A nossa idéia inicial era usar as respostas
para escrever uma crônica sobre o personagem central e a sua relação com os
nossos familiares. Entretanto, as respostas que recebemos foram tão interessantes
e expressivas, que cada uma delas em si é “a” crônica. Por isso, as integramos
ao nosso texto geral, reproduzindo as respostas do Márcio e do Cláudio, com
alguns pequenos “retoques” sobre a linguagem de e-mail, mas sem prejudicar o
tom coloquial dos depoimentos. Na parte final, adicionaremos os textos da capa
e das letras mais interessantes do CD que ganhamos do Dr. Sócrates.
1.
Nosso e-mail ao Márcio com cópia ao Cláudio (5/12/2011).
O dia de ontem foi uma apoteose ao Sócrates.
Não sabemos precisamente quando, talvez em 2000, o Cláudio deu um show em
Ribeirão Preto. Vamos perguntar a ele. Ao voltar ele nos trouxe um disco
CD cujo título é: "Sócrates, Bueno
e Convidados". Na capa há uma foto do Sócrates sobre cujo rosto ele
dedicou em tinta vermelha: "Lillian
e José, que pena que não estão conosco aqui também. Sócrates." Sem
data na dedicatória.
V. deve se lembrar que quando a sua Vó
Maninha fraturou o fêmur (início de 1986) e foi internada em Ribeirão
Preto, V. ligou para o Sócrates (com quem se encontrava no Fundão, onde ele fez
um estágio de residência médica), pedindo-lhe que fizesse a ela uma visita. Ela
contou depois à sua mãe que o famoso Dr. Sócrates a visitou pessoalmente no
hospital e que foi muito gentil, tomando providências para que ela tivesse um atendimento
especial. Ele conversou amigavelmente com ela. Confessando ser torcedora do
Santos, para agradar ao filho, contou-lhe que o finado marido sempre fora
corintiano, mas ela pediu ao Sócrates que voltasse a jogar na Seleção, pois
achava que ele era o melhor jogador da época.
Tudo isso agora nos dá a idéia de relembrar
fatos e datas e escrever uma crônica do que lembrarmos. E o CD está aqui
conosco. Sempre que o Cláudio faz shows com colegas e amigos músicos que lançam
CDs ele nos traz um, geralmente com dedicatórias: foram os casos de Marcos
Quinan, Ruben Blades e este, do Sócrates.
Se V. tiver mais detalhes sobre o seu relacionamento
com o Sócrates na UFRJ e sobre o caso da Vó Maninha, favor mandar, para que
possamos escrever a projetada crônica. Vamos pedir ao Cláudio que complete a
parte dele. Pelo que soubemos, eles se encontraram três vezes, ao longo de
muitos anos de suas viagens profissionais.
2.
Resposta do Márcio com cópia ao Cláudio (6/12/2011).
Bem, conheci o Sócrates assistindo ao
Coringão, logicamente. E me identifiquei com ele por vários motivos: médico
como eu, faixa etária semelhante e, "on top of that", jogador do
Corinthians. Qual jogada dele foi a mais genial? Jogo em São Paulo, o Sócrates
recebe uma bola na intermediária adversária, e num toque só lança de calcanhar
para o Palhinha, que se antecipa à zaga (que não esperava, claro), e faz o gol.
Imprevisível, preciso, cirúrgico, econômico, minimalista,
displicente-eficiente.
Depois que ele voltou da Itália, foi pedir um
estágio no Hospital do Fundão, pra "pegar mão" de novo na medicina. E
ficou por um ano estagiando em Clínica Geral. Era médico responsável por uma
enfermaria de sete leitos no nono andar do hospital. E eu passava visita nos
pacientes naquela enfermaria. Foi assim que o conheci.
Era discreto, mas não dava pra não ser
notado, é claro. As primeiras conversas foram sobre os pacientes que
acompanhávamos juntos, mas num dado momento, falei que eu
pretendia ir pra Itália. Ele tinha chegado de lá havia pouco, e começou a
me dar conselhos. Primeiro, me cumprimentava em italiano (eu mal falava buon
giorno). Depois me deu várias dicas sobre a Itália. Uma das coisas
curiosas que sempre lembro é ele ter comentado sobre os diferentes dialetos, e
que o filho pequeno, que aprendeu a falar em Firenze, sua primeira língua
era um dialeto que ninguém em casa entendia.
Ainda do seu tempo no HU, todo ano tem um
campeonato de futebol das diferentes unidades da Universidade, que é jogado aos
sábados num campo da Praia Vermelha, antiga sede da UFRJ. Não precisa
contar que a polícia passou a ser acionada todos os sábados, pra tentar
organizar a platéia que era muitas vezes maior que a capacidade daquele
campinho. E nem quem foi campeão aquele ano. O Doutor fazia uns 10 gols por
partida!
No início de 1986 houve o episódio da Vó Maninha.
Ela tinha fraturado algum osso da perna, se não me engano, estava internada num
hospital de Ribeirão, e eu liguei pro Sócrates (ele tinha me dado seus
telefones) pra perguntar se ele conhecia alguém no hospital, se conhecia o
hospital. Ele falou: "Marcião, deixa comigo. Te ligo depois". E um
tempo depois ele ligou, falou que tinha ido ao hospital procurar por ela, que
ela estava muito bem, era muito simpática, disse que torcia pelo Santos, mas
que o Vô era corintiano e que não perderia esse encontro por nada, caso ainda
estivesse por aqui.
Depois de um tempo tive notícia do Sócrates
através do Cláudio, recebi também um disco com dedicatória. E depois, nos
programas de TV - ele entrevistava gente de todos os segmentos da
sociedade em um programa no Canal Brasil.
Mais recentemente, a notícia foi relativa à
saúde dele, as duas internações recentes, e já dava pra perceber que a situação
era bastante grave. E culminou com essa internação. E a ironia dele ter morrido
no dia do último jogo do campeonato, e ser enterrado na hora em que o jogo
começou. Como disse o Juca Kfouri na CBN (vale a pena ouvir), é uma
coincidência bonita. Bonita e triste.
3. E-mail
do Cláudio ao Márcio, com cópia aos Pais (10/12/2011).
Belo depoimento: serve como uma crônica!
Engraçado que o futebol e o Sócrates estão
rondando o meu dia, hoje.
Acabo de retornar do Portobello em
Mangaratiba, e lá conheci um empresário e jornalista dono de um portal de
notícias bem interessante: o “Opinião e Notícia”. Disse que sempre apresenta uma
coluna traduzida de um importante jornal inglês, jornal este que tem um
obituário diferente, "de uma pessoa só por dia", para se prestarem
homenagens, puxar a história desse ou daquele que passou recentemente, e
justamente foi o Sócrates o escolhido da semana. Ele conta então essa
repercussão através do portal acima citado.
Lá no Portobello, entre outras coisas, também
está acontecendo um encontro de artistas com jogadores de futebol, o chamado
"Desafio das Estrelas". Que coincidência: Hoje, passando na saída do
café da manhã do hotel, abordei o Caio, aquele ex atacante do Santos e do
Flamengo (dois dos times em que o Sócrates também jogou) e que agora virou
comentarista da Globo, então bati um papinho breve com ele.
E já que recebi esse e-mail, vou pormenorizar o meu depoimento sobre o Sócrates também.
Quando conheci o Sócrates pessoalmente, já
começou me chamando pelo aumentativo de Claudão. Acho que ele, por ser
conhecido por todos como Magrão, passou a usar o aumentativo como tratamento
que designa proximidade. Deve ser isso...
Mas, antes de bater papo com ele, a primeira
vez que o vi de perto foi no México, em Guadalajara, com uma turma de
jogadores, no pátio do hotel em que estávamos hospedados (nós, a turma de
artistas que foram pra lá com o Circo Voador; a Seleção estava em outro
hotel). Estavam lá o Sérgio Cabral, o cronista esportivo e produtor
musical que também faz aniversário em junho, acho até que foi no dia mesmo, o
Nelson Mota, outros jornalistas da cultura e do esporte, os artistas da "troupe"
e alguns jogadores que foram nos visitar, a convite do Perfeito Fortuna,
"embaixador" daquela nossa ida ao México pra fazermos shows e,
logicamente, assistirmos à Copa.
Acho que foi num dia de folga, depois de
algum jogo ainda da primeira fase. Notei que o Zico não estava na turma.
Mais reservado, provavelmente resolveu ficar na concentração.
Mas, o Sócrates não. Puxava samba atrás de
samba, ele e o Junior, os dois mais empolgados, todos com uma cervejinha na
mão. Acho que tinha um churrasquinho improvisado também. Mas não demoraram
muito não. O pessoal da CBF deu certa "blindada" na galera e não
rolou muito papo, só música, o churrasco em si e foram-se embora. Nem deu tempo
de puxar nenhuma conversa; eles estavam numa Copa, embora todos de copos na mão
no momento relax...
A outra vez que estive com ele (e essa com
certeza foi quando ele me deu aquele CD), eu tinha ido a Ribeirão fazer um show
com o “Boca Livre”, mais ou menos em 2000. O pessoal do “Boca” voltou pro hotel
mais cedo e eu fiquei lá, já sabendo que era o "point" do Doutor.
Queria conhecê-lo e comentar o caso da Vó, falar do Márcio, perguntar se ele se
lembrava, e dizer como foi importante pra ela aquela visita dele, a pedido do
meu irmão.
Não demorou muito ele chegou e logo foi puxando
assunto comigo porque, disse ele, tinha muito tempo que gostaria de me conhecer
pessoalmente e eu, enquanto ouvia aquilo, ficava sem entender porquê...
Pensei: - Ué? Será que ele guardou essa
história da Vó? Ou talvez pelo Márcio ser seu colega, talvez tivesse comentado
alguma coisa, que fosse meu irmão e tal...
Mas era por outro motivo, embora ele tenha me
dito depois, que se lembrava sim do Márcio e também da história da Vó Maninha.
Quando jogou no Flamengo, em 86, ele conheceu
a "figuraça" da Nana Caymmi, os dois ficaram amigos. E depois disso,
me disse, ficou muito curioso em me conhecer e bater um papo comigo, porque
segundo ele "só um cara muito especial, além de meio doido, claro, pra
conviver com a Nana por quase três anos..." E aí foi uma risada só!
A gente engrenou na conversa com umas
cervejinhas e, quando eu ameaçava dizer que tinha que ir, ele arrematava com ar
de quem não vai se convencer do contrário: “Ô, Claudão, nada disso. Que embora,
que nada! Vai tomar... Vamos conversar mais, que o papo tá muito bom, cê tem
alguma coisa pra fazer agora? Não, então... vamos ficar mais um pouco aqui”.
Entre outras curiosidades, conversamos sobre
futebol, e eu contei que o Pai nos levava ao campo do Guarani e que assistimos
a uns bons jogos ao vivo, com aqueles craques do passado. Ele disse que achava
o Zidane um ótimo jogador e que ninguém estava jogando melhor no mundo, etc...
Falou de cinema, de música, tudo quanto era assunto.
...e tome papo!
Fui embora bem tarde pro hotel, mas valeu a
pena.
Na outra vez que estive em Ribeirão Preto,
foi em 2004, acho que já tinha o CD em homenagem a Caymmi e eu fui para a Feira
do Livro de lá, pra promover o disco. Rolaram muitos espetáculos teatrais e
musicais, muitas palestras, livros vendendo a preços de editora, muita gente de
vários lugares, e lá estava o Doutor Sócrates, no meio da praça central do
evento, embaixo de uma tenda, com um microfone na mão e um cinegrafista com uma
câmera na mão. Ele estava pilotando um programa da TV local, de variedades, em
que ele era o entrevistador. Eu, um dos entrevistados. Ele aproveitava a
circulação de pessoas variadas para incrementar o programa dele. O
Programa era parte do projeto de uma fundação cultural e social da qual ele participava
e era um dos mentores.
Ele, sempre naquele jeitão bem à vontade e
deixando todos à vontade em volta. De uma simplicidade total. E sem papas na
língua, até bem ácido nas críticas. E foi bom revê-lo.
Fui entrevistado junto com o Kleiton Ramil,
aquele da dupla Kleiton e Kledir, que estava lançando um livro.
No intervalo da gravação, o Sócrates contou
uma história incrível sobre uma visita meio forçada que ele teve que fazer ao
Muhamar Kadafi, aquele da Líbia. O Kadafi o "convidou" para um
encontro, segundo ele, político. O Sócrates, que estava fazendo não sei o quê
na Líbia, aceitou ao "convite" meio por educação e meio por
curiosidade e teve que sair do hotel umas 4 da manhã. Hora segura, discreta.
Num determinado momento da viagem de carro pelo deserto, ele foi vendado, para
segurança do paradeiro ou "bunker" do ditador.
Disse que o cara tinha uma conversinha bem
insistente e envolvente (tudo com tradução simultânea) e tentou convencê-lo a
se candidatar à Presidência do Brasil, sendo que os petrodólares do Kadafi
bancariam toda a sua campanha. Sócrates tentava dizer que nunca seria candidato
a nada, porque a visão de política dele já estava sendo praticada no dia a dia
e tal, mas o cara não se convencia. Foi um sufoco a conversa, mas ele se safou
de mais uma "marcação dura" e tudo ficou por isso mesmo.
Depois de todo esse acontecido, me lembrei
que a última vez que vi o Gonzaguinha, foi num programa de rádio que ele tinha,
e ele lá me entrevistou. Meses depois, fiquei sabendo da sua morte.
Coincidência ou não, e por precaução, estou
seriamente inclinado a não dar mais entrevistas a pessoas próximas ou colegas
de profissão ou amigos e afins, que não sejam jornalistas de profissão e já não
tenham uma carreira de entrevistadores.
Vai que o cara morre depois...
4. Necrológio
Britânico do Sócrates Brasileiro (acessado no portal indicado pelo Cláudio).
O Adeus do Filósofo
dos Gramados
Sócrates defendeu um
Brasil livre da corrupção e contestando a política do país antes, durante e
depois de sua carreira no futebol. (10/12/2011)
O
fato de ambos se chamarem Sócrates não era a única ligação entre eles, já que,
assim como o filósofo grego, o Sócrates nascido na umidade amazônica de Belém
do Pará também era um intelectual. Num esporte em que os cérebros da maioria
dos jogadores estão nas chuteiras, ele falava sobre Van Gogh e a história de
Cuba, era médico, e se importava com a democracia. Numa carreira que incluiu
quase 300 jogos por seu principal clube, o Corinthians, e 60 partidas pela
seleção brasileira, ele entrava em campo como um homem racional, observando o
jogo de maneira matemática e aplicando toques de genialidade.
Se
esse amor pela sabedoria estava na água de seu batismo ou se ele se desenvolveu
na biblioteca montada por seu pai autodidata (que também teve outros dois
filhos, chamados Sófocles e Sóstenes), ninguém sabe. Ele mesmo costumava
afirmar que seus ídolos de infância haviam sido Fidel castro, Che Guevara e
John Lennon. Ainda assim, seu livro, A
Filosofia do Futebol encerrava com uma máxima que teria agradado a
seu xará: “A beleza vem primeiro. Depois vem a vitória. O importante é a
alegria”.
Ele
não disse isso à toa. Embora o Brasil tenha vencido a Copa do Mundo cinco
vezes, Sócrates nunca fez parte de uma seleção campeã, mas, por outro lado, a
concentração e a disciplina necessária para levantar a taça nunca o agradaram.
Nas arquibancadas, o público via a beleza cada vez que ele jogava, com seu
trotar elegante pelo campo, e suas acelerações, seus refinados toques de
calcanhar, e seus longos passes do meio de campo. Existem poucos exemplos de
jogo bonito melhores que o duelo entre Brasil e Itália na Copa de 1982, quando
ele era o capitão da seleção, e marcou um belo gol, quase ofuscando o fato de
que o Brasil fora derrotado e estava fora da Copa.
Um contestador de
chuteiras
Ainda
assim, o Doutor Sócrates, como era conhecido pela torcida, nunca colocou o
futebol em primeiro lugar na vida. No início de carreira, ele faltava aos
treinos quando eles coincidiam com seus estudos médicos. Num país que come,
bebe e respira futebol, ele insistia que o mais importante era erradicar a
pobreza, construir rodovias e escolas, e ensinar boas maneiras. Seu xará
chamaria isso de uma busca por uma vida virtuosa. Ele dizia que isso era “dar
prioridade ao ser humano”. A melhor coisa a respeito do futebol, disse ele,
eram as pessoas comuns que ele conheceu – incluindo os membros do time amador
de Garforth, uma cidade inglesa, próxima a Leeds, que Sócrates treinou por um
mês em 2004.
Ele
também defendia o homem comum. Como o primeiro Sócrates, ele também se via como
um contestador dos tirânicos, preguiçosos e auto-indulgentes. Ele não
concordava com a maneira na qual o Corinthians era controlado, com gerentes
tratando jogadores como crianças, e organizou um sistema no qual todos no
clube, do gandula ao presidente, votariam para determinar a duração dos treinos
e dos almoços – esperando, sem dúvida, uma maior flexibilidade no que dizia
respeito a festa, fumo e cerveja, que ele considerava essenciais para sua
liberdade de jogo. “Sou um anti-atleta”, explicou ele. “Você tem que me aceitar
como eu sou”.
Ele
também não gostava da maneira como o Brasil era comandado, com o domínio dos
generais após um golpe em 1964, e defendeu eleições livres, comandando um
Corinthians que jogou com “Democracia” escrita nos uniformes do time, e
partindo, em 1984, quando o governo não aprovou as leis necessárias, para jogar
na Fiorentina. Se isso eram subversão e “corrupção da juventude”, ele celebrava
sua perigosa influência. E não desistiu: Lula foi bom, disse ele, mas merecia
apenas uma nota sete pela maneira como comandou o país. Para Sócrates, apenas a
completa revolução, ao estilo de Fidel, seria merecedora de uma nota 10.
Aposentado do futebol, ele continuou a se
manifestar contra a corrupção desenfreada no esporte. Exigiu eleições livres
para a presidência da CBF e sugeriu o nome de Zico para o cargo. Começou a
escrever um romance, ambientado durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, no
qual o dinheiro público estava novamente desaparecendo em bolsos privados, e
elefantes brancos estavam sendo erguidos por todo o país. Sócrates não
enxergava mudanças. O seu próprio Corinthians, que sobrevivera a tempos
difíceis, agora nadava em dinheiro, mas ele preferia slogans políticos ao invés
de dezenas de patrocinadores nos uniformes. E certamente gostaria de ter visto
uma vitória criativa no lugar do horroroso jogo que deu o título de 2011 ao
Corinthians, horas depois de sua morte.
Ele também morreu jovem, após um jantar com
amigos, que seu fígado enfraquecido não pôde suportar. Como médico e
ex-meio-campista, Sócrates sabia que deveria abrir mão de suas cachaças, e de
seus “simpósios”, discussões ideológicas regadas a discussões, fumaça e álcool.
Como filósofo, ele assinou sua sentença de morte com sua habitual sabedoria e
serenidade.
5. Revisitando
o CD “Sócrates, Bueno e Companheiros” (5/12/2011).
A CAPA:
(Texto escrito por Sócrates).
POR QUÊ?
Máxima
expressão de nossa sensibilidade, a música é o meio mais eficaz de discutirmos
a realidade que nos envolve. Provocando, argüindo, questionando, denunciando,
seja de que forma seja, ela nos torna escravos de sua firmeza, sua grandeza e
beleza. Este projeto tem muito de tudo que já vivi, exaltando as várias formas
de sentir, de gritar ou chorar. Quando escrevo que gostaria de poder restaurar
a beleza que existe na alma de nossa miséria, quando afirmo que a dor do
desamor é quase que morrer, quando insisto que a paixão é a mola propulsora da
felicidade, quero dizer que estamos vivos, lutando por tudo que nos é de
direito. Quando homenageio os pais presentes e ausentes, digo que suas
histórias provocaram o crescimento de uma nação, ainda jovem, que todos nós
queremos ajudar a amadurecer, mesmo que nossas bocas sorridentes estejam
sangrando. A visão do amor que todos procuramos incessantemente representa a
esperança de que o belo, enfim, um dia nos atinja em cheio e nos impeça de
encontrarmos a expressão mais depressiva de nossa existência. Sei que muito
busco e não me faltam meios para continuar a luta. Se as pernas não mais me
permitem amplificar minha voz, porque então não utilizar a própria voz para
expressar-me. Teria que encontrar outros meios de dizer minha indignação com o
processo sócio-cultural vigente que privilegia a dor material menosprezando a
riqueza sensitiva que permite definir-mo-nos como humanos, e creio que o encontro
com esta paixão juvenil pôde me devolver a chama que incendeia minha alma
irrequieta. Pintando o lar que me acolhe, valorizo a todos que me cercam, a
todos que me amam, a todos que se embelezam para tornar a convivência entre
vizinhos, alguma coisa mais perto do ético e do digno. Sei que este é um sonho
de amor, que enche o meu peito de beleza, mas também de dor. A tristeza que insiste em aparecer no livro
da vida, deveria ser colocada na orelha deste mesmo livro, para que raramente
pudéssemos visitá-la. Espero sinceramente que possamos trazer à tona nossas
mais guardadas lágrimas, que possamos fazer nossa mente voltar a sonhar e que
nunca deixemos de nos indignar com a fome e desnutrição, com a guerra e a
opressão, com o racismo e outras formas de violência. Que a alegria do retorno
aos nossos melhores tempos possa injetar mais justiça à nossa eterna alegria.
Que o orgulho de nos sentirmos privilegiados ao surgirmos aqui, nesta terra
abençoada, não nos traia jamais, gerando sentimentos cada vez mais nobres e
honestos. Que nossas crianças voltem a brincar e pintar nossas ruas e parques e
que sempre possam ser acolhidas em colo materno. Que a arte, a alegria e a
liberdade, representada pela união de cores e raças diferentes possam
consolidar esta nação e que possamos definitivamente dizer para o mundo ouvir:
”seja onde for, para sempre o meu grande
amor”, pátria minha. E seja como for, Baião, Bolero ou Toada; Samba canção,
de breque ou de enredo, nas modas e nos modos, todos queremos nos sentir cada vez
mais partícipes deste mundo que devemos ainda construir. Este é um projeto de
vida e de sonhos, que cada um de nós insiste em criar, e a criação
definitivamente é nossa companheira e vocação na estrada nem sempre iluminada
que devemos seguir. E com orgulho recebi pessoas queridas que compartilham
comigo estas questões. Toquinho, Carlinhos Vergueiro, Simone Guimarães, Marcelo
e Maurício, meus manos Sóstenes e Raí e meu grande parceiro e amigo Bueno vivem
ao meu lado este lindo e inesquecível sonho de amor.
Embora o disco mencione que todas as músicas
são de autoria de Sócrates e Bueno, o texto acima é de evidente autoria de
Sócrates e mostra toda a sua filosofia de vida, que engrandece a sua breve
passagem por este mundo. Mostramos no texto (negrito nosso) a frase que ele destacou,
da letra da faixa 07 do CD, dedicada ao Corinthians e estendida à “pátria
minha”.
A seguir, reproduzimos as letras das duas
faixas que julgamos as mais expressivas do CD, no que concerne a duas das
maiores paixões da vida do Sócrates Brasileiro: o Corinthians e a família:
FESTA
CORINTHIANA
Escuridão iluminada
No sonho de um eterno
campeãoA fiel se abraçava
Amor, reunindo a multidão!
Quando a rede balançou
Gooooool
Esqueci a solidão.
Corinthians é tanta paixão
Sorriso do meu coração
Corinthians seja onde for
Pra sempre meu grande amor.
Já raiou a liberdade
Negro e branco construindo uma nação
Com as mãos entrelaçadas
A fé na mais pura expressão
E quando a rede balançou
Gooooool
Liberei a emoção.
Corinthians é tanta paixão
Sorriso no meu coração
Corinthians seja onde for
Pra sempre o meu grande amor.
SEU VIEIRA E DONA GUIOMAR
Lá do Norte eles
vieram
Fincar raiz por aquiDe lá trouxeram Sócrates
Aqui terminou com Raí.
Começou com nome grego
Como Sófocles e Tenes
Vieirinha na bagagem
Aqui ficaram de vez.
Ribeirão os acolheu
E depois veio Raimar
Cujo nome é a soma
De Raimundo e Guiomar.
Parabéns Seu Vieira
Parabéns Dona Guiomar
Nosso céu encheu de estrelas
Todas elas a brilhar.
E aqui terminamos esta crônica de homenagem a um dos maiores vultos da nossa história esportiva, cujo brilho extrapolou os gramados e se espalhou por todos os setores da verdadeira cidadania brasileira, como o seu enorme nome próprio: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira!
Nova Friburgo, 14 de dezembro de 2011.
Lílliam
Leone Moore Nucci
José
Felício Silva Nucci.
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