Que
dava por fora dos morros era só algodão, labuta de Tertuliano mais Idalina,
vencendo no tempo o aperreio da idade, o desgosto de Mundica e criando Lilica
no sem juízo.
-
Se é Deus que serve, i’eu tô sirvido, dizia Tertuliano.
Às
vezes achava ridiqueza no gostar de Lilica, era a mais velha, vivia nos
bordados com a mãe. Era moça esquisita. Perto das visitas ficava olhando, pondo
reparo demais. Buscava os bordados para mostrar, as pontas encorpadas com as
fitas nas cores. E ficava no tempo passando as mãos. Cantando.
Traiz o cavalo que infeito a sela
Envou na garupa, sou moça donzela
Fita vermeia é cor do pecado
Quero dimais é vivê do seu lado
Parecia
que nada fazia agrado a ela, a não ser os bordados. Bastava um falar que ia na
rua buscar os do carecer, que Lilica pedia para trazer uma fita. Quando ia
junto ficava empatando tempo na venda por conta das fitas.
E
Deus serviu, para alegria de Tertuliano e Idalina. Lilica foi pedida em
casamento por Antonho, empregado na venda do Manco. Nessa hora, ficaram sabendo
o porquê da demora, quando ela ia na venda, já era a lisonja de Antonho.
O
casamento se deu no mês de maio, era do querer dela. Foi um festão.
Agregado
na família de Lilica, Antonho ganhou do sogro o de morar, um cavalo e à-meia na
lavoura de algodão.
Na
primeira noite, meio da madrugada, Lilica acordou.
-
Antonho, acende a lamparina, dexa i’eu ti vê, ocê é bunito dimais, Antonho,
parece uma fita. Ocê é bunito dimais, Antonho.
Primeira
vez que Antonho foi na rua...
-
Antonho, traiz uma fita verde pr’eu fazê um bordado.
O de comer ele não achava pronto, mas os bordados,
cheios de fitas de tudo que é cor, era garantido.
Isso se repetiu por toda a vida. Ficou sendo o Antonho
da Fita. Do seu desagrado, mas foi tolerando os dias, os meses, os anos. Era
fita amarrando o pote, nos pé da cama, em todo lugar da casa, até no chapéu
dele.
E de madrugada:
- Antonho, acende a lamparina, dexa eu marrá uma fita
no seu pé, ocê é bunito dimais, Antonho.
Num falhava um dia.
- Antonho, traiz um agrado de fita prá mim.
Antonho da Fita foi se conformando.
-
Antonho, acende a lamparina, dexa i’eu marrá uma fita marela nocê. Ocê é bunito
dimais, Antonho.
Acordava com fitas amarradas no corpo todo. Cada dia
que passava, Lilica ficava pior.
No
entremeio de maio do ano, lavoura no prumo de colher, Lilica passava os dias
junto com Antonho, colhendo o algodão, ia colhendo, fazendo uns chumaços e
amarrando com as fitas. Não tinha renda um serviço daquele.
Um
dia, Antonho desacorçoou e, na desculpa de ajudar na colheita do sogro,
dormiram lá.
-
Antonho, acende a lamparina, dexa i’eu ti vê, ocê é bunito dimais, Antonho,
parece uma fita. Ocê é bunito dimais, Antonho.
Nesse
dia, deixou o cavalo já arreado, fez madrugada, passou a mão na lata de paçoca
e numa cabaça d’água. E ganhou o mundo.
Marcou
o rumo do Cavalheiro e só desmontou na boca-da-noite. Quando desarreou o
cavalo, achou amarrado nos baixeiros os quatro laços de fita, uma de cada cor.
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