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Zarias era tocador de viola, dos mais afamados chapada afora. Não tinha um arrasta-pé que não era, ele e seus companheiros, chamado para tocar. A catira era o que mais dava prazer a Zarias.
Junto com Nacleto, Clóvis e Zé Dado, formavam o quarteto de sanfona, viola, caixa e violão mais apreciado, fosse no toque das valsas, mazurcas ou nos rastapés, fosse nos cateretês, maxixes, xaxados ou xotes.
Tocavam em todo o tipo de festa e diz que, uma vez até num enterro, por encomenda do viúvo. E na hora não sabiam o que tocar, foram perguntar ao vigário e quase foram excomungados.
Nesse dia foi só valsas.
Os quatro cruzavam aquele sertão mês a mês, ano todo. Três bons cavalos, com arreata no apuro; um carro de uma junta só, que levava os instrumentos e a tralha de cada um; o rancho e a canastrinha do dinheiro. Essa, vigiada dia e noite. Mesmo quando estavam tocando, ela sempre ficava aos pés de Nacleto, seu vigia oficial.
Zé Dado era jogador inveterado. Uma vez, foi surpreendido junto com um vaqueiro; na frente de cada um, um montinho de açúcar, e eles esperando para ver em qual deles o mosquito ia pousar primeiro.
Clóvis não podia ver rabo-de-saia. Como metade do ano as funções eram nos cabarés, ele se esbaldava; espalhava promessas de agrado, que nunca cumpria, para toda mulher que enrabichasse com ele.
Zarias, o mais afamado, em qualquer lugar que chegasse para um divertimento, ficava horas no centro da roda sempre tocando sua violinha.
E era bonito vê-lo tocar. Diziam até que ele dormia junto com ela.
Mas dizem que o certo é cheio dos poréns.
E o certo é que fazia sete anos que eles não punham os pés em Urutaí. Todos os figurões do lugar, gente mais simples, o padre e até dona Dirce, esta dona de casa de mulher, já haviam chamado os músicos. Zarias sempre arrumava uma desculpa e nunca aparecia. Todas as localidades e fazendas da chapada, de menos Urutaí, tinham seu comparecimento.
Perguntado, Zarias enfezava e perdia todo o cavalheirismo que lhe era peculiar. Não respondia. Perguntados, Nacleto, Clóvis e Zé Dado, tinham as mais diversas reações. Nacleto ficava sério e desconversava. Os outros dois davam uma risadinha e corriam do assunto.
Nesse tempo, eu era menino e me lembro dessa observação, feita na venda do Manco, pelo meu avô.
Hoje, passados mais de vinte anos, numa conversa com meu pai sobre aqueles tempos e aquelas pessoas, e principalmente sobre o músico, ele me contou que, até morrer, Zarias, sempre inseparável de sua viola, nunca voltou a Urutaí. Morreu de repente, longe da família, quando tocava, sentado no tamborete na varanda da pensão de sua comadre Quirina.
Aquilo, passado tanto tempo, não me saía da cabeça. Intrigava também muito meu pai e, naquela conversa, ali na varanda da Forquilha, esperando dona Flora que ia pegar a jardineira para Urutaí, tentávamos desvendar o mistério quando, na surpresa, dona Flora, ouvindo um fiapo da nossa conversa, contou depois, para minha mãe, o motivo de Zarias nunca ter voltado a Urutaí.
Na manhã do outro dia, meu pai acordou rindo todo.
- Descobri o mistério. Você tinha uns três anos, foi no casamento de sua madrinha Lilica. Uma festança, tinha gente até de Minas, coisa de muita cerimônia.
Zarias, ainda pouco afamado, chegou com sua turma, assistiu à cerimônia do casamento e, na hora da festa, muita gente, muito barulho. Ele precisava afinar a viola e, antes de começar, queria urinar.
Foi para o terreiro junto da cerca de taquara, desabotoou a braguilha e, enquanto urinava, afinava a viola, colocando o bojo dela de encontro ao ouvido, por causa do barulho da festa. Afinava uma corda e fazia acordes para conferir a afinação, afinava outra e fazia o mesmo. Como ele era muito virtuoso, entusiasmou-se com aqueles acordes e se esqueceu até da festa. Foi preciso chamarem.
Na arrumação de começarem a tocar, nem seus companheiros viram. O baile começou e Zarias no canto, tocando sua violinha. E eram polcas, valsas, mazurcas, às vezes um rasteado ou uma quadrilha, muito xote e todos dançando. Foi quando Nacleto começou a reparar que as mulheres puxavam seus pares, no embalo da dança, para mais perto de onde eles estavam. E sempre soltavam risinhos, trocando sinais entre si.
Nacleto pôs cada vez mais sentido e viu que tinha alguma coisa errada. Seguindo os olhares, descobriu que a braguilha de Zarias estava aberta e as partes para fora. Começou a olhar para ele desesperadamente antes que, em vez de só as mulheres, os homens também notassem. E aí, seria caso até de morte.
Zarias não entendia o que o companheiro queria dizer com tanto sinal; todos estavam tocando direito, nenhuma nota escorregada, a festa muito animada. Nacleto olhava para os olhos dele e tentava puxar, arrastando com o olhar sua atenção para a braguilha. Até que conseguiu, mas a viola atrapalhava ele enxergar as partes de fora.
Nessa hora, já ficava em frente de Zarias, escondendo ele, para evitar o assanhamento do salão. E Zarias pensava, por que será que Nacleto queria aparecer tanto, ele que era o mais quieto de todos?
Era de uma pausa a combinação, mas Nacleto acabava uma música, puxava os baixos da sanfona e começava um recortado, Zarias não entendia, aquilo não tinha sido combinado.
O desassossego tomou conta também de Clóvis e Zé Dado, que não sabiam o que estava acontecendo, quando repararam na braguilha do companheiro. Aí foi sinal de tudo que é jeito. Zarias levantou a viola, encostando o bojo na orelha, e viu suas partes de fora. Assustado e vermelho de vergonha, virou de costas e, no terminar da música que tocavam, entrou num rasteado que fazia com uma mão só e, com a outra, guardou as partes e abotoou a braguilha.
Acabaram a função. Zarias saiu na frente, montou seu cavalo e esperou os companheiros no Inajá. Obtendo deles a promessa de nunca relatarem o acontecido, não voltarem lá e nunca mais falarem no assunto com ele.
Desse dia em diante, nunca mais voltou a Urutaí e, fora seus três companheiros e algumas mulheres que viram, mais ninguém soube do acontecido.
- Pai, como é que dona Flora soube? E com tantos detalhes, perguntei.
- Ela foi casada com ele.
Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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terça-feira, 1 de novembro de 2011
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