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Desciam o Menorista
Thiago e os jovens remeiros jacundás, Pedro e Paulo. Logo que fizeram
distância, o tempo foi se fechando com nuvens escuras, ensombrando o final da
manhã; faziam a descida aproveitando a corrente e foram surpreendidos pelo
despejar da chuva grossa temporã, com estalos e raios riscando o céu; as águas
se agitando e o vento forte soprando em lufadas.
Temeram emborco até
encostar na margem, balançando junto com o casco, sem governo, parecendo querer
subir nas árvores ao comando do sopro forte e intermitente, indo de um lado a
outro aos solavancos.
A sanha e força do rio
puxaram a canoa, querendo devolvê-la ao meio da correnteza, os braços contrapunham
resistência, levando-a pelo mato adensado, com a água batendo nas canelas,
perdendo pelo caminho toda a palamenta e um dos remos.
O escurrume do céu dava
um tom fechado no verde da mata, as tracuás soavam fora dos formigueiros, em
todo galho em volta. Do lugar não tinham como sair, o alagado ia enchendo cada
vez mais, o barulho da chuva, do vento, dos galhos caindo; a água subindo, as
vistas alcançando pouca distância; estavam desnorteados e cansados de tentar
segurar a canoa, padre Thiago rezava em voz alta acompanhado por Pedro e Paulo
que mal balbuciavam a oração, ocupados que estavam em achar um jeito de domar
os abalamentos.
A noite veio serenando
aquela fúria, os barulhos foram diminuindo, a água baixando lentamente em meio
ao breúme. Dali não saíram, até amanhecer o dia. Sentados no casco, dormiram
com a canoa encamboada pelos braços no açaízeiro.
Na primeira luz da manhã,
a água e o sujo da mata já tinham sido engolidos pelo rio que lavou a margem,
formando um caudal lamacento e sem remansos. Os jacundás olhavam o religioso
esperando a decisão; ela veio na forma de um - Deus nos proteja! Retornaram
à descida, aproveitando a velocidade das águas com um dos remos improvisado e,
na valentia, enfrentaram a cheia, continuando a viagem.
Pouco tempo durou o
esforço que faziam e a proteção invocada, bastou o tronco, impelindo a proa com
violência, provocando o empino. No embate, perderam o domínio, as águas entraram
pelas bordaduras, ao mesmo tempo que a embarcação virava sem obedecer aos
remos, se pondo de lado, como se ao invés de descer, a jusante estivesse atravessando
o caudal.
O viajante afundava e
repontava em meio a ferocidade do rio, os remeiros agarrados ao tronco tentavam
emparelhar e puxar o padre, este, quase inconsciente, debatia-se contra a
volúpia das águas açodadas. Um corcovo o colocou enfeixado ao braço forte de
Pedro.
Pelo dia quase todo,
travaram a luta de permanecer rolando sem controle ou direção, até o amainar do
rio com a preamar. Perceberam estar perto de alguma vila ou arruado, nadaram
até a praia onde se jogaram na areia, exaustos, sem forças para procurar uma
sombra; dormiram ali mesmo até o começo da noite.
Já era madrugada, quando
foram surpreendidos pelos negros, índios e mestiços, armados e silenciosos que
os puseram juntos, em marcha, para a invasão da Vila de Cametá.
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