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Acompanhava presa na pele a titinga. Comendo sem dor, a lepra; sua desdita.
Por mais de dois anos, vivia num depósito de enfermos que a Santa Casa recusava tratar, o medo de contágio os excluía. Isolados, nas palhoças escondidas, entre moléstias diversas, vestindo muafos, viviam como bichos, mesmo os que tinham pouca manifestação das doenças eram abandonados pelas famílias. As mulheres davam os filhos aos abastados para se recolherem naquele lugar à espera da morte. E ela vinha, quase todos os dias, sem cerimônias, sem tristezas, era um alívio.
Eneu, com os olhos cada dia mais esbugalhados; perdida a condição de esmoleiro por cauda das chagas, vivia naquele mato quase sem as mãos.
Se diferençavam dos animais somente por não se proverem de comida, recebiam restos da Fortaleza da Barra, na bondade não sabiam de quem. Apenas encontravam os alimentos num ponto do mato.
Das terras da fazenda Val-de-Cans, apenas sinais do antes uma cerca, separavam-na das misérias pútridas se misturando. Cuidados apenas no pouco conhecimento que cada um tinha de alguma erva, ilusão enfraquecida todo dia.
No tempo que ali estava, Eneu nunca tinha visto um médico, aquele era o primeiro. Chegou acompanhado de duas carmelitas, visitando palhoça por palhoça. Daquele dia não ficou sem vê-lo nenhum outro, sequer.
Remédios, roupas, comida e a organização começou a mudar o lugar. Quem chegasse era examinado cuidadosamente e muito poucos ficavam, a maioria voltava medicada ou era encaminhada à Santa Casa.
O médico era um abnegado, em pouco tempo transformou as cabanas isoladas onde viviam sós, sofrendo suas mazelas, em pequenas enfermarias onde cada um convivia com quem tinha sua mesma moléstia. A convivência lhes dava conforto, abrandando o que sofriam. A fome não existia mais, se eram restos que ainda comiam, eram agora colocados no jirau, não mais como se fosse comida de porcos esparramada pelo chão.
Eneu, de onde estava, viu a chegada dos soldados fortemente armados, astuto, escondido no mato, ouviu toda a conversa. Tinham ordens de esparramar todos que ali estavam para que fossem finar os dias espalhando suas moléstias contagiosas pelos cabanos no interior.
A reação do jovem médico foi violenta, disse não permitir, teriam que passar pelo seu cadáver, seus muitos anos de estudo para aprender salvar vidas se impunham contra quem quer que tivesse dado aquela ordem, que o fizessem saber. Nenhum tiro foi disparado, o silêncio foi quebrado apenas pelos passos do médico lhes dando as costas.
Em seu dia, Eneu pediu para ser levado pra fora. Seus olhos pareciam saltar, do esbugalhado que aumentava, para dentro das árvores copadas, sem as mãos que pudessem apontar, parecia querer fazê-lo com os olhos. Sem nenhum movimento que não fosse esse, exclamou:
– Minha mortalha... doutor... vencemos eles.
E se foi.
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