Açodando o passo iam pela madrugada, a chuva fina, de
novo, começava a cair encharcando a capa estendida sobre a cabeça dos dois. Ela
toda encolhida, com frio, esforçava andar mais depressa e puxava o corpo de
Gentil para esquentar o seu.
Passando na porta da igreja, Zelé vinha apagando as
luzes dos postes. O claro do dia entrava no Arraial e a chuva engrossando,
sobrepunha o fusco, embaralhando o que se enxergava.
Zelé viu aquele vulto estranho passando do outro lado
da rua, não distinguiu quem, hora de quase missa o certo era eles estarem indo
para igreja, não como saísse dela. Coisa de noite feia, pensou, mas logo
esqueceu, continuando a lida.
Na noite seguinte, clara e estrelada, madrugada fria,
Zelé lembrou do vulto quando vestia a capa. Foi subindo a rua pensando fosse a
parteira Júlia indo aparar alguém ou seu Arcílio da farmácia acudindo algum
doente. Nesse pensamento, foi descendo a rua. No terceiro candeeiro, concluiu
não ser possível pois nenhum deles morava na direção de onde o vulto vinha e
nem para onde ele ia. Um dia, se lembrasse ia perguntar.
Passou mais de mês, até já tinha esquecido daquele
assunto, ao apagar o último poste atrás da igreja, viu saindo do cemitério um
vulto, mais magro, quase certo o mesmo daquela noite. Zelé, homem sozinho no
mundo, já tinha visto tantas coisas no escuro da noite, parecendo ser o que não
era, que já nem ficava assustado. Coragem não faltava, lidava com tudo sem
assombro, no mais real.
Sem reconhecer quem fosse, mesmo tendo visto ele antes
de apagar o último candeeiro, Zelé acabou o serviço naquele dia e, como quem
não quer nada, foi visitar seu Zé Coveiro na intenção de descobrir alguma
coisa. Conversaram a manhã toda mas nada na conversa dele deu pista de quem
pudesse ser. Naqueles mais de seis meses, o único enterro foi o da moça Aurora,
filha do seu João Bastos, que morreu de tuberculose. Enterro dos mais tristes,
o marido, casado de novo, dava dó. Dizia Zé Coveiro.
Ficou Zelé, dali em diante, por quase o mês vigiando o
cemitério, apagava o último candeeiro no fim da rua e se escondia na sombra
esperando ver quem entrasse ou saísse. Nada aconteceu naquele tempo, Zelé foi
esquecendo o assunto. Uma tardinha ele viu sair do cemitério dona Celeste,
mulher de seu João Bastos, e naquela madrugada resolveu esperar mais uma vez.
O céu choveu todo naquela noite, estiando perto do
romper do dia, para sua surpresa não era um vulto e sim dois, para seu espanto
era Gentil e a moça Aurora entrando no cemitério, o susto foi grande mas Zelé
não se revelou escondido.
Hoje, ele vigia a hora de Gentil buscá-la e vai na
frente apagando os candeeiros, das ruas onde os dois passam, para ninguém
descobrir aquele segredo das madrugadas do Arraial de Nossa Senhora da
Conceição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário