Remava bem, fosse de proeiro ou na remadura. Saber vinha
dos tempos dos antigos, passando o jeito de olhar as maretas, desvendando
marés, rasuras e funduras, passando o conhecimento das águas e do enrediço de
furos e igapós.
Cumará ia com Nheiú. Na empanada, os destribados levavam farinha, cutite,
muitas varas de capim flecha, e uma enrodilhada trança de caroá.
Remavam, entrando na larga do Carnapijó, o sol, ressumando por trás do
mato, punha o dia em volta e deixava ver o patacho fundeado, rente à margem,
quase embocando no igapó.
Cumará, do vê-lo, fez remo contra, ficando fora das vistas, no entremeio
da ramagem. Foram muito recomendados para evitar qualquer camaradagem, mesmo de
conhecidos, sabia seu Tomé das Letras, dono da farinha, da tomadia que faziam:
do Carnapijó até Tatuoca, não deixando ninguém passar com nada que fosse de
comer e em muitos casos apresando até os remeiros, que podiam escolher entre se
alistar como voluntários ou serem presos.
A maré estava virando em vazante, desfavorecendo ainda mais o patacho
encalhado, sem força de vento que o tirasse. Cumatá, quando percebeu a vaza
prendendo o navio que pensou fundeado, fez sinal pra Nheiú, comandando sair
remando na larga e entrar no igapó, cortando a face do costeado, pelo mucruará
que sabia, ficava emprenhado na vazão.
Em manobra rápida, bordejaram quase riscando a madeira do casco, em
remado silente e ligeiro, pondo surpresa no convés que reagiu só com muita
gritaria, sem nenhum disparo. Embrenharam com outra manobra pelo caminho
d’água, varando ilesos no caudal jusante.
Margearam, enquanto a sombra do mato pôde encobri-los, fazendo render as
remadas até o sol dar sombra de quarto de dia, quando entraram pelo primeiro igarapé
e ficaram esperando a noite.
Esta veio; juntando negrume e sacolejo de vaga, no rumo tortuoso que
Cumatá traçou para evitar os navios fundeados e chegar à boca do Piri.
Mas tal não aconteceu, a canhoneira saiu de trás do brigue, numa manobra
rápida, lançou o arpéu e pôs-se casco a casco, acendendo o lume das lanternas.
Descobertos, farinha e canoa, Cumatá e Nheiú foram levados para Tatuoca e
incorporados à frota, à despensa e ao corpo de voluntários.
Dali nunca saíram, a primeira ferida que Nheiú coçou, apareceu depois de
muitos dias de tosse e febre, viraram manchas e pústulas por todo corpo. Em
Cumatá, as pápulas chegaram junto com a prostração da febre. Quiseram fugir,
mas as forças faltaram, as feridas roubavam a vida vagarosamente.
Os dois foram separados junto com um sem número de outros infectados. A
correria era grande, a febre pútrida não poupava ninguém, nem os principais, as
autoridades, os estrangeiros; homens, mulheres e crianças, fazendo mais vítimas
entre os presos nos porões da corveta Defensora e as forças militares.
Os escravos cavando valas e enterrando corpos com as mãos embrulhadas e o
pano cobrindo o nariz e a boca, os objetos sendo queimados em grandes
fogueiras, foi a última visão de Cumatá.
Nheiú durou mais um dia dentro da escuridão com os olhos comidos pela
varíola.
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