Costume, acordar de manhã, sentar-se
na cama com os dois pés bem plantados no chão, segurar com as mãos cada lado da
barriga, pegando por baixo como se a levantasse.
Na frente do espelho ficava olhando,
perdida na estética do pensamento. Sonhava mudar, dar um jeito nas rugas, puxar
o rosto, fazer aquele tratamento moderno para a lanugem e, principalmente,
tirar um pouco da gordura localizada. Falava com o espelho, receitando; ouvia
da imagem possibilidades, certezas e simulações.
O local tinha sido escolhido de tal
forma que, formando o ângulo com o chão, o espelho pudesse refletir fielmente o
que incidia, inclusive os pensamentos, numa leitura de dimensões e percepções muito
precisa.
Quando quebrou, os muitos pequenos
pedaços se espalharam no chão. Os cacos acinzentados perderam a propriedade
refletora e deixaram escorrer de dentro, como se sangrasse, os fragmentos de
todas as imagens que já lera.
O espelho novo foi colocado no mesmo
quadro de madeira, na mesma distância da parede e no mesmo ângulo do chão.
Instalado, manteve as digitais do
operário, apenas por instantes; sua superfície lisa e brilhante logo se
autolimpou. As propriedades de reconhecer e refletir as imagens demoram aquela
tarde inteira e uma noite para serem processadas e permitir ler o ambiente, quase imutável, que
faria variar em cada posição de olhar.
A alma acordou lânguida; sentou-se na
cama, segurou com as mãos cada lado da barriga, suspirou e foi para a frente do
espelho novo.
Suspirou novamente e aí ouviu a
infâmia: - gorda.
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