quinta-feira, 5 de maio de 2016

Armou o cão


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Estava sozinho em casa, sentado na poltrona de couro, com a espingarda entre as pernas. Fechou os olhos percorrendo as lembranças, identificando cada momento bom, cada decepção. Sentiu saudade.

Como se fosse um ritual, abriu a caixa no colo, escolheu a ferramenta e começou a limpar a arma. Desmontou-a peça por peça, lixou as pequenas ferrugens, limpou com a flanela, passando óleo fino em cada encaixe. Montou e desmontou duas vezes, conferindo a precisão do funcionamento. Levantou-se e foi buscar o carregador de cartuchos manual, escolheu um e calibrou com gestos seguros, a carga reforçada.

Terminou a preparação e guardou o material; tomou um copo d’água, tinha a boca muito seca. Olhou contra a luz o cartucho como se o medisse e lhe conferisse uma missão.

Pensou na mulher quando chegasse, o quanto se aborreceria. Desencaixou os dois canos da espingarda e carregou o esquerdo, depois resolveu e mudou o cartucho para o direito.

Um tiro só, o que bastava; depositou a arma carregada no braço da cadeira, levantou-se e ligou a televisão no último volume; voltou, sentou-se e reviveu alguns momentos, armou o cão e respirou profundamente.

Puxou o gatilho, atirou no tubo da TV.

 

 
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