De cócoras, na soleira da porta,
Bento tentava, com o tição na mão, acender o chifre que não pegava fogo de
jeito nenhum. Muita impertinência, imagina dois dias no borralho e o fogo não
pegava. Resolvido, voltou à cozinha e, com o ferrão de Tenório no oco do
chifre, enfiou no meio do braseiro.
Foi o que bastou. Zumira ao entrar
já foi logo deitando falação. Aquilo não aceitava. Onde já se viu misturar
aquela catinga no feijão que cozinhava desde cedo. Lugar de homem não era na
cozinha. Se a simpatia de espanto de cobra fosse aquele fedor, que ele
queimasse o chifre lá no curral, que ficasse longe do fogão.
Bento saiu no terreiro ainda com o
chifre enfiado no ferrão. Tenório, que chegava suado da lida, reconheceu a vara
pelo entortado do cabo. Já foi logo enfezando com o cunhado. No consentir de
quem ele estava usando o ferrão? Ainda mais naquele uso inadequado. Para que
queimar o chifre? Se fosse espantar cobra não era assim que fazia, tinha que
ralar o chifre e misturar com estrume que encorpava a fumaça. Bento,
contrariado com a falação, devolveu o ferrão e foi até a casa do vaqueiro Osório
emprestar um ralo.
Depois de quase a tarde inteira
que Bento estava pelejando com o chifre, o vaqueiro viu que ele estava usando o
ralo de fazer quitanda de sua mulher Izaltina. Maior ciúme dum outro objeto ela
não tinha. Osório, sem graça, reclamou que Bento devia ter falado o que ia
ralar. Se soubesse ele não emprestava. Para que ele estava fazendo aquilo?
Bento contou da simpatia de espantar cobra, disse que elas estavam aparecendo
muito no paiol e atacando as galinhas. Osório explicou que não era assim, de
ralar o chifre e misturar estrume, tinha de raspar com a faca melhor de corte
que tivesse na casa, juntar com pólvora e, também, que chifre secado em
borralho de fogão não servia. Tinha que secar ele numa fogueira, acesa em noite
de céu encoberto, sem lua e sem estrelas, noite de só breu.
Misterioso, Bento juntou as pedras
e fez a fogueira. Depois de secar o chifre numa seqüência de noites bem
escuras, passou quase um mês raspando e guardando dentro de um embornal. Dos
cartuchos do cunhado retirou a pólvora e guardou em outro.
Seu Baldino,
passando rente à cerca, parou num dedo de prosa. Bento, na curiosidade dele,
foi explicando o que estava fazendo. Baldino lhe disse conhecer a simpatia, a
raspagem do chifre estava correta, a pólvora também, mas pedra na fogueira não
podia usar não. Carecia fazer uma bacia de barro, do tamanho duma braça, encher
de gravetos. Só assim espantava as cobras. O efeito só seria duradouro se a
simpatia fosse feita à meia- noite e quando acabasse de queimar, ele espalhasse
as cinzas em volta do local.
Bento, com a bacia de barro pronta
e os dois embornais pendurados no esteio do paiol, esperava ansioso a noite
chegar. O cunhado, vindo do curral com o balde de leite na mão, mangou dele
dizendo que nunca tinha visto homem mais sem opinião e que ele não tinha fé no
que fazia. A simpatia tinha lá suas liturgias mas sem a fé não valia nada. Já
que ele aceitava palpite de todo mundo por que não ouvia o Mané Benzedor,
conhecedor por profissão e morando tão perto. Bento, quase na zanga com o
cunhado, resolveu procurar Mané Benzedor que lhe deu todas as orientações. Explicou
como fazer, corrigiu o errado, acrescentou o estrume na bacia de barro, mandou
pôr, além dos gravetos, sabugos e palha de milho e que esperasse uma noite de
bem breu.
Feliz da vida, Bento ficou
esperando a melhor noite, determinado a não aceitar mais palpite de ninguém,
nem falar mais no assunto, evitando apodo do cunhado.
Veio a cheia e nada. Na minguante
deu a noite esperada, escura, fechada e sem vento, parecia noite cega de nascença.
Na paciência, com todos os
detalhes, Bento preparou a bacia na porta do paiol, calculou o meio da noite e
pôs fogo.
0 barulho foi seco, bum..., nem
ressoou. O fedor foi exalando pelo ar e impregnando as palhas de buriti que
cobriam o paiol, espantando as galinhas do poleiro. Foi quando Bento viu a
sombra se transformar na figura que andava em volta exalando pior cheiro que a
mistura que ardia na bacia de barro.
Dela ouviu, atrás do bafo, bem na
sua frente.
- Cobra, que cobra levo.
E o coisa ruim sumiu do susto.
Cobra nunca mais apareceu lá e
Bento morre de medo, na noite escura, quando começa exalar aquele cheiro de
chifre queimado por todo o corpo.
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