Eram quase trinta, entre
alugados e forros, amontoados na porta. Serviço, o de sempre; coveiro, carregador
de excrementos, de estivas e do mercado, vez em quando carrasco ou
surrador.
O oficial apontador
escolhia entre eles quem melhor o
favorecesse. Destacava o trabalho com o mesmo critério. Reclamar a quem?
Ficar perseguido? Tudo era aceito.
Lunaiá, João Tungo e os filhos, negros de ganho da
viúva do oficial Antônio Dalgosto, agradavam ao apontador para limpar os
excrementos e carcaças de animais, modo andar pelas ruas e lugares, encontrar
os iguais sem despertar atenção dos soldados. Podiam parar em qualquer
ajuntamento e tentar convencê-los a largar seus donos, sabiam todos os
movimentos no interior, ensinavam caminhos mas, o mais importante era
transportar no bangüê as armas e munições roubadas, de um lugar pra outro,
principalmente a pólvora que era ensacada em pequenos bornais e facilmente
escondida em meio aos excrementos . Recebido o sinal de que tinham alguma coisa
pra levar, baixavam a padiola pra descanso em lugar conveniente. Para entregar,
puxavam o canto de trabalho perto do destinatário:
paresque i’ele
pissuía curuba
iu’oto caxingava
tucavum caracaxá
tambur punga
i ganzá...
c’us ói de jetatura
nhanga vi’u buzugo
lundu d’ele suzinho
gingando inroda
na patra dutro mundo
Serviam de ouvidores das
conversas de soldados e mestiços se gabando de crimes e delitos - iam lá saber
o que eram farrambandas ou não?
Relatavam tudo que ouviam, os nomes dos contrários, os comentários dos políticos,
o que mais pudesse ajudar os cabanos nas matas de Nazaré.
O casal passava
despercebido pelas ruas, cumprindo serviço público e lutando pela liberdade.
Eram a maior ligação entre os que simpatizavam com a causa, mas queriam ficar
no anonimato, e os grupos que se organizavam. A pólvora mudava de mão em
quantidades cada dia maiores. Mas o dia chegou, foram surpreendidos pelo
oficial inglês que queria saber que canto era aquele.
paresque i’ele
pissuía curuba
iu’oto caxingava
tucavum caracaxá
tambur punga
i ganzá...
c’us ói de jetatura
nhanga vi’u buzugo
lundu d’ele suzinho
gingando inroda
na patra dutro mundo
Em conhecer o
significado, descobriu os pequenos sacos de pólvora no bangüê, entre o mal
cheiro e as fezes dos animais.
Os escravos, na frente da
dona, explicavam ter encontrado aquilo na rua e que, como fedia, fizeram seu
serviço. A viúva ameaçava o oficial, acreditando nos negros; ele querendo fazer
cumprir castigo, levou-os presos.
O castigo foi dado
exemplarmente em público. O
casal foi açoitado pelo algoz encapuzado, em meio das risadas de quem assistia.
Quem observasse pelo furo
do capuz, os olhos do algoz, veria as lágrimas correndo. Lunaiá e João Tungo
estavam sendo chicoteados pelo próprio filho que ganhava como surrador naquele
dia.
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