sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Meio cego, meio surda


Tinham nascido em lugares distantes um do outro, épocas diferentes, costumes outros vieram em cada um para os dois.

Ela era quase surda, ele enxergava muito pouco. Em ambos, os dois sentidos desfaleciam. Quando se conheceram, ela o amou no instante que o viu. Ele, ouvindo, foi se entregando devagar, descobrindo-se na sensualidade daquela voz.

Com o tempo perceberam que suas almas se pertenciam; a dela, masculina, via a vida e deslumbrava-se com tanta forma e tanta cor. A dele, feminina, ouvia tudo que soasse no ar e nos seres.

Num, o silêncio apagava a música do som; no outro, a escuridão calava a luz enquanto se pertenciam.

Viveram juntos pelas ruas do bairro, decorando cada forma, ouvindo a vida. Andavam o dia inteiro; quando anoitecia, misturavam os sentidos no amor. Era assim que ela escutava a vida e ele via a beleza do mundo.

Quase a um só tempo: a tecnologia deu a ela o aparelho minúsculo, ouviu. Ele recebeu o transplante da córnea tão esperada, agora via.

Mas, ao se amarem sem suas deficiências, uma sensação nova os engoliu. Era como um amor que não valia, cego e surdo... morria.

MQ
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