Tinha andado o mundo todo, mas sentiu
vontade de voltar, não para nada específico da profissão.
Sentia saudade apenas das ruas, do
lugar onde viveu na mocidade, das pessoas que ainda reconhecia. Viver longe foi
como precisar dormir para sonhar. E agora não; voltara, sonhava acordado e não
precisava da lembrança para lhe entregar o cheiro da sua terra.
Gostava mesmo de andar pelas ruas, da
boemia, de ver o dia entrando na manhã.
Sabia dosar o olhar de mundo que
trouxera, já cansado; gostava de freqüentar os cabarés da cidade velha, ouvir o
apito dos navios fundeados, chamando os marinheiros despejados nas ruas.
Sentia-se um privilegiado; anônimo sem
feito algum, mas um privilegiado.
Nenhuma nostalgia, mas lembrava-se
dela, sempre misturando naquela saudade as mulheres que freqüentara.
Demorou poucos dias para saber da
tragédia; um ferimento doméstico descobriu o câncer que comia a carne. Meia
dúzia de pessoas acompanharam o enterro, os clientes não ousaram aparecer.
Para ele ficou uma carta deixada com a
dona do cabaré, para que ela lhe entregasse, se um dia ele aparecesse. Nela, só
falava de saudade e dizia que seu maior desejo naquele resto de vida era
ouvi-lo tocar as músicas de Ismael Silva.
Despedia-se em letras trêmulas e com
muito sentimento.
Dizem que, até hoje, quem passa de
madrugada na porta do cemitério ainda escuta uma música dolente, como quando
ele, enquanto viveu, tocou na beira do túmulo da mulher da vida.
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