quarta-feira, 13 de maio de 2015

O irmão do Rutinho - MQ


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O sol já ia nas grimpas do dia, esparramando quentura para todo lado, e o menino ainda no faltar das obrigações com o padre que era teimoso, imagina chamar Zé Bilú na igreja, convencer de quê, meu Deus? O povo falava até que ele tinha parte com o diabo. E agora essa do vigário chamar. Boa coisa não era.

E não era mesmo, o padre exigia de Zé Bilú que ele desse a volta e não passasse na porta da igreja, como fazia toda madrugada, quando voltava do jogo, bêbado, e gritando pela rua. Ameaçava excomungar, mandar prender.

Zé Bilú retrucava que ele num tinha nada com os particulá dele, que ele era home do mundo e num tinha respeito de quem usava saia.

A confusão foi formada, no sermão de todo dia o padre excomungava o ateu; na intendência, dava parte; falava com as gentes da política. Falava, com as carolas do lugar, da qualidade desse cidadão, não tinha profissão, ninguém sabia de onde tirava o sustento. O padre parecia não tirar o Zé Bilú do pensamento hora nenhuma. Esse, por sua vez, fazia parecer que nem era com ele. Fingia não ouvir.

Mas de madrugada sempre achava um jeito de levar um animal qualquer para defecar na porta da sacristia. No outro dia, o vigário fazia queixa para o delegado e procurava durante todo o dia Zé Bilú, sem encontrar.

Zé Bilú não corria dele, mas sempre evitava encontrá-lo, fosse para não ter o bate-boca, fosse para não enfezar o homem.

E assim foi sucedendo, excremento na porta da sacristia, falação no sermão. O delegado não tinha como fazer nada, o intendente era parceiro de jogo do excomungado. E todos foram se acostumando com a arrelia dos dois.

A vida de Zé Bilú não era só no à toa, não. Não era só no jogo o arrisco dele, tinha o garimpo no Veríssimo, no à-meia com o Rutinho, espera de sorte no cascalho, nas águas do rio. Teimosia de anos, de muito baralho partido para o lado do não, de muitos calos nas mãos que ele não dava parecença.

A não ser Baldino, que sabia e fornecia abastecimento, quase sempre no prazo de troca das poucas pedras do de sustento. A maior dava para ano, mas ficou na banca de jogo. Zanga de Rutinho. Mas Zé Bilú tinha o crédito do fornecimento e a zanga acabou aí.

Zé Bilú pôs combinação com o irmão, na evitação da mesa de jogo, enquanto não repartisse as pedras poucas que tirava. Depois disso era os dias na rua, no carteado, na arrelia com o padre, enquanto o cobre durasse.

Rutinho que ficava no pesado da lida não punha importância. O irmão, quando pegava na bateia, trabalhava num dia o que valia muitos. Às vezes, Zé Bilú chegava, sentava no barranco sem nem tirar as botinas e ficava olhando o cascalho para lavar, como naquele dia, com o olhar fixo num rumo, pensando sabe lá o quê. Ficou quase a manhã assim.

Não espantou Rutinho. De vez em quando ficava sentado olhando, já estava acostumado. Mas, de repente, ele levantou, passou a mão na bateia e foi no rumo certo do monte de cascalho para lavar e nem chegou a usá-la. Com a mão mesmo ele pegou a pedra, soltando um grito que foi ouvido até lá no Garimpo do Ligoso. A pedra era do tamanho de um ovo, das mais puras. Logo chegou gente de outros garimpos, tamanha a gritaria de Zé Bilú e Rutinho.

 

- Bamburrei minha gente, segurava o diamante com as duas mãos, punha contra o sol, pulava e gritava com o irmão e a companheirada que foi juntando.

 

A notícia chegou no Vai Vem, primeiro que o vento que estava soprando. Mas os irmãos não foram para lá, não. No medo de queimar a pedra esperaram um mês a passada de Baldino no voltar. Com ele foram para Minas vender o bamburro.

Com os cobres na guaiaca, puseram a labuta nas terra da viúva de Totonho Costa, comprando a parte dela, mais a de dois herdeiros, incluindo a sede. Formando com o ajunte dos pedaços, terra bastante para gado, lavoura e muita criação.

Zé Bilú, passados quase seis meses, voltou para a mesa de jogo como se não tivesse acontecido nada. De madrugada, a mesma algazarra de sempre, a mesma arrelia com o padre, o animal defecando na porta da sacristia. E para surpresa sua, não teve sermão.

O padre nunca mais fez queixa de Zé Bilú para o delegado nem para o intendente. Mas quisesse saber dele, era só passar na porta da sacristia, se tivesse o monte ali, Zé Bilú estava no Vai Vem.

No correr do tempo, Rutinho engraçou com Lonora dos Costa. O irmão tratou do pedido e foi com Rutinho combinar data na igreja.

E aí foi senhor José Belarmino para cá, senhor José Belarmino para lá.

Hoje, dia de Nossa Senhora da Conceição, festejo maior da paróquia, Zé Bilú é o festeiro. Na procissão, Zé Bilú carrega o andor com a fita de congregado mariano no pescoço.

Mas, até hoje, se quer saber se ele está no Vai Vem é só passar de manhãzinha na porta da sacristia e ver se o monte esta lá.

 

 
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