segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Velha saudade - mq


 
Tinha andado o mundo todo, mas sentiu vontade de voltar, não para nada específico da profissão.

Sentia saudade apenas das ruas, do lugar onde viveu na mocidade, das pessoas que ainda reconhecia. Viver longe foi como precisar dormir para sonhar. E agora não; voltara, sonhava acordado e não precisava da lembrança para lhe entregar o cheiro da sua terra.

Gostava mesmo de andar pelas ruas, da boemia, de ver o dia entrando na manhã.

Sabia dosar o olhar de mundo que trouxera, já cansado; gostava de freqüentar os cabarés da cidade velha, ouvir o apito dos navios fundeados, chamando os marinheiros despejados nas ruas.

Sentia-se um privilegiado; anônimo sem feito algum, mas um privilegiado.

Nenhuma nostalgia, mas lembrava-se dela, sempre misturando naquela saudade as mulheres que freqüentara.

Demorou poucos dias para saber da tragédia; um ferimento doméstico descobriu o câncer que comia a carne. Meia dúzia de pessoas acompanharam o enterro, os clientes não ousaram aparecer.

Para ele ficou uma carta deixada com a dona do cabaré, para que ela lhe entregasse, se um dia ele aparecesse. Nela, só falava de saudade e dizia que seu maior desejo naquele resto de vida era ouvi-lo tocar as músicas de Ismael Silva.

Despedia-se em letras trêmulas e com muito sentimento.

Dizem que, até hoje, quem passa de madrugada na porta do cemitério ainda escuta uma música dolente, como quando ele, enquanto viveu, tocou na beira do túmulo da mulher da vida.

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