Monteiro.

O letrista sabia de todos esses detalhes porque ambos eram funcionários da Caixa; o poeta era tesoureiro e o músico, mecanógrafo, uma profissão extinta pela automação bancária. Além da relação profissional, ficaram amigos e confidentes. Foi durante o expediente que souberam que um era músico e o outro poeta e começaram a ensaiar as primeiras parcerias. Eugênio já tinha composto o famoso Frevo do Elefante, com Maurício Tapajós, em homenagem a um bloco carnavalesco de Recife.

Quando a música nasceu, a letra de Nó na Madeira – que inicialmente recebeu o título de Amigo Nogueira – já estava pela metade. Tudo aconteceu num só encontro no Restaurante Fiorentina, no bairro do Leme, Rio de Janeiro, de propriedade da produtora de teatro Zélia Hoffman. O famoso restaurante reunia intelectuais, artistas de cinema e da música como Sérgio Porto, Antônio Maria, Carlos Machado... Da mesa onde esse pessoal se reunia, Zélia não costumava cobrar. Eugênio Monteiro relembra que “volta e meia o Antônio Maria me chamava pra mesa. Eu era poeta, pernambucano como ele, de família conhecida... Eu terminava sentando lá e pegava essa boquinha de conviver com o pessoal do meio artístico na época. Nessa mesa eu introduzi o João Nogueira. Lá ele conheceu diversas pessoas do meio artístico. Sentamos e começamos a conversar. Naquele tempo tinha umas etiquetas de enrolar dinheiro que eu usava como uma espécie de bloquinho de anotação. Peguei as etiquetas e comecei a escrever. A letra nasceu no restaurante numa tirada só. Aí o João pegou a caixa de fósforos, interrompeu e disse: ‘Olha, eu acho que dá um samba legal’. A segunda parte eu fiz acompanhando um pouco a melodia que ele já estava delineando. E tem umas viradas na
música: Sou nó na madeira lenha na fogueira que não vai pegar...”

Tempos depois a cantora Cláudia Regina queria gravar uma música e João Nogueira ofereceu-lhe o samba. Antes, ligou para Recife para falar com Eugênio Monteiro – que havia sido transferido para a capital pernambucana – para combinarem a mudança da letra. Eugênio mudou o início, de Amigo Nogueira para Eu sou é madeira, alterou o tempo do verbo para a primeira pessoa e o título.

Nó na Madeira foi gravada três vezes por João Nogueira: nos LPs Vem Quem Tem (1975), Levanta Poeira (1977) e Além do Espelho (1992) e se transformou no carro-chefe de sua carreira. Mas a safra dele é repleta de sucessos: De Amor é Bom; É Disso Que o Povo Gosta (com Carlinhos Vergueiro); E Lá Vou Eu, Eu Heim, Rosa!, O Poder da Criação e Mineira (com Paulo César Pinheiro), esta última dedicada à Clara Nunes.

A música foi gravada também por Emílio Santiago, no LP Brasileiríssimas (1976), pelo Grupo Raça, no CD Jeito de Felicidade (1993), por Dora Vergueiro, no CD Leve (1996), por João Bosco, no CD Através do Espelho (2001) e por Mart’nália, no CD Mart’nália ao Vivo (2004).

“A gente sempre fez as coisas muito de parceria mesmo. Cada um dando idéia. Ele na letra e eu na música”, arremata Eugênio Monteiro, que fez outras canções com João Nogueira. Mas, a parceria se notabilizou mesmo por Nó na Madeira.

1 José Eugênio Monteiro da Silva 18/5/1943 Recife-PE.
2 João Batista Nogueira Júnior 12/11/1941 Rio de Janeiro-RJ 05/6/2000 Rio de Janeiro-RJ.
3 Caitituador: pessoa que, por meio de visitas, insistência verbal, distribuição gratuita de discos e até pelo suborno, promovia
em lojas de discos, estações de rádio e TV, a execução de composições musicais populares, suas ou de outrem.
4 Entrevista concedida ao autor, em março de 2007, em Brasília, por telefone.


Ruy Godinho
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LEANDRO DIAS - BELÉM

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SUELI ADUAN - Silenciar


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Olhos que olham.
Sonham.
Sonhos novos.
Velhos sonhos.
Olhar dói.
Olhar a vida
Dentro e fora
Branco e preto
Alto e baixo
Olhar, reolhar.
E silenciar.



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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

VIDA MINHA

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Vida minha
(Eudes Fraga / Marcos Quinan / Iranildo Pereira)


Nosso olhar encantou
Um rio quase perene
Balançando os coqueiros
Brincando à beira-mar
Nossa sombra na areia
Nossos corpos ao sol
O amor à beira, à beira,
À beira do mar

Tanto tempo passou
E o meu coração
Nunca soube esquecer, não
Nunca soube esquecer, não
O teu jeito de amar

Esse meu sentimento
Que a todo momento
Lateja em meu peito
Sai, vai gritando o teu nome
Vai, lá na beira do mar

Quantas noites e dias
Sobre os grãos dessa areia
Eu te vi sereia
Lá no fundo do mar

Coração vira vento
Abraçando o luar
Vida minha, vida minha
Coração vira mar
procurando lugar
Vida minha, vida minha


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Eudes Fraga - Voz

Adelson Viana - Acordeon e Piano

Aroldo Araújo - Baixo

Hoto Jr - Percussão

Arranjo Coletivo

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LENA MACHADO - BRASÍLIA

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Sonho louco


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A rua parecia vazia
E umedecia meus pés
Querendo colar
Os passos no chão

A esquina requisitava
A possível estátua
Pedindo que a face
Fosse de solidão

O resto era vida
Sobejava tolerância
No olhar dos passantes
Pensando-me um vilão

Quando acordei
Senti rigidez e o musgo
Agarrando-me pelas pernas
E um bêbado depositando
Seu chapéu na minha mão

Tudo em mim já era pedra
Exceto meu coração


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MQ
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domingo, 28 de novembro de 2010

JAC. RIZZO - Canção do final

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Ando sem vontades. Pouca inspiração pra viver. Olho pro céu e desejo que chova. Que caia água. Que molhe a minha rua, a minha casa. Que molhe o mundo. Mas se chove, no exato momento, quero o sol outra vez, brilhando. Ando inquieta de dar dó. Quero amar, mas não quero sofrer. Quero ter e nunca perder. Começo a me perguntar porque as coisas existem. Já indaguei até se ainda vivo. Penso que estou apenas delirando. Posso ser alguém que esqueceu de morrer. Não sei, ando confusa. Me pego caminhando como um robô, mecanicamente. A flor que espalhava perfume nas minhas manhãs, secou na noite passada. Acabo de enterrar meu cão e a minha última canção. Meu melhor amigo desapareceu. Sumiu na estrela da tarde. Em que constelação procuro por ele...Estou cheia de reticências, de pontos de exclamações, de dois pontos que nada explicam. E as interrogações não me largam. Outro dia me percebi entre aspas. Estou atônita e perplexa. O mundo não me surpreende mais. Estou próxima do tédio, do fastio total. Começo a visualizar um interminável desfile de criaturas iguais. É o desmoronamento, sem piedade, das minhas ilusões. Daqui pra frente, será um eterno 'nada mais esperar'. Um insuportável 'rendez-vous' de desgostos e desencantos. O mar me chama em vão. Tudo me parece distante e cansativo. Talvez no final do arco íris eu encontre o pote de ouro...Mas não consigo me afastar dessa interminável imobilidade. Meu coração cresce dez metros e não explode, Drummond!


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Jac. Rizzo - http://jacrizzo.blogspot.com/
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sábado, 27 de novembro de 2010

VERGONHA

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RUI GODINHO - ENTÂO, FOI ASSIM?

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Palavras

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Sabem as palavras
O momento dos versos
Que vivem em mim
Impetuosos e livres
Às vezes, andam
Por tempos
Em outros quintais
E as palavras choram
Doloridas de ausência
Mas as consolo
Dando-lhe a mão
Para, no portão,
Esperar um verso voltar


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MQ
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

GUIMARÃES ROSA

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Fotografia: MQ
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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 27.11.10

Especial Duos

Recentemente, ao produzir o especial Os Encontros de Hamilton de Holanda, a produção se deparou com tantos discos de duos, que normalmente não tocam juntos, mas que resolveram juntar suas habilidades, seus virtuosismos e acabaram por produzir discos de sonoridades ricas, muito interessantes.

Foi quando surgiu a idéia de produzir o Roda de Choro Especial Duos. Das dezenas de discos pesquisados, selecionamos principalmente aqueles que priorizam música brasileira e Choro em seus repertórios.

No 1º bloco destacamos o encontro de Joel Nascimento (bandolim) e Fernanda Canaud (piano), que resultou no delicado CD Valsas Brasileiras.

No 2º bloco o destaque vai para o encontro de Daniela Spielmann (saxofone) e Sheila Zagury (teclados), que resultou num CD de extremo bom gosto: Brasileirinhas.

No 3º bloco o destaque vai para o encontro de Yamandu Costa (violão de sete cordas) e Dominguinhos (sanfona), que resultou no inusitado CD homônimo.

No 4º bloco o destaque vai para o encontro de Mário Sève (saxofone) e Marcelo Fagerlande, (cravo), que resultou no interessante CD Bach & Pixinguinha.

No 5º bloco teremos o encontro de Rafael Rabello (violão de sete cordas) e Paulo Moura (clarineta), que resultou no histórico CD Dois Irmãos.

Ouça pela internet:

Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.

Rádio UEL, de Londrina, quintas-feiras, 21h

Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro: www.fm94.rj.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.

Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h.


Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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Ninguém me Conhece: 26) Declarando os Bens de Álvaro Cueva

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Um sujeito se dá conta de que está ficando velho quando fatos que até havia pouco lhe eram recentes da noite pro dia parecem pertencentes a encarnações antigas. Foi o que aconteceu comigo ao puxar pela memória minha primeira lembrança de Álvaro Cueva. Deu-se assim: Em 2002 fui convidado pelos amigos Rodrigo Campos e Nany di Lima a participar do projeto Samba da Bênção. A ideia era originalíssima: uma vez por semana, no Teatro Arthur Azevedo, no bairro paulistano da Mooca, uma roda de samba comandada por Rodrigo homenageava um sambista. Até aí, nada de mais, a peculiaridade consistia no roteiro do show, que trazia nos intervalos das canções uma espécie de palestrante que contava, não a biografia do homenageado, mas fatos curiosos, pitorescos, que o envolvessem. Em seguida, aproveitando a deixa, atores comandados por Nany invadiam o palco e interpretavam a cena. O palestrante era eu! Foi, inclusive minha primeira experiência de palco, e agradeço imensamente aos dois pela oportunidade que me deram.

E onde entra o mano Cueva? Simples, ele era um dos convidados que se apresentavam semanalmente cantando uma canção do homenageado da noite, a exemplo da própria Kana. Álvaro costumava cantar acompanhado ao violão pelo irmão Alexandre Cueva, no que era um dos momentos mais intimistas do espetáculo. Contudo, apesar de apreciar os talentos da dupla, ou por timidez ou por falta de interesse das partes, acabamos não estreitando os laços. Confesso que sentia no moço de olhos claros certo ar de imodéstia (já viram que sou dado a julgamentos precipitados, não?). Contudo, já na época, após as apresentações, costumava bater um bom papo a respeito dos sambistas homenageados justamente com o pai dos rapazes: Affonso Moraes.
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O tempo passou, o projeto, que ia de vento em popa, ruiu, por motivos extramusicais, e retomamos todos nossas vidas. Até que, alguns anos depois, qual não foi minha surpresa ao reencontrar a família toda lá na rua Caiubi, 420 (Pra quem está chegando agora, o referido endereço foi a primeira sede do
Clube Caiubi). Pra meu espanto, Álvaro era a simpatia em pessoa. Inclusive, dada a sua natural e fina educação, Vlado chegara mesmo a alcunhá-lo "o lorde do Caiubi". E, às vésperas de lançar seu CD Canabi Emotiva, emanava uma energia das mais positivas. Quando o CD finalmente chegou da fábrica, trocamos exemplares, mas, antes mesmo disso, já havia me encantado com as composições do moço que, à época do Samba da Bênção, eu não tivera oportunidade de escutar. E o CD era um espetáculo! Belíssimas canções muito bem arranjadas e executadas mostravam um compositor maduro no auge da criatividade. E mais: transbordando de paulistanidade como poucas vezes eu pudera ouvir.


Em pouco tempo nos tornamos amigos de infância e, consequentemente, parceiros. Sem que nos déssemos conta, ora em minha casa, ora na sua, havíamos adquirido o hábito de nos encontrarmos pra compor! Participavam desses encontros também Kana, Alexandre Cueva e Marcio Policastro. Foi assim que nasceu, meio que por acaso, o 4+1, grupo formado por nós cinco que rodou São Paulo em uma série de shows com um repertório quase que inteiramente extraído daqueles encontros. Aliás, marcamos o primeiro show por pura vontade de mostrar essas canções, e, a partir daí, durante um bom tempo não paramos.


Certa noite, estava na plateia pra assistir a um desses shows ninguém menos que Zé Rodrix, que, no dia seguinte, escreveu-nos as seguintes palavras: "Ontem, assistindo ao fenomenal 4+1, foi como se eu estivesse viajando no tempo: o clima, a vibração, a qualidade autoral e artística eram idênticas às da minha primeira noite no Caiubi, já lá vão alguns anos... Com certeza ontem ficou provada a máxima 'QUERER NÃO É PODER', pois ontem quem ali estava mostrou que não basta querer ser artista, mas sim que é preciso exercer o ofício com rigorosa competência, unindo talento e vocação em quantidades iguais".


Eu passei muitos meses sonhando com um CD do grupo, mas aos poucos vi o sonho ficar cada vez mais distante, pois o 4+1 tinha um grande defeito: não era uma banda, era um bando de solistas! Assim, paulatinamente, tão naturalmente como nasceu, esvaiu-se. Sem brigas, sem discussões, simplesmente porque cada um de seus membros tinha como objetivo principal a carreira solo. Os ensaios eram muitos e cansativos, sempre com canções novas carecendo de arranjo, principalmente arranjo vocal, visto ser um grupo de cantores. E a naturalidade de compor não se repetia quando o assunto era dar uma roupagem a essas canções. Foi bom enquanto durou. As canções estão aí, e, mais uma vez lembrando o , o que importa são elas.


Mas, como dizia o poeta, o tempo não para. E Álvaro não ficou deitado em berço esplêndido esperando a banda (ou o bonde da perdida esperança) passar. Continuou compondo, estudando violão, apresentando-se nos muitos endereços do Caiubi, e, de quebra, resolveu mostrar ao mundo outra faceta sua, esta, menos conhecida. A de dramaturgo. Com o luxuoso auxílio de uma trupe da pesada, levou aos palcos paulistanos seu musical Kátia e Paulo - Uma Alegoria Paulistana, ao qual eu e Kana assistimos, ao mesmo tempo embasbacados e orgulhosos de ver um amigo/parceiro à frente de uma obra de tal magnitude. Admitamos: Todos nós já pagamos micos com amigos "artistas", fomos a shows amadores, ouvimos canções sofríveis, lemos poemas piegas, assistimos a peças caricatas etc. Por isso, escaldados que somos, muitas vezes saímos de casa prontos pro pior, tudo em nome da amizade. Tendo essa experiência em nosso curriculum, é extremamente gratificante quando nos deparamos com um espetáculo do mais alto grau de profissionalismo. Foi este o caso de Kátia e Paulo, uma peça exuberante, com canções impactantes, história cheia de lirismo e atores-cantores de primeira. Recomendo! Ah, quase esquecia: Álvaro também atua na peça. Surpresa dupla!


É assim o meu camarada de buarqueanos olhos, este ser multifacetado, de voz peculiar e canções que nos acariciam a alma, que ainda encontra tempo pra ser marido, tripai, entregar seus mandados, escrever suas peças... E tomar sua cervejinha sem álcool, que ninguém é de ferro (aagh!)! Espero, sinceramente, que, em meio a tantos afazeres, ele encontre tempo pra gravar (e depressa) seu segundo CD. Afinal, ele, este traficante de emoções, não pode nem pensar em escapar ileso sem nos oferecer novas remessas de sua emotiva erva.


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Ouça alguns dos bens de Álvaro aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema






Por Léo Nogueira

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FESTIVAIS CANTOS E CONTOS - BRASÍLIA

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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

LAS CABAÇAS - BIFE E QUINAN - SANTARÉM

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O homem da minha rua


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Na minha rua
Um homem não sonha mais
Porque seu maior sonho
Um dia realizou-se

Quando passa
Conservando suas crenças
Todos olham espantados
Porque ele sorri

Na minha rua
Um homem não passa mais
Porque ele jaz imóvel
Na janela da casa

Muitos pensam
Que novamente vai sonhar
Tem tristeza no semblante
Mas ainda sorri

O homem da minha rua
Não se levanta mais
Dele, o sinal dos passos
E a moldura da janela,
Foi o que ficou
Na memória das pessoas

Na cama o encontro reservado
E ele sorri


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MQ
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PATRÍCIA BASTOS - SÃO PAULO

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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

BESOURO CORDÃO-DE-OURO de PAULO CÉSAR PINHEIRO - RIO DE JANEIRO

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MARIELZA TISCATE - Tatuagem Transparente


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Hoje vi em minha pele a tatuagem transparente
E as lembranças submersas pela máquina do tempo...
Não sei onde ela foi feita, me parece em todo o corpo,
Me parece em toda parte
Pois me sinto mergulhada em seus traços feito à língua.
Algum dia...
Algum dia eu fui sua...

Hoje mesmo, no espelho, vi meu corpo esculpido
Por seus dedos delicados, por seus dedos abusados
– chave dos meus labirintos.
Justo agora que abriu-se a janela da memória
E agora que desejo lua, estrela e sol ardente
Ouço a voz em meu ouvido e o segredo dos segredos:
Não se pode dar ao outro aquilo que não nos pertence...


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ROLANDO BOLDRIN - SR BRASIL

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terça-feira, 23 de novembro de 2010

PEDRINHO CAVALLÉRO - BELÉM

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Desenho

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Transportar-me
Para este papel branco
Com a força do mar
A severidade dos ventos
A pureza dos sonhos
E ser tão verdadeiro
Como minhas horas de amor
E depois
Ver nele teu rosto
Nas letras que desenham
O meu pensamento


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MQ
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RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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O VIRA
(João Ricardo/Luhli)

O gato preto cruzou a estrada
Passou por debaixo da escada
E lá no fundo azul, na noite da floresta
A lua iluminou a dança, a roda, a festa
Vira vira vira,
Vira vira vira homem, vira vira
Vira vira lobisomem
Bailam corujas e pirilampos
Entre os sacis e as fadas
E lá no fundo azul, na noite da floresta
A lua iluminou a dança, a roda, a festa
Vira vira vira,
Vira vira vira homem, vira vira
Vira vira lobisomem
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Então, foi assim...
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A ligação da cantora, compositora, arranjadora, artesã e instrumentista Luhli1 com os elementais já lhe rendeu bons frutos, inclusive financeiros. Foi o caso de O Vira, em que ela afirma ter sido um presente do povo pequenino: fadas, gnomos, sacis... “Essa musiquinha tão simples foi meu primeiro grande sucesso comercial, me deu dinheiro e até hoje me dá, tem inúmeras gravações e nunca deixa de ser cantada. Faz parte da alma do povo.”2

Lá pelos idos dos anos de 1970, com o país vivendo o tenebroso momento da ditadura militar, Luhli viajou a São Paulo. Seu marido, que era fotógrafo, fora contratado para fazer parte da equipe do filme Roberto Carlos a 300 km por hora, rodado no Autódromo de Interlagos. Chegando lá, a convidaram para cantar no Curtiço Negro, localizado na Rua Santo Antonio, no Bexiga, bar de propriedade de um membro da equipe, onde cada dia da semana um artista ou grupo diferente se apresentava. Um deles era o Secos e Molhados, grupo de um jovem português cabeludo que tocava violão e ao mesmo tempo gaita e que imitava John Lennon. O nome dele: João Ricardo3. Este jovem tinha umas músicas e pediu a Luhli para colocar letras. Ela aceitou. Foram tardes e tardes colocando letras nas músicas dele e comendo os bolinhos de bacalhau que a mãe do moço preparava. “Fizemos umas oito ou nove parcerias, quatro foram gravadas, três pelo grupo dele e uma pela cantora Maria Alcina.”

Uma dessas músicas foi O Vira, que era uma gozação com o vira português, o vira-vira das rodadas de chope e ao próprio autor.

“Tocávamos, cantávamos e conversávamos. Ele me contou de seu projeto de fazer um disco de rocks e baladas bem simples sobre poemas de autores publicados e consagrados. Era uma idéia genial como estratégia para escapar da censura, que naqueles tempos de ditadura reinava absoluta. Hoje em dia as pessoas não têm noção do que era a censura e do impacto que foi ouvir letras como Tem gente com fome, Patrão Nosso de Cada Dia, Sangue Latino e Rosa de Hiroxima. Esse impacto foi um fator fundamental no sucesso do grupo”, relembra Luhli. Além, é claro, do carisma de um dos integrantes.

O encontro de Luhli com João Ricardo não ficaria só nas parcerias musicais. Foi além. Dessa vez os pequeninos talvez desejassem presentear o Brasil.

“Quando o João Ricardo me perguntou se eu conhecia alguém que pudesse ser o cantor do grupo, lembrei do Ney4 [Matogrosso]. Ney era um amigo meu, que fazia artesanato pra viver, e que eu o acompanhava ao violão nas reuniões de som, na minha garagem tijucana. Trouxe o João ao Rio, apresentei os dois... e o resto, todo mundo sabe.”

Lulhi está se referindo ao polêmico grupo Secos e Molhados, criado em 1972, por João Ricardo, Gerson Conrad e Ney Matogrosso e que, apesar de sua breve duração, é considerado um dos grupos mais importantes de rock no Brasil.


1 Heloisa Orosco Borges da Fonseca 19/6/1945 Rio de Janeiro-RJ.
2 Entrevista concedida ao autor, em março de 2007, pessoalmente em Brasília e por e-mail.
3 João Ricardo Carneiro Teixeira Pinto 21/11/1949 Ponte do Lima, Portugal.
4 Ney de Souza Pereira.
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Ruy Godinho
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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

VER-O-PESO

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MQ
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SUELI ADUAN - Ausência



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No papel branco.
Branca a tua figura.
Ausência.
Essência de tudo
O nada.




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domingo, 21 de novembro de 2010

Teus olhos


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Podias ouvir
Mesmo assim te foste

Canções suaves me assustaram
E eu te assustei
Quando percebi
Nos teus olhos raros
A forma de todas as mulheres


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MQ
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Ninguém me Conhece: 25) Os Fragmentos Intactos de Alexandre Lemos

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A primeira vez que ouvi falar de Alexandre Lemos, se não me falha a memória (e ela costuma falhar!), foi numa segunda autoral no antigo Caiubi, ainda em Perdizes, pela boca de Sonekka, enquanto este apresentava as duas canções que lhe cabiam. Em dado momento, entre a primeira e a segunda canção, disse ele: “Alexandre Lemos, pra mim, é o maior compositor vivo!”. Tomei um choque. Como é que eu nem sequer conhecia um compositor que pra um parceiro chegado era simplesmente o maior vivo? Fiquei encafifado, mas o tempo passou e acabei esquecendo o dito cujo.
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Certa noite, tempos depois, no mesmo endereço, eis que me deparo com o compositor em pessoa, que havia vindo do Rio não sei se pra conhecer pessoalmente o tão falado
Caiubi ou pra fazer algum show. Não importa. O importante era que ele estava lá, e, finalmente, eu ia poder conferir com meus próprios olhos (e ouvidos), o fenômeno ALemos (pros íntimos). Confesso que fiquei frustrado. A apresentação foi morna, as canções não me chamaram a atenção de modo especial e a própria figura de ALemos me pareceu um tanto séria, pra não dizer sorumbática, o que não combina muito, convenhamos, com o que se imagina de um compositor popular. Ainda mais sendo carioca e num palco paulistano.
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Mas Alexandre Lemos não é dado a estereótipos, e, quase mineiramente, desde aquela noite, seu nome não parou mais de me rondar. Ora ouvia
Sonekka cantando mais uma parceria com ele, ora era Lis Rodrigues quem cantava uma pérola do moço, ora mais outro, e mais outro. Os CDs que eu adquiria “vira e mexe” continham seu nome entre os compositores do repertório. Luhli, Guilherme Rondon, Fred Martins... A lista era grande. E lá vinham Tavito, Zé Rodrix, cantar uma parceria com ele ou simplesmente falar a respeito dele e de como ele era fabuloso. Calhou mesmo que um dia, em casa de minha parceira Bárbara Rodrix, no intervalo de um trabalho de lapidação de uma parceria nossa, eis que ela me mostra uma letra quilométrica e me diz: “É uma letra do ALemos que eu musiquei. Quer ouvir?”. Quis. E ouvi. Foi a gota de outra água! Quando me dei conta, estava com os olhos marejados, arrebatado, como que em transe.
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A partir de então comecei a prestar mais atenção em suas canções e cheguei à conclusão de que jamais ouvira nada dele que não fosse bonito, muitas eram mesmo geniais. Não chegava a ponto de dizer que era “o maior compositor vivo”, mas seguramente ele passou a fazer parte de meu exigente rol de compositores relevantes. O que não é pouco! Lembrei-me de que algumas das canções mais belas do mais recente disco de
Luhli eram parcerias com ele; da mesma forma, no disco Tr3s, do Rondon, fora parcerias belíssimas com o talentoso Fred Martins e outras tantas que foram apresentadas num show em dupla com Sonekka, no Villaggio Café.
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Mas Alexandre Lemos acabou realizando o sonho de muitos bichos-grilos que passaram os anos 70 ouvindo Casa no Campo (de Tavito e
Zé Rodrix). Se mandou do Rio e foi morar em Minas... Numa casa no campo! E em pleno século 21! Por conta disso, foi mais um que abandonou o povo da M-Música (ver texto sobre Luhli). Mas foi, ironicamente, justamente nessa época que recebi um e-mail dele no qual me convidava a uma parceria. Não preciso dizer que fui tomado por uma grande alegria. Não é todo dia que um baita compositor, assim do nada, resolve nos convidar a parceirar. De bom grado aceitei. Enviei-lhe uma letra e ele me enviou uma melodia. Em poucos dias eu havia letrado a melodia dele e ele, por sua vez, havia musicado minha letra. Só que aí o destino pôs suas manguinhas de fora. A gravação que ALemos havia me mandado chegara cortada, de forma que eu não consegui entender a melodia inteiramente e acabei compondo uma letra sobre o que havia ouvido. A letra ficou boa, mas ele não conseguiu fazê-la caber na melodia que fizera. Em contrapartida, também minha letra que ele musicara fora por ele alterada um pouco. Sobre essa alteração fiz outras considerações, e esse pingue-pongue de e-mails, por conta de sua Internet a lenha, acabava sempre sendo muito demorado, o que finalmente nos cansou (mais a ele que a mim). Os e-mails minguaram sem que houvéssemos chegado a um veredito a respeito de nenhuma das duas. Uma parceria que prometia morria assim, de forma lamentável.
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Só pra efeito de registro, seguem as duas letras. A primeira, a que ele musicou, que acabou se chamando Terra do Sempre, também o nome de sua fazenda:
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Guardo em mim filosofias de botequim/ Frases de para-choque de caminhão/ Calma de nascença/ Fórmulas complexas em que o crime não compensa/ No sótão do coração./ Guardo em mim um elixir que nunca chega ao fim/ No porão, manifestos antissolidão/ Crônicas alheias/ Um harém secreto onde as belas são as feias/ Um sábado, um verão./ Guardo em mim/ No meio da sala um jardim/ E um túnel que vai dar no Japão/ Um casaco pras noites de amizades frias/ Um calor de dar inveja ao sertão./ Guardo em mim ainda o pó de pirlimpimpim,/ Pra que a Terra do Sempre seja onde eu for/ Todo o pó da estrada/ E a conclusão de que a viagem dá em nada/ Pra quem vai sem amor.
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A segunda, depois de muita discussão (no bom sentido), intitulamo-la Colisão (ainda que até hoje seja um título provisório):

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Ainda vou caminhar/ Sobre teu mar, como um cristo/ Sem me lembrar de que eu não sei nadar/ Navegar no imprevisto/ E me entregar ao risco/ Nas águas da tua mão/ Fosse eu a embarcação./ Ainda vou viajar/ Até tocar tua lua/ Sem me lembrar de que eu não sei voar/ Quem sabe, eu te possua/ Com asas de astronauta,/ Na alta imensidão,/ Dois corpos colidirão./ Enquanto os astros todos dormirão/ Vou entrar como um ladrão/ Do teu coração me apossar/ Vou te levar pra outra estação/ De onde trens só partirão/ Pra um destino que desatinar./ Ainda vou transformar/ Em oásis teu deserto/ Sem me lembrar de que a miragem há/ Vou me sentir liberto/ Sem descansar, decerto/ Até os ventos vão/ Me mostrar a direção./ Ainda vou atear/ Fogo às vestes do teu gelo/ Sem nem lembrar sequer de respirar/ Vou te inflamar em pelo/ No teu iglu-castelo/ Despertar o vulcão/ Que mora em tua prisão./ Enquanto os astros todos dormirão [...]/ Abre as portas do teu sonho/ Que eu me ponho lá.
Muito tempo depois,
Affonso Moraes convidou a mim e a Kana pra uma reuniãozinha em sua casa. Lá encontramos, de prosa com Zé Rodrix, ninguém menos que Alexandre Lemos! .
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Novamente me senti muito alegre, pois pensei que pessoalmente pudéssemos encontrar o entendimento que não lográramos por ondas tortas. Novamente me frustrei. Encontrei-o distante, desinteressado de mim. Quando nos despedimos, amenidades... Ainda o encontrei uma ou duas vezes, mas a verdade é que nunca houve por parte dele interesse real em que essa parceria vingasse, apesar de a ideia ter partido dele.
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Este era pra ser um texto elogioso, acabou um manifesto em defesa de minha falta de tato em lidar com a rejeição... Relevem. Em meus textos sou assim mesmo, inteiro. Mesmo correndo o risco de mostrar uma face não maquiada. Picuinhas à parte, o mais importante disso tudo, como diria
Zé Rodrix, são as canções. E Alexandre Lemos sabe fazê-las como poucos.
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Sorumbático ou não, é um compositor maior, o que é melhor que ser um risonho medíocre (estou falando sob o viés musical, entendam-me!). Quanto às nossas duas meias canções, quem sabe um dia, numa terra do sempre, entrem em colisão...

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Ouça alguns dos fragmentos intactos de ALemos aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema


Leia as letras
aqui:
http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/alexandre-lemos-1

ALemos também está no Caiubi: http://clubecaiubi.ning.com/profile/AlexandreLemos

Por Léo Nogueira
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sábado, 20 de novembro de 2010

Mãos


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Escorrendo de dentro
Para o cadilho que a seiva
Da vida enche sem parar
Tenho o amor empossado
Na liberdade das mãos
Que se aparentam especiosas
Enluvadas de mundo
Costumeiras e devotas
Da emoção que tem forma

Agem encetadas na procura
Transbordando silêncios
Alegrias, medos...
Tristuras e elucidações
Perseguindo a beleza
Verdade gestada
Do ventre da sensibilidade
Para o vazio da criatura
Num jeito de construção

O barro agarrando
Ao afetivo do invento
Recenariza o papel humano
Sagrado e invisível
É liturgia sem dogmas
De criatura em criação

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MQ
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ANGÉLICA TORRES LIMA

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Elegia

Enfrentar tuas roupas
teus espelhos, tua louça,

trocar os colares, o leque
o terço, o lenço bordado

é descer léguas ao fundo
da cisterna do quintal

é voar meio a crepúsculos
sulfurinos violáceos

rodeando os pequizeiros
vizinhos do natal.

O tempo em grão
debulhado na palma
da mão, com sal.

Seguir sem teus passos
ecoando no final
da tarde de janeiro

o carnaval
sem teu sorriso
vermelho derradeiro

e a quarta de cinzas
sem sinos ecoando
em nossa caminhada

de mãos dadas,
entre malacachetas e estrelas
da manhã fevereira.

Esmiuçar tuas coisas
à luz perolada
do quarto acortinado

é restar muito só,
sob luas e sóis e céus
à luz urbana pontilhada

no silêncio
da estrada
de chegada

é transportar a geografia
acinzentada na memória
do retrato, vazio

ao antúrio
enterrado
em tua cova.


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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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CAMILA CARRARI - Das minhas ousadias, inépcias e lapsos

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Quem tem ousadia de escrever palavra, pode-se surpreender...
Eu ouso, pois pouco penso a respeito do que escrevo.
Acho que faço menos uso da inteligência do que deveria e muito uso da intuição.
Temo minhas aprendizagens intuitivas. Digo isso sem pudores.
A verdade é que sou mesmo, assumidamente, uma amadora. Meu mundo por vezes é impalpável, ininteligível... Até mesmo para mim.
Desejo.
Desejo um coração inteligente e um olhar amador.
Mas amadores cometem inépcias. Muitas delas... Esbarro frequentemente, entorno copos, trasnbordo-me.
Também cometo lapsos.
Ontem, de tanto falar a respeito disso, hoje cometi um lapso surpreendente e adorável de pena.
Um lapso de pena.
Tão lindo lapso feito com objeto hoje quase obsoleto, gasto, carcomido: a caneta.
Peguei entre finos dedos tão simples e útil objeto e que todos temos um (canetas são coisinhas importantes porque sempre tem alguém que - sem querer - leva a sua embora), e coloquei-me a escrever tão ousadas palavras.
Pois aí me surpreendi...
Fui escrever "amar" e saiu "almar"...
Não sei explicar.

(sei sim, mas prefiro sentir...)


Camila Carrari - http://comodasecreta.blogspot.com/
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Madrugada


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A madrugada engolia a cidade
Apagando para as manhãs
Os últimos vestígios agitados
Do dia emudecido na noite

Um pecador costumado
E retardatário procurava
O pecado saído de moda
Em ruas e becos

Um bêbado urinava sua bílis
E a porta do bar bebia tostões
Oferecendo ao mortiço
O impreciso da mulher sem dor

Um guarda-noturno dormia sua vida
Os sonhos não cabiam nas horas
E vagavam entre o sigilo da calçada
E algum súbito despertar

Um poeta semeava a angústia
Perambulando pelo silêncio
E o sussurro de janelas
Portas e cemitérios

Esmolava a saudade
Nas suas lembranças
Para suportar vivendo
A vida de sua solidão


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MQ
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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 20.11.10

No 1º bloco o destaque vai para a Coleção Princípios do Choro. O autor enfocado é o flautista Henrique Nepomuceno Dourado, nascido por volta do ano de 1880. As partituras de suas músicas foram encontradas nos cadernos de choro de Donga.


No 2º bloco teremos o som do CD Só Pixinguinha, da dupla Zé da Velha e Silvério Pontes, somente com releituras de músicas do nosso mestre maior, lançado em 2006.


No 3º bloco a tônica é o som do CD Mundano, terceiro da carreira do violonista e compositor paulista Carlinhos Antunes. O disco é uma viagem, bem própria da personalidade de Carlinhos, que se considera um nômade musical.


No 4º bloco o compositor e cantor Carlos Henry revisita o programa. Nascido em Manaus, criado em Belém do Pará, mas residente em São Paulo há quase 30 anos, Henry apresenta o CD Anjo Torto.


O 5º bloco traz o CD Choro Bone, do trombonista mineiro Marcos Flávio, que interpreta choros no trombone de vara, um instrumento incomum para o gênero, pela dificuldade na execução de solos virtuosísticos.



Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Rádio UEL FM, de Londrina, quintas-feiras, 21h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h.

Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

JAC. RIZZO - Canção de ser sozinho


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Um elo de uma corrente... solto.
Somos assim como as folhas
que se desprendem das árvores.

O vento escolhe o caminho.
Batemos aqui e ali,

escorregando em calçadas,
batendo em vidraças,
janelas que nunca entramos.

Não pensar
ou pensar pouco,
sem surpresa ou espanto.

Transpor o tédio das horas
sem esforço,
como uma margem sem rio.
Atravessar as tardes
sem esperar milagres.
É tudo.
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Jac. Rizzo - http://jacrizzo.blogspot.com/
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MAHRCO MONTEIRO - BELÉM

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PROGRAMAÇÃO DA BALADA LITERÁRIA - SÃO PAULO


18/11 (Hoje)

11h - Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915) Homenagem a Lygia Fagundes Telles, com a jornalista Mona Dorf e o escritor Nelson de Oliveira

14h30 - Livraria da Vila Os dramaturgos e autores de novelas de TV Alcides Nogueira ("Ciranda de Pedra) e Lauro César Muniz ("O Salvador da Pátria") falam da relação entre literatura e teledramaturgia

16h30 - Livraria da Vila Mesa com o poeta Frederico Barbosa

19h - Sesc Pinheiro (Rua Paes Leme, 195) Mesa com o escritor argentino naturalizado canadense Alberto Manguel e Ronaldo Bressane

20h30 - Centro Cultural b­_arco (Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 426) Show com a cantora Fabiana Cozza


19/11 (Amanhã)

11h - Livraria da Vila O rapper Emicida, os compositores Wilson Freire e Everton Behenck e o ator Hugo Pussolo falam sobre rap e poesia

14h30 - Livraria da Vila Conversa sobre literatura e teatro com os escritores Sérgio Roveri e Marcelo Rubens Paiva e a atriz Beth Goulart

16h30 - Livraria da Vila Samuel León, da editora Iluminuras, aborda a literatura feita fora do eixo Rio/São Paulo com José Rezende Jr., Paulo Sandrini, Verônica Stigger e Cristhiano Aguiar .

20h30 - Instituto Goethe (Rua Lisboa, 974) Conversa com o escritor alemão Ulrich Peltzer, que lança o romance "Parte da Solução"

Em seguida haverá balada com o DJ Holger Baier


20/11 (sábado)

11h - Livraria da Vila Mesa com Luiz Antonio de Assis Brasil

13h30 - Espaço Plínio Marcos (Praça Benedito Calixto) Jovens poetas fazem homenagem ao poeta Roberto Piva (1937-2010)

14h30 - Biblioteca Alceu Amoroso Lima (Rua Henrique Schaumann, 777) Mesa em homenagem ao editor Massao Ohno (1936-2010)

17h - Biblioteca Alceu Amoroso Lima Conversa com o poeta Augusto de Campos

19h - Biblioteca Alceu Amoroso Lima Show com Cid Campos, com participação de Augusto de Campos

20h - Teatro da Vila (Rua Jericó, 256) Peça "Los Críticos También Llora", em homenagem ao escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003)


21/11 (domingo)

11h - Livraria da Vila Mesa com Marcelino Freire, José Castelo e o colunista da Folha Antonio Cícero

15 h - Centro Cultural b­_arco O jornalista Claudiney Ferreira conversa com os escritores Vitor Ramil e Alice Ruiz

17h - Centro Cultural b­_arco Bate-papo sobre música e literatura com Jommard Muniz de Brito, Arruda, Botika, Estrela Leminski Ruiz e Raphael Gancz

20h - Centro Cultural b­_arco Show de encerramento com a banda Os Outros


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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ROLANDO BOLDRIN - SR BRASIL

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Perdão


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Perdoa-me
Se te considero parte de mim
E as exigências que me faço
Faço-te também
Achar que sou
Tanto você e és tanto eu
Que te trato
Como trato a mim
Quando a insegurança
Explode na minha cara
Perdoa-me
Se a linguagem
Do meu coração
É tão rudemente traduzida
Para a língua da razão
Não te sintas subtraída
Do meu respeitar
Que o meu coração importa
Dele és cativa
Desde quando
Vieste nele morar


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MQ
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Moçambique União Folclorista São Benedito de Belém, de Taubaté

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terça-feira, 16 de novembro de 2010

GUIMARÃES ROSA

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Fotografia: MQ
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RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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CORAÇÃO BRASILEIRO
(Celso Adolfo)

No meu coração brasileiro
Plantei um terreiro, colhi um caminho
Armei arapuca, fui pra tocaia, fui guerrear
Meu coração brasileiro anda de lado
Manca inclinado
De norte a sul a vida é o rumo
Que é mais procurado
Quando é de noite a vida silencia
Abro no peito três olhos pro céu
Nasço da luz de que nasce o dia
Eu sigo manco, meu pé tem gabarro
Minha crista tem gôgo
Fiz minha fé com tijolo de barro
Mas não regulo minha veia com isso
Quando é de noite na vida me esguicho
No vão do espaço de procurar
O coração que for brasileiro
Faço capina, chumbo a cravina
Quero alegria, quero alegrar!
A vida ferve na cuia do tempo
Quem espera a dor não viaja no vento
Ranquei a hora no chão do momento
Nasci de manhã, o sol veio olhar
Brilhou meu setembro, fiquei no lugar
Mais cedo que a vida fui trabalhar
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Então, foi assim...
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A primeira música do cantor e compositor mineiro Celso Adolfo1 a chegar ao conhecimento do grande público foi Coração Brasileiro2, gravada por Milton Nascimento, em 1982. Naquele momento, Celso viveu as primeiras e mais fortes emoções diante do desejo de trabalhar e viver somente de música. Queria deixar de ser um técnico de estradas para projetar e
pavimentar caminhos que o levassem a destinos musicais.

Coração Brasileiro nasceu doze anos antes de Milton gravá-la. No fim da década de 1970, Celso Adolfo era funcionário do DER-MG3. No ambiente de trabalho, lia e relia o clássico Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, escondendo-o na gaveta sempre que o chefe aparecia. Como legítimo mineiro do interior, Celso diz que foi tragado pelo livro. “Na minha prancheta de técnico de estradas eu me transtornava com o clima do Grande Sertão. Continuava lendo e escondendo o livro na gaveta. Depois de alguns dias surgiu a letra de Coração Brasileiro, escrita entre projetos de estradas, canetas Leroy, tira-linhas, cadernetas de campo, papel vegetal formatos A1 e A4, curvas-francesas e o cafezinho ruim de serviço público, entre reprimendas e ameaças de demissão.”4

Em casa, Celso buscou uma afinação de viola de dez cordas (G-D-G-B-D), adaptou-a ao violão e achou no cateretê a forma final da melodia.

Em 1982, Milton Nascimento a ouviu no show Coração Brasileiro, que Celso Adolfo apresentou em Belo Horizonte. Gostou e a gravou no LP Ânima, com arranjos do grupo, também mineiro, Uakti. Era o primeiro registro de uma composição de Celso, que ainda foi convidado a tocar o violão na gravação. Em seguida, Celso também a gravou em seu primeiro disco Coração Brasileiro, de 1983, que contou com o auxílio luxuoso de Milton Nascimento, na direção e participação especial.

Celso Adolfo continua sua trajetória de projetar estradas musicais e afirma: “Milton Nascimento foi quem clareou tudo pra mim. Agradecê-lo por isso será sempre pouco”.


1 Celso Adolfo Marques 09/9/1952 São Domingos do Prata-MG.
2 Coração Brasileiro é título e tema de abertura de um programa de rádio que divulga a MPB em Cambridge, EUA,
apresentado e produzido pelo pesquisador estadunidense Denis Miller.
3 Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais.
4 Entrevista concedida ao autor em abril de 2006, por e-mail.



Ruy Godinho
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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

CAMILA CARRARI - Do repousar das sementes

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Faço-me visitas e às vezes, com visão turvada e difusa, não encontro ninguém...
Pois em mim também moram profundidades insondáveis.
Eu olho.
Atrevo-me.
Ouso.
Enfim, coloco as mãos na minha algibeira.
Reviro.
Mergulho.
Caos.
Massa confusa, emaranhado sem pontas.
Terra impossível de ser pisada.
Mar inadmissível de ser navegado.
Ar destituído de transparência.
No entanto, vislumbro - com certo arrebatamento e grande emoção - um
coração imerso em júbilo e contentamento infantil...
No caos repousam as sementes de todas as coisas...

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Camila Carrari - http://comodasecreta.blogspot.com/

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Para suportar


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Não sou tentado a infernos
E nem céus me fascinam
Também não sou de barro
Carrego corpo em sangue
E transformações seculares
Pondo-me insaciável
Na complexa incoerência
Por isso terei coragem
Só quando for preciso
Astúcia pode parecer
Quando não desisto
Porque só existo na vertigem
Sou volúvel e triste
E persigo direções
Para suportar o insuportável

Com a solidão da vida

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MQ
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domingo, 14 de novembro de 2010

NOÉLIA RIBEIRO - Fragmentos

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Se vivo de regras e concessões
é porque me sinto próxima
de tudo o que é insano e mudo

Sofro da falta
e do excesso de tudo


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Ninguém me Conhece: 24) A Infinita Fantasia de Marito Correa

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O fato de ser letrista (e não-cantor) possibilitou-me conhecer muitos bons compositores e com eles "parceirar". Pra isso, valeu-me também o exercício diário de vencer os preconceitos musicais e abrir olhos e ouvidos pro novo... e pro que é considerado velho. Por conta disso pude trazer a meu convívio compositores de gerações distintas da minha e com estes construir um vínculo (não só musical). E, dentre esses parceiros da, digamos, velha guarda, tenho um carinho todo especial por Marito Correa, um compositor com C maiúsculo! E também um cara muito bom de papo, de tiradas geniais, engraçado até a medula, e partícipe de encontros etílicos, sobretudo os regados a boa música.


Conheci Marito meio que por acaso, certa noite em que havia ido com Kana ao Caiubi. Não sei exatamente como começou, mas de repente nos vimos papeando com ele, e, na hora de ir embora, descobrimos que éramos vizinhos (mundo pequeno!). Marito morava a uma quadra de nossa residência, no charmoso e decadente bairro do Bixiga. E mais: era dono (juntamente com sua mulher, a simpatissíssima Cida) de uma aconchegante casa chamada Saracura, na rua Rocha, que servia boa comida, cerveja gelada, e tinha um ambiente familiar, pois era realmente uma casa, com quintal e tudo, no fim do qual algo parecido com um velho depósito de ferramentas fazia as vezes de palco onde ele fazia seus showzinhos despretensiosos.


Não preciso dizer que nos tornamos figurinhas fáceis do lugar. Íamos a pé, e costumávamos voltar tarde. Contudo, embora as apresentações de Marito fossem sussurrantes, teve problemas com a vizinhança, pessoas honestas e matinais, que queriam dormir e, de preferência, sem a companhia da boa música. A casa fechou, mas a amizade, não. E, progressivamente, esta se fez parceria. Marito, descobri, possuía um baú sem fundo de melodias, e fui me deliciando em fazer letras pra elas. Foi ele, inclusive, quem me ensinou uma tática de compor da qual me utilizo até hoje. Explico: a primeira letra que lhe fiz era essencialmente masculina, e Marito, sempre à procura de cantoras que lhe gravassem as canções, me recriminou: "Parceirinho querido, como é que, em sã consciência, uma cantora vai cantar versos como esses? 'Quem é você, mulher?/ Que estranha vocação/ Ser anjo da guarda/ Da fera bastarda/ Do reino animal/ Eu sou um vampiro/ Em pleno retiro/ Espiritual'. Seja mais sutil. Deixe o sujeito oculto!". E soltou uma de suas gargalhadas múltiplas, misturadas com tosse, que, por vezes, por pouco não resultavam em internação. Foi aí que aprendi a fazer letras que, embora tivessem uma essência feminina, podiam ser cantadas por homens. E vice-versa.


Perseverante, Marito descobriu uma casa melhor e mais bem localizada, com vedação acústica, palco grande, dois ambientes, o fino! Batizou-a de Saracura do Bar. Ficava no coração do Bixiga, na rua Treze de Maio, 180. Ele dizia que, de tanto procurar, sem encontrar, lugar pra tocar, resolvera abrir sua própria casa, onde podia fazer seus shows e possibilitar aos amigos que tivessem, também eles, um palco aberto e democrático. Até mesmo o Caiubi, quando perdeu a casinha em Perdizes, mudou-se de mala e cuia pra lá por uns tempos. Mas o tempo passou, as dívidas vieram, o público não entendeu a proposta, e, imprensado entre o forró e o rock, novamente viu os vizinhos serem responsáveis pelo fechamento da casa. Era uma vez um Saracura. Assim como o rio que deu origem ao nome do bar, viu um asfalto de ignorância sobrepor-se a suas águas.


Além de perseverante, Marito podia ser considerado também um cara turrão, teimoso ao cubo. Bossa-novista por excelência, não admitia impurezas que, segundo ele, empobreciam a MPB. Suas canções possuíam linha melódica extensa e harmonia sofisticada. E, embora paulista, vivera muito tempo no Rio, chegara a ser amigo de gente como João Gilberto e João Donato. Uma vez me contou certa história que, verdadeira ou não, é bastante interessante. Disse-me ele que, quando morava no Rio, costumava receber ligações de João Gilberto, de madrugada, pedindo-lhe que lhe cantasse ao telefone "aquela". E ensinava: "Mário, faça assim, ponha o fone sobre três listas telefônicas, assim posso ouvir de forma igual a voz e o violão". Marito punha o fone sobre duas listas e, nem bem começava a execução, ouvia o berro do outro lado da linha: "Eu disse três, não duas!". Foi no Rio também que gravou seu belo CD Verena - Os Sinos e os Meninos, que teve muitas importantes participações, entre elas a de Caetano Veloso. E isso não é história. É História!


Mas Marito é mais um entre tantos quixotes que conheci. Com a bossa nova em seu auge na Europa e agonizando no Brasil, não pensou duas vezes: arrumou as malas, pegou um Air France e se mandou pra Paris, tocar em bares. Certa ocasião, estando num trem atravessando território belga, gostou do som do nome de uma estação, desceu, perambulou sem rumo, descobriu uma casa que o atraiu, entrou, trocou duas ou três palavras com o proprietário e, na mesma noite, estava instalado num quartinho dos fundos, contratado a fazer apresentações de música brasileira no palco do estabelecimento. Acabou morando na Bélgica durante anos.


Voltou ao Brasil longos anos depois, e, tal qual a personagem de O Príncipe, longa de Ugo Giorgetti, encontrou uma São Paulo mudada, com a qual jamais se readaptou. Marito sofre do mesmo mal de muitos brasileiros que partiram do país em busca de condições de vida melhores e, no exterior, passaram a sonhar com um Brasil fictício, utópico. Voltando ao seio da terra natal, encontrou-o murcho, sem leite, muito provavelmente igual a anos antes, porém completamente diferente daquele em que jorravam leite e mel, que era o de seus sonhos. O remédio que Marito encontrou foi mudar-se novamente pro Rio de Janeiro, que, embora certamente também não seja o que sonhou, ao menos, continua lindo.


Marito, aquele abraço!


***


Ouça algumas das infinitas fantasias de Marito aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/oxdopoema


Leia as letras aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/marito-correa


Marito está no myspace: http://www.myspace.com/maritocorreacompositor




Por Léo Nogueira - http://www.oxdopoema.blogspot.com/


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