No corredor
comprido
ladeando a casa ,
nasciam samambaias
entre os tijolos do muro . O musgo formava pequenos tapetes na umidade do chão também de tijolos
– barro antigo ,
pobreza antiga e confortável , sobrevindo todos os dias .
– pintura antiga ,
rangido antigo ...
saudades...
- “o que
foi isso menino ” - na memória da audição ... tempos, tempos aqueles ...
O pensamento
vaga por antiguidades. Um cheiro de fartura , um gosto de quitutes temperado s
de simplicidade .
A falsidade
na igreja aos
domingos
espantando meu
olhar menino .
O pecado
espalhado em volta da vida
- sabia quão
falso , hoje sei que sabia... Era tão frágil tudo o que via. Tantas obrigações ... Dois
anjos
segurando a toalha
de linho para minha inocência
ser ferida
na primeira comunhão .
A fé , o pão doce em
formado de jacaré - surpresa lúdica para os olhos .
O calor
do corpo da colega produzindo todas as
sensações
– matemática bem
aprendida - equação
da temperatura
com o cheiro , elevando a potencia
do olhar quase
somando ao gosto
da boca ávida e das mãos desnorteadas.
- momento
sublime e breve capaz de minúcias , capaz de tanta vida .
Os iguais
e os desiguais
percebidos na dependência
visceral que
tem uns dos outros .
O terno
conseguido emprestado para
que o colega não faltasse à formatura .
- festa vestida de gratidão .
A mesa
de jogo e um lugar cativo
para olhar
a crença dos homens nas possibilidades,
na ousadia , no jeito de achar o tempo
de recuar , de avançar . Pessoas
temperadas nas faces
dando um ar de procura no sentido imprevisto de cada jogada .
Tantos jogadores , uns se
equilibrando na sensatez
da própria necessidade , outros esbanjando insensatez em cada rodada, mas todos
ali
procurando, se perdendo, se encontrando na sorte ou
no azar .
A tosse
ressoava na noite
da casa sem forro e dava a certeza de madrugada acabando. Uma sensação de imensidão se punha entre
os ruídos familiares e a intuição infantil de que
o limite do mundo , do vasto , estava dentro de cada um .
Sou o menino
daquele dia até hoje só
que fazendo o
caminho
inverso. Não
tenho sonhos me frequentando mais.
Alguns vivi, outros
se perderam no meu
querer , nem
foram perseguidos ou
talvez não tenha sabido descobri-los e
conquistá-los no seu tempo .
A goiabeira ,
o pessegueiro ,
a jabuticabeira e a horta de onde tirei o punhado de terra
como na
historia de um
maior que resvalou de um livro ou
de uma conversa , não sei - queria ter sua terra
sempre perto de si - fiz o mesmo , como se adivinhasse nunca voltar .
A vitrola
de corda , a caixa de agulhas cobiçada por todos
da casa , música perdida no tempo
da memória, música encontrada no tempo da memória.
A charrete
pronta para empinar
com o peso da família - dia de circo , dia do improvável , do inusitado semear
possibilidades. Um
tombo do trapézio - o médico socorrendo a moça e o palhaço socorrendo o espetáculo - e tudo ficou bem , o parente
e a trapezista
ainda mora m nas imediações
da minha lembrança e de alguma dor.
Não dá para recordar tantas coisas
que a
alimentam e que
a negam.
Pensar, lembrar
guardados, tentar alinhá-los como roteiro ,
descobrir quem
de fato fui ou sou, ou se tudo não
passa dessa tentativa diária e impertinente de apurar
o que passou para esperar
o que virá dentro da morte .
O cheiro
do cobertor marrom . A finca na terra úmida . O velho rádio
de válvulas . As poucas roupas e o único sapato ,
bastantes , mas transformados em insuficientes pelas vaidades que ferem apesar de sempre negadas.
A sensação
de energia sem amanhã , de nenhuma responsabilidade , com responsabilidade .
Loucuras cheias de medo e coragem .
A madrugada
nas madrugadas
parecendo pungir qualquer tamanho de liberdade . Um assassinato. E o baile não
parou. Uma morte na rua . E a rua parou. Nenhuma lógica em mim
triscou.
O dia
amanhece... É mais
um dia sem sonhos ,
mais um dia apenas,
para a intuição triturar em volta . Apenas para
continuar morrendo enquanto se vive ou
vivendo enquanto se morre.
MQ
...
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