quarta-feira, 19 de outubro de 2011

SERTÃO DO SÃO MARCOS - Antonho da Fita

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Que dava por fora dos morros era só algodão, labuta de Tertuliano mais Idalina, vencendo no tempo o aperreio da idade, o desgosto de Mundica e criando Lilica no sem juízo.

- Se é Deus que serve, i’eu tô sirvido, dizia Tertuliano.

Às vezes achava ridiqueza no gostar de Lilica, era a mais velha, vivia nos bordados com a mãe. Era moça esquisita. Perto das visitas ficava olhando, pondo reparo demais. Buscava os bordados para mostrar, as pontas encorpadas com as fitas nas cores. E ficava no tempo passando as mãos. Cantando.

Traiz o cavalo que infeito a sela
Envou na garupa, sou moça donzela
Fita vermeia é cor do pecado
Quero dimais é vivê do seu lado

Parecia que nada fazia agrado a ela, a não ser os bordados. Bastava um falar que ia na rua buscar os do carecer, que Lilica pedia para trazer uma fita. Quando ia junto ficava empatando tempo na venda por conta das fitas.


E Deus serviu, para alegria de Tertuliano e Idalina. Lilica foi pedida em casamento por Antonho, empregado na venda do Manco. Nessa hora, ficaram sabendo o porquê da demora, quando ela ia na venda, já era a lisonja de Antonho.


O casamento se deu no mês de maio, era do querer dela. Foi um festão.


Agregado na família de Lilica, Antonho ganhou do sogro o de morar, um cavalo e à-meia na lavoura de algodão.


Na primeira noite, meio da madrugada, Lilica acordou.

- Antonho, acende a lamparina, dexa i’eu ti vê, ocê é bunito dimais, Antonho, parece uma fita. Ocê é bunito dimais, Antonho.

Primeira vez que Antonho foi na rua...

- Antonho, traiz uma fita verde pr’eu fazê um bordado.

O de comer ele não achava pronto, mas os bordados, cheios de fitas de tudo que é cor, era garantido.


Isso se repetiu por toda a vida. Ficou sendo o Antonho da Fita. Do seu desagrado, mas foi tolerando os dias, os meses, os anos. Era fita amarrando o pote, nos pé da cama, em todo lugar da casa, até no chapéu dele.


E de madrugada:

- Antonho, acende a lamparina, dexa eu marrá uma fita no seu pé, ocê é bunito dimais, Antonho.

Num falhava um dia.

- Antonho, traiz um agrado de fita prá mim.

Antonho da Fita foi se conformando.

- Antonho, acende a lamparina, dexa i’eu marrá uma fita marela nocê. Ocê é bunito dimais, Antonho.

Acordava com fitas amarradas no corpo todo. Cada dia que passava, Lilica ficava pior.


No entremeio de maio do ano, lavoura no prumo de colher, Lilica passava os dias junto com Antonho, colhendo o algodão, ia colhendo, fazendo uns chumaços e amarrando com as fitas. Não tinha renda um serviço daquele.


Um dia, Antonho desacorçoou e, na desculpa de ajudar na colheita do sogro, dormiram lá.

- Antonho, acende a lamparina, dexa i’eu ti vê, ocê é bunito dimais, Antonho, parece uma fita. Ocê é bunito dimais, Antonho.

Nesse dia, deixou o cavalo já arreado, fez madrugada, passou a mão na lata de paçoca e numa cabaça d’água. E ganhou o mundo.


Marcou o rumo do Cavalheiro e só desmontou na boca-da-noite. Quando desarreou o cavalo, achou amarrado nos baixeiros os quatro laços de fita, uma de cada cor.




Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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