No particular era esquisito, não deixava ninguém entrar no quarto, ele mesmo arrumava de manhã, a porta trazia sempre trancada e até o buraco da fechadura ele tampava, modo evitar o curioso.
Mas no trato com todos era cortês, passava despercebido o
tempo todo no seu bom dia, boa tarde, boa noite, educado. Nunca vira ele comer,
sempre não estava nessas horas. Era esquisito, não demorava mais de uma semana
entre o chegar e o ir, não usava a casinha, banho nunca tomou. Quando chegava
com os olhos fundos, aquela finura de bigode e as mãos enormes penduradas na
sua magreza, formava um alvoroço na cozinha, longe das vistas de dona Laura que
não admitia nenhuma forma de intimidade com os hóspedes desde que a filha fugiu
com o turco Nassim da Chita. Era a tristeza dela desde um ano.
Quando seu Demotério chegava, nas duas ou três vezes que
aparecia no ano, o mistério se instalava na pensão, em cochichos os comentários
se espalhavam. Às vezes, até dona Laura, distraída, deixava escapar algum
comentário.
– Home esquisito.
A primeira vez que chegou à pensão, declarou como ofício ser escrivão, mas a bisbilhotice de Bibiano confirmou que não era na intendência que ele ia todo dia e sim na igreja e que lá se trancava com o padre na sacristia e ficava o tempo todo. Somente padre Anselmo saía vez ou outra, sempre com o semblante carregado.
– Home esquisito.
A primeira vez que chegou à pensão, declarou como ofício ser escrivão, mas a bisbilhotice de Bibiano confirmou que não era na intendência que ele ia todo dia e sim na igreja e que lá se trancava com o padre na sacristia e ficava o tempo todo. Somente padre Anselmo saía vez ou outra, sempre com o semblante carregado.
No lugar todo, ninguém prestava atenção no seu Demotério
tirando eu, Bibiano, dona Darvina e dona Laura. Sendo que elas se limitavam a
reparar o esquisito dele só na pensão. Aquilo mexia tanto com nossa curiosidade
que, de idéia misturada, eu mais Bibiano resolvemos espiar o que acontecia na
sacristia. Tentamos o buraco da fechadura, as frestas da janela, tudo tapado.
Bibiano era moleque espevitado, meio da minha idade mas com intenção de
esperto, pensava miúdo e quis furar um buraco na parede de adobe. Quando ele
estava com a pua na mão, seu Olegário, que ia passando, viu e deu a maior
bronca nele.
De tarde, na pensão, fizemos o plano definitivo, o modo de
espiar a sacristia era pelo telhado, a melhor hora, a de menos trabalho na
pensão. Era fácil sair da presença de dona Laura, também havia a vantagem no
sol quente da tarde formando ausências em volta da igreja.
Apenas com sinal de olhar combinamos, é hoje. Subimos pelo
muro, usando uma tábua para passar ao telhado, retiramos duas telhas e entramos
direto em cima da sacristia, pelo forro. Com medo do barulho delatar e a
curiosidade cautelosa, descobrimos as frestas no forro, vimos os dois frente a
frente, seu Demotério e o padre, sentados à mesa com um livro grande aberto
entre os dois. No silêncio, o padre puxou o livro e começou a escrever. Seu
Demotério com aquela voz grossa e na economia de palavras que já conhecíamos,
interrompendo o padre, falou .
- Essa eu que levo. É alma ruim.
- Discordo, ele rezou, temeu a Deus e passou seis meses sem agravo a ninguém. Está redimindo. Se necessário, levo ao superior.
O susto no ouvido só não foi maior porque fui mudar a mão de apoio para a mesma tábua que Bibiano apoiava e ela não agüentou o peso de nós dois, despencamos. Bibiano no colo do seu Demotério e eu no do padre.
- Discordo, ele rezou, temeu a Deus e passou seis meses sem agravo a ninguém. Está redimindo. Se necessário, levo ao superior.
O susto no ouvido só não foi maior porque fui mudar a mão de apoio para a mesma tábua que Bibiano apoiava e ela não agüentou o peso de nós dois, despencamos. Bibiano no colo do seu Demotério e eu no do padre.
Bibiano não se lembrava de nada depois, eu, menos ainda. Seu
Demotério cedo teve estrada. O padre não demonstrava nada quando nos via. Na
pensão ninguém sentiu nossa falta, ninguém ralhou, parecia que tínhamos sonhado
o mesmo sonho.
Seu Demotério nunca mais apareceu na pensão, o padre ficou
doente e veio outro no lugar. Bibiano foi distanciando, arrumou um chapéu que
nunca tirava da cabeça, foi esquisitando.
Um dia, passado tempo, no mudar um catre de
lugar a pedido de dona Laura esbarrei sem querer em Bibiano. O chapéu dele caiu
e pude ver o chavelho nascendo. Ele sorriu e veio como se fosse me abraçar, com
a mão direita puxou uma pena branca que nascia nas minhas asas em formação e
sorriu. E sorrimos.......
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