Nenhuma lágrima verteu,
apenas a sensação de todas elas dentro de si. Não demonstrava o sofrimento,
gemendo no corpo junto com o cansaço dos últimos dias na cabeceira da cama. Dor
tecida com a ausência que foi se consumando pela madrugada até o passar de
Rosário.
O banho solitário, possuído pela ausência, a escolha do vestido que havia
de ser belo e discreto como o corpo macio e quente que fora seu, só seu,
durante toda a vida.
Um silêncio maculado pelo Corpo de Pedestres desfazendo o ajuntamento na
porta da frente, as frases distantes:
-
Dispersar...
-
É um
veloro.
As mãos seguravam o cabo
do espelho e o pente sobre as coxas, como se estivessem mortos e insepultos, sentia
um calor diferente tocando naqueles objetos.
No mesmo dia, embaixo da
janela do quarto, cavou com suas próprias mãos e enterrou o espelho e o pente
sob olhares espantados de todos da casa. Em silêncio, esperou duas lágrimas
caírem, secando na terra, passou com suavidade as costas da mão direita no
lugar e chorou outras mais.
O vestido preto com
mangas compridas e gola alta cobria seu corpo todo. Na cabeça, a mantilha preta
com as pontas perpassadas e presas por um nó por cima da cabeça, cobrindo as
orelhas lhe dava um ar de tristeza que fazia chorar pelos cantos os serviçais
espantados com aquela tristeza.
Nas mãos luvas pretas quase transparentes, mantinha o anel no dedo da
esquerda envolto em fita fina de seda, os grandes brincos encapados com o mesmo
tecido preto, luto por todos os objetos do quarto conservado fechado, um tom de
ausência, proibindo a luz do dia.
Passava dias e noites sentada na marquesa sem se alimentar, entre
suspiros murmurando:
– Quero morrer também...
Do quarto nunca mais
saíra, recebia as poucas visitas ali mesmo. Não falava com elas, só se deixava
observar, olhando o vazio. O desatino que os da casa e quem a visitava não
compreendiam, ia sendo falado por todos, seu corpo perdendo as carnes, o mal cheiro exalava a
falta de asseio. Era triste.
O tempo passava e passava seu silêncio. Dera
de falar muito lembrando a infância, os pais, a convivência com as notícias de
morte, as perseguições dos conhecidos, o surto de bexiga e um muito de coisas,
algumas até, que ninguém entendia. Mas continuava recusando comida, dizia:
– Onde está, ela não come...
Os móveis cobertos de
poeira e abandono, o lugar da casa onde ninguém mais entrava, um quarto abafado,
sem uma réstia de sol, proibido a todos.
Foi encontrada já em
estado de putrefação, sentada com a cabeça reclinada, na mesma marquesa, com o
traje de seu luto puído pelo tempo, seu único alimento, a ausência, em restos
espalhados nos detalhes da mobília do quarto enlutado.
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