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(...) Era pelo menos desanimador tanto descaso da cidade inteira, sem vibração de um abalo, derivando imperturbavelmente na normalidade de sua existência complexa – quando faltavam poucos minutos para que se cerrassem quarenta anos de literatura gloriosa.
Neste momento, precisamente ao anunciar-se esse juízo desalentado, ouviram-se umas tímidas pancadas na porta principal da entrada.
Abriram-na. Apareceu um desconhecido, um adolescente, de dezesseis ou dezoito anos no máximo. Perguntaram-lhe o nome. Declarou ser desnecessário dizê-lo.
Ninguém ali o conhecia, não conhecia por sua vez ninguém; não conhecia o próprio dono da casa, a não ser pela leitura de seus livros, que o encantavam. Por isso, ao ler nos jornais da tarde que o escritor se achava em estado gravíssimo, tivera o pensamento de visitá-lo. Relutara contra esta idéia, não tendo quem o apresentasse: mas não lograva vencê-la, que o desculpassem, portanto. Se lhe não era dado ver o enfermo, dessem-lhe ao menos noticias certas de seu estado.
E o anônimo juvenil – vindo da noite – foi conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não disse palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre; beijou-a num belo gesto de carinho filial. Aconchegou-o depois por algum tempo no peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu.
À porta, José Veríssimo perguntou-lhe o nome. Disse-lhe.
Mas deve ficar anônimo. Qualquer que seja o destino desta criança, ela nunca subirá tanto na vida. Naquele momento o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo – no meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis -, aquele menino foi o maior homem de sua terra.
Ele saiu e houve na sala há pouco invadida de desalento uma transfiguração.
No fastígio de certos estados morais concretizam-se às vezes as maiores idealizações.
Pelos nossos olhos passara a impressão visual da posteridade...
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segunda-feira, 6 de abril de 2009
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Por este breve texto entendo que é de envergonhar o tempo que tenho perdido não lendo Euclides da Cunha.
ResponderExcluirEntão me envergonho junto com você, Cristina.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCristina e Márcia,
ResponderExcluirQue bom que ficaram com vergonha... rsss... leiam mesmo que é um grande escritor.
Bjos
Dizem que este menino anônimo era Astrojildo Pereira, futuro crítico das obras machadianas.
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