domingo, 10 de novembro de 2013

Tarcisa e Fronho - MQ


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-         Tu cumeu Juin, Tarcisa?

-         In não, turumbamba dê Januba cum’eu, um disforço dê só muxinga dá jetu.

-         Cume, s’equenta quirica pru Cosme, uns agrado.

-         In’heim, sôr nu rena, iêu. Sô Fronho.   

 

Falava e abanava o flabelo, sentindo o calor de dentro pra fora, gostando. Ele, um fogo de nunca apagar, muitos dias na batição, uns montado, outros puxando o animal no enxurro, que no sujo não vaporava, o corpo cansado querendo comer só o quente do ensopado de Juins e da carne macia de Tarcisa, querendo.

 

-         Ocê malda? Quiese, Januba e Cosme heñ, heñ.

-         Num vi i’ele pegadu jacumã, chamá Januba, s’cundido na casca de jutaí.

-         Tu resta p’resse Fronho, Tarcisa?

-         Heñ.

 

Os dois rafiaram a tarde toda, desobrigando os fazeres, tomando a cabaça de pajauaru, no aceiro, atrás do canavial, pondo a ressoca. Tontos da bebida e do enleio, voltaram rindo alto por rente o curral, despreocupados que fossem vistos por Cosme.

Januba olhava no escuro por entre os vãos do treliçado da porta, certa de agora ter um homem só pra si. Cosme, de sua rede, ouviu quando chegaram, nem se mexeu.

  Os comborços conviviam como se aquele dia não tivesse existido. Tirando Fronho, retireiro em lida pelas abertas, destorcendo rumo todo dia, só fazendo fechação vez por mês, esse não esqueceu nenhum minuto daquele dia. Cosme e Tarcisa continuavam viver juntos, ela tolerando a quizila de Januba mas se deitando noite ou outra com os restos dela.

A meninada pulava seio de corda em meio da poeira que a palha da vassoura levantava. Nas palhoças, o preparo do batuque de São Benedito ocupava todas as horas. Nem a notícia da entrega do governo embotou o dia, a fogueira foi acessa, o toque do couro e dos maracaxás tomou conta do terreiro. No final dos cantos chegou Fronho, vinha entesado sem entender o que ouviu contar pelo mateiro, arrancando raiz de mangarataia e, menos ainda, vendo Tarcisa e Januba tomando caiçuma em conversa sem comadrice ao lado de Cosme, enchendo a cabeça do cachimbo.

Mal chegou perto, o silêncio dominou e todos olharam em sua direção, jeito de acato como se ele vestisse farda ou sotaina, nem deu tempo de perguntar se o que ouviu do mateiro era acontecido. O riso se perdeu quando deu conta dos soldados nas suas costas, chegando junto.  

Comprovado, todos negros libertos, Fronho retireiro em sustento de mãe e irmãos pequenos, escapou. Cosme e os outros acima de treze anos foram alistados e levados em meio do choro das mães, mulheres e crianças, na bruteza dos soldados.

Quebrando a quietude da noite, os latidos, o estralar do tição no fogo sem avivar e o coaxar das rãs. Fronho, ao lado das mulheres e das crianças chorando, olhava o vago. Ia falar com o patrão, pensava. Cosme era pescador, seu cunhado tapuio, também. Os outros, todos meninos, ajudavam fazer farinha, ninguém do Lenhado era à-toa, não.

E chorou junto com elas. 
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