segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Júlia Partera - MQ


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Era custoso o preparo da terra, o plantio e a lida, o cuidá da roça até o colhê. Inda tinha que esperá o tempo certo da chuva prá tudo isso e depois infrentá  as capivara cumeno o roçado, inda fora de hora, como se fosse à-meia nossa labuta.

Foi aí que pareceu na idéia a arapuca.

Seguino no triero, abrimo deiz buraco de mais de dois metro, tampamo cum foia de buriti, modo que quando elas viesse cumê, caísse neles.

E deu certo. Teve dia que chegamo a pegá cinco delas. Aí era marrá no laço e puxá, depois sangrava uma a uma. Na primera veiz, num sabia como lidá com o bicho. Mais Miguilina perguntô prá seu Juvito mais dona Divina e eles explicô prá tirá o coro, depois tirá a banha que formava outro coro, ficano a carne que era boa de fazê armôndega e guardá na banha de porco. Durava ano.

E foi o que nóis feiz, enfileramo oito lata de banha de porco, enchemo de armôndega de carne de capivara. Zefa já perto de discansá, enjoano cum tudo que era de cumê, nem na cuzinha foi, fizemo tudo suzinho, eu mais Miguilina.

Na hora de fritá as armôndega, deu um lampejo e levei uma amassadinha cum farinha de milho e Zefa num istranhô; inda pois querença de mais.

Num teve injôo nem nada, foi o acabá das preocupação em tudo que cumia e num sustentava. Desse dia em diante, ela armuçava e merendava as armôndega de carne de capivara pega nas armadilha do triero.

Mesmo quando iscasseou a pega dos bicho, num sei se pur isperteza delas ou pur ismazelo nosso no preparo das armadilha, Zefa foi até discansá sem fartá as armôndega, que era só o que ela cumia.

Nasceu Laurino, grande, forte; a partera nem acreditô, lembrano os injôo de Zefa. Daí em diante, virou recumendo seu: cumê carne de capivara desde o primero mêis. A receita ajudava a afamá ela no Vai Vem. Quando as muié embuchava e cumeçava a baldiá, era só chamá Júlia Capivara, ela dava jeito.

Era assim que ia pono o cunhecimento nessa fartura, lugar mais abençoado e de tudo pur fazê, o povo trabalhadô dimais, mas meio sem idéia das coisa. Pois olha que nesse tempo eles fazia a derruba do mato p’ra roça e num distocava. Ficava o milho e os toco. Desses, só colhia o estrovo no passá cum arado.

A primera veiz que Juvito viu a que fiz, ele pois reparo na trabalheira que dava. Mais quando coí os primero carro de milho ele num acreditô no rendê do plantio. Hoje ele prepara milhor a roça. Inda aprendeu a esperá a cheia mode favorecê a distoca.

Juvito ficou meu cumpadre. Dei a caçula, Duvigis pr’ele batizá e ele pois querença d’eu batizá o dele tamém, que envinha nos dia. Nóis ficô isperano o nascê.

No dia, quando Neco Talagada foi chamá a partera, na passagem deu aviso, e num vortô. Júlia Capivara num passô e nóis incomodô. Zefa num agüentô, bateu lá.

Eu e Juvito pegamo o triero atráis de Neco mais a partera. Neco encontramo na venda bebeno.

 

- Onde tá a partera?

 

- Seu Juvito, ela foi na mesma hora, já divia ter chegado faiz tempo. Eu parei prá molhá o papo, ela já em ia longe.

 

Saimo os três pelos triero procurano. Neco, já meio tonto da pinga, cambaleava na frente. Quando passamo perto da roça, onde tinha as armadilha, Neco, na frente, parou na primeira e olhou dentro do buraco.

 

- Isso é hora de pensá em caça, Neco? Onde já se viu.

 

- A capivara tá aqui, seu Juvito.

 

- Ponha tento Neco.

 

- É ela seu Juvito.

 

Era Júlia, a partera, que tiramo do buraco, das mais infezada.

 

- Tenha mais respeito seu cachaceiro. Dizeno p’ro Neco.

 

Quando chegamo na casa de Juvito, a Zefa já tinha aparado o minino e tudo corria bem.

Batizamo o Tércio mais Duvigis junto, dos dois, a madrinha foi a partera, modo de acabar com a disfeita do buraco.

E, desse dia em diante, nunca mais chamamo a cumadre de Júlia Capivara.

 

 
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