segunda-feira, 31 de outubro de 2011

SERTÃO DO SÃO MARCOS - Cavalo de guia

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Acha que tem dó no mundo, pois não tem; ninguém tem dó nem do cavalo nem do cavaleiro.


Pensa que eu não penso que é só labuta? Que sou ensinado porque venho do pasto sozinho, engano. Tenho é dó e nesse costume, qualquer dia vão me soltar no pastinho de arreio e tudo. Acho que eles deixam ele dormir de roupa. Consideração pouca tem esse povo dele mas... o de comer quem traz?


Deixaram de novo ele deitado no banco. Vem pôr esse arreio logo, menino. Enquanto não enfio a cara na janela da cozinha, dona Socorro não esperta. Qualquer dia vou dar é um coice na porta.


Chegou o arreio, depressa menino, cedo é a hora melhor. Rimmm... Minha boca, seu moleque desgraçado.


Isso é todo dia a mesma coisa, subir ele na sela, e a má vontade do menino em nos levar até o começo da rua. Era trabalho nenhum. Depois, era eu que fazia todo o caminho, debaixo do sol quente, parava em todas as casas, por conta da caridade.


Quando o menino ia junto, era mais fácil. As pessoas se assustavam, menos com o Divino, coitado, magro demais, todo torto e paralisado de um lado, a mão esquerda prejudicada, parecia mão de menino pequeno. A perna esquerda, de tanto sentar para um lado só da sela, murchou. Mas o que mais assustava as pessoas era o balançar dos olhos de um lado para o outro, muito rápido, juntado com o tremor generalizado do corpo, a baba e o puxar do ombro esquerdo para cima.


Aquela comichão no corpo dele começava de baixo para cima e sacudia até o meu pêlo. Era como se o tremor fizesse parte do respirar dele.


Tinha dia que a doença atacava mais, ele se desgovernava e caía da sela. O povo passava mas não socorria, tirando Da Luz, essa sim, se via, corria e punha ele de novo na sela. Sempre comentando, como se Divino entendesse:

- Por que seu povo não te trata direito? Seu menino devia estar junto. Onde já se viu. Nem banho tão te dando.

Essa era criatura boa. Do povo da Vila, a única que não fingia não ver. Qual fosse o dia, o ajutório dela vinha para dentro do saco.


Sina dele, assustar; a minha, tolerar o sol quente o dia inteiro. Do peso dele reclamava não, era coisa pouca. Mas ficar na porta das casas esperando as pessoas reparar para pôr um ajutório dentro dos sacos amarrados na sela, isso era penoso. Mas enfiar a cabeça na janela como fazia com dona Socorro, assustava. Já tentei antes e uma vez levei um balde d’água na cara.


Não que tivesse escolha, mas esse serviço não prestava. Às vezes, parado na porta duma casa, via passar os outros cavalos e os invejava. Aquilo é que era vida, não essa de carregar Divino pedindo esmola pela Rua de Cima inteira e, depois pela Rua de Baixo, todos os anos, nessa mesma lida.


Apeava ele direto no banco e tirada a sela, me soltava no pasto com aquele tapinha na bunda que me enfurecia tanto. Diversas vezes tentei acertar o coice, mais aquele menino só tinha o de danado.


Da beira da cerca via o jeito que tratavam ele na hora de esvaziar os sacos e trocar aqueles pelos limpos. Único asseio daquela gente. A mulher dizia que os sacos tinham que estar limpos para ninguém ter receio de pegar neles para pôr as esmolas. Mas Divino, para esse tinha que faltar asseio e despertar dó. Ainda reclamavam: “só deu isso?”


Já tinha visto muito o jeito de eles dar banho. Banho de acento aquilo lá, não era não. Jogavam dentro da bacia e deixavam horas misturando lá o tremor do frio com o tremor do sestro dele.


Pensa que eu não penso, era só o que eu fazia. Ver todo dia aquela judiação e a cada dia Divino mais velho e pior da doença, e eles falavam que era sestro. E, cada dia, o trato piorava. O menino crescia e ia ficando pior.


Um dia, notei que ele estava balançado mais que o normal, seus olhos indo na intenção de enxergar o lado esquerdo e o direito do horizonte, ziguezagueando por essa linha, parecia querer ver os dois lados ao mesmo tempo. Alarmei e fui direto para porta da casa de Da Luz, onde comecei a relinchar o mais alto que podia. O socorro veio, mas quando ela chegou no portão e pôs a mão na tramela, o corpo despencou do arreio e Divino já caiu no chão, morto.


Passei mais de mês me escondendo do menino no pastinho, e procurando jeito de tirar aquela sensação de tremor do meu pêlo, mas mal o sol nascia a comichão começava e ia até a noitinha. Não escapei de nenhum, o menino me achou e o tremor ficou agarrado em mim, marcando a sina.


Dona Socorro arremedava. No começo mal, mas com o tempo e ajudada pelo meu próprio tremido, foi se acostumando e fingia nos mínimos detalhes a doença do marido. O povo generoso dizia que a coitada tinha pegado a doença dele.


O costume de vir do pasto sozinho, mantive. Mas o resto mudou, dona Socorro começou a afinar, atrofiar e a babar como Divino. O menino continuou a me puxar pelo cabresto até o começo da Rua de Cima. Mas, da feita que entrávamos na rua, quem ditava as regras era eu.


No começo ela sofreu tanto que chegou a trocar de cavalo por uns dias. Mas não deu certo, o colega não era acostumado, não tremia como eu. O que não ajudava nada o fingimento dela.


Dona Socorro pena até hoje, quando fico tempo demais nas portas da caridade, debaixo de sol quente. Não pode pôr comando na frente dos outros, nem quando chegamos em casa. Se me judia, como no começo, me escondo no pasto e o de comer tem que esperar o menino me achar.


Não ponho governo nela, nem deixo ela pôr em mim. No menino já acertei muitos coices por conta daqueles tapas na bunda.


Na porta da casa de Da Luz, com ela nunca parei. O saco pendurado no arreio volta sempre mais minguado que nos tempos de Divino.


Foi assim que tirei proveito da minha sina. Porque cavalo também pensa. Ora se pensa.






Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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domingo, 30 de outubro de 2011

Reino

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Torna-se queixume
A pele queimando
O calor da boca
Os olhos espantados
Em merecimento

A primavera gera
Mágica conspirada
Entre olhares e lençóis
E forma o ser
Enlaçando como heras
À vigência dos sarçais

Seduz o nascido
Cada parte de nós dois
Um reino indo
Onde o rei nunca foi

MQ
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sábado, 29 de outubro de 2011

FERNANDO CASELATO - SALTO

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BIRATAN

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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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CELSO VIÁFORA - SÃO PAULO

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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 29.10.11



O destaque do 1º bloco vai ser a Coleção Choro Carioca - Música do Brasil. O autor enfocado é Arthur Camillo, nascido no Rio de Janeiro em 1860 e que se notabilizou como um dos principais pianistas em atividade no início do século XX. 

O 2º bloco traz o virtuosismo do multiinstrumentista cearense Zé Menezes homenageando no CD Relendo Garoto, o multiinstrumentista e compositor paulista Aníbal Augusto Sardinha, com o qual formou dupla imbatível no final dos anos 1940.

No 3º bloco, um momento de transcendência: a performance do violonista gaúcho Yamandu Costa e o som do CD Yamandu Costa – Tokyo Session, gravado ao vivo no Japão e distribuído exclusivamente para aquele mercado.

No 4º bloco o destaque é o CD Olívia Hime Canta Chiquinha Gonzaga. No repertório uma seleção de polcas e valsas da safra de Chiquinha, com letras de autores renomados, dentre os quais Joyce, Abel Silva, Paulo César Pinheiro e Hermínio Bello de Carvalho.

No 5º bloco, a música brasileira escrita para o violão brasileiro com o ritmo do Brasil. É o som do duo de violões Corda Solta, formado por Jaime Ernest Dias e Matheus Caetano, de Brasília.



Produção e Apresentação: Ruy Godinho

  
Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.
Acauã FM 87,9 Mhz ● Domingo 6h [Aparecida-PB]
Aperipê AM 630 Khz ● Terça 10h [Aracaju-SE] (www.aperipe.com.br)
Asdeca FM 98,5 Mhz ● Domingo 6h [Chã de Alegria - PE]
Amanhecer FM 104,9 Mhz ● Quarta 13h [Canindé de São Francisco - SE]
Beta FM 99,3 Mhz ● Sexta 18h [Campo Limpo - SP] (www.betafm.com.br)
Betel FM 87,9 Mhz ● Sábado 7h [São Francisco do Sul-SC] (betelfmsfc.blogspot.com)
Cacique FM 104,9 Mhz ● Domingo 6h [Palmeira dos Índios-AL] (www.radiocaciquefm.com.br)
Cidadania FM 104,9 Mhz ● Quarta 22h/Quinta 1h [Avaré-SP]  (www.radiocidadania.com.br) 
Cidade FM 104,9 Mhz ● Domingo 12h [Diamantina - MG] (www.radiocidadediamantina.com.br)
Club FM 104,9 Mhz ● Sexta 12h [Manacapuru – AM]
Comunitária Voz Popular ● Terça 9h / Quarta 14h [João Pessoa – PB] (cpcc.webnode.com.br)
CPA FM 105,9 Mhz ● Terça 20h10/Sábado 15:10 [Cuiabá-MT] (radiocpafm.amaisouvida.com.br)
Digital FM 98,3 Mhz ● Sábado 12h [Maceió-AL]
Eco's Vida FM 87,9 Mhz ● Sábado/Domingo 18h [Fernando Falcão-MA] (www.radioecosvida.com.br)
Educadora de São José da Urtiga AM 1400 Khz ● Domingo 22h30 [São José da Urtiga – RS] (www.radioeducadoraurtiga.com.br)
Educadora Fafit FM 88,7 Mhz ● Domingo 8h [Itararé-SP] (www.educadorafafit.fm.br)
Ervália FM 105,9 Mhz ● Sexta 18h [Ervália-MG]
Estrela FM 104 Mhz ● Sábado 12h [Retirolândia-BA]
FM Portalegre 104,9 Mhz ● Domingo 13h [Portalegre-RN] (www.fmportalegre.com) 
Ibiapina FM 87,9 Mhz ● Quinta 15h [Florânia-RN]
Luzlândia FM 87,9 Mhz ● Quarta 15h [Conceição de Ipanema - MG] (radioluzlandia.blogspot.com)
Mandacaru FM 104,9 Mhz ● Domingo 12h [Cedro - CE] (www.mandacarufm.com)
Nossa Terra FM 94,5 Mhz ● Quinta 15h [Dom Silvério - MG]
Nova Aliança FM 105,9 Mhz ● Sábado 8h [Piraúba - MG 105,9 Mhz] (www.fmnovaalianca.com.br)
Nova Geração FM 98,7 Mhz ● Sexta 9h30 [Cristiano Otoni - MG]
Planeta Verde FM 104,9 Mhz ● Sábado 7h [Taquaratinga - SP] (www.planetaverde.org.br/nossa_radio.php)
Progresso FM 87,9 Mhz ● Sábado 12h [São Pedro do Piauí – PI]
Rádio Comunitária Salomé FM 105,9 ● Sábado 10h [São Sebastião-AL]
RádioCom FM 104,5 Mhz ● Quarta 13h30 [Pelotas-RS] (www.radiocom.org.br)
RCB FM 104,9 Mhz ● Terça 13h [Boquim-SE]
Rede FM 95,5 Mhz ● Domingo 13h [Minduri - MG] (www.redefm.com.br)
Rincão FM 104,9 Mhz ● Domingo 7h [Rincão-SP] (rincaofm.com)
Santana FM 104,9 Mhz ● Domingo 9h [Santana do Cariri - CE] (www.comunitariasantanafm.com)
São Francisco FM 93,5 Mhz ● Sexta 23h [Montes Claros – MG]
São Gonçalo FM 87,9 Mhz ● Domingo 8h [São Gonçalo do Rio Abaixo-MG]
Shalon FM 105,9 Mhz ● Sábado 19h [Cassilândia-MS]
Tom Social Online ● Segunda 20h [Santana - SP] (www.tomsocial.com.br)
Tucumã FM 104,9 Mhz ● Sábado 0h [Tucumã-PA]
UEL FM 107,9 Mhz ● Quinta 22h/Sábado 13h (Londrina - PR) (www.uel.br)
UEPB Online ● Terça/Quinta 13h (Campina Grande-PB) (radio.uepb.edu.br/radio)
Universidade AM 800 Khz ● Sexta 23h [Santa Maria - RS] (www.ufsm.br/radio)
Universitária AM 870 Khz● Sábado 13h [Goiânia - GO] (www.radio.ufg.br)
Universitária Unifei AM 1570 Khz ● Terça/Sexta 8h [Itajubá - MG] (www.unifei.edu.br/radio)
Universitária FM 100,7 Mhz ● Domingo 10h [Viçosa - MG] (www.rtv.ufv.br)
Utopia FM 98,1 Mhz ● Quarta 17h30 [Planaltina - DF] (www.utopia.dissonante.org)
Vale Do Araguaia FM 104,9 Mhz ● Segunda 12h [São Miguel Do Araguaia - GO]
Vicência FM 98,5 Mhz ● Quarta 9h (durante o programa Bom Dia Vicência) [Vicência – PE]

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CLODO FERREIRA E FAUTO NILO - BRASÍLIA

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Lembrança

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Arrenego
E posto assim
Como musgo
A ausência
Silenciosa toma conta
E o rodamoinho
Que era tua presença
Passa arredado

Durindana de corte e ponta
Querendo o corpo meu
Esbraseado do calor
Ungindo a lembrança
Que não aceita indulgências

“Alecrim de São José
Pelo mundo
Meu amor onde andarás...
Alecrim de São José
Pelo mundo
Meu amor onde andarás”...
(*)






(*) música “Alecrim de São José” de Walter Freiras

MQ
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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

GUSTAVO IOSCHPE - O ROMBO DA EDUCAÇÃO

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      (Via VEJA)



EUGÊNIO LEANDRO - A NOITE DOS MANEQUINS

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SERTÃO DO SÃO MARCOS - Buriti Cercado

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Amadeu cutucava a fogueira com o tição avivando o fogo naquela noite fria. O pensamento ia longe, os companheiros esperavam calados, como se escutassem, ele lembrar o dia. Pedaço de cada um ali, restado, presente, menos de Valdo, o mais moço, agregado a eles na passagem pelo Corumbá.


Neles as marcas no rosto delatavam, com ensimesmar de Amadeu, que estavam voltando para o mesmo lugar, no mesmo pensamento.


Tavinho tossia disfarçando a tristeza, Jujim tecia o laço apertando mais cada trançada, Rubilão aparentava, naquele silêncio, atento no lembrar. Com apreço no coração, eles olhavam fixo a lenha queimando, naquela noite escura e fria.


Quem primeiro abriu a boca foi Valdo perguntando a Jujim.

- Quanto vale?

- Faço laço prá vendê não, só p’ro orgulho de uso. Compra lá na venda do Manco. Respondeu Jujim meio ríspido, não agradando de Valdo tirar ele do lembrar. Mas era seu jeito, abrutalhado de tão sincero.

Tavinho, tomando as dores do companheiro, disse:

- Num fala assim cum ele não, Jujim, desmerece o Valdo não. Ele pois agrado no laço, divia gradecê, cobiçô um trem qui ocê feiz.

Tavinho era assim com todo mundo, não agüentava nada errado em volta dele, gostava de tudo no justo.


Rubilão, calado como era, com o olhar mais forte que qualquer palavra aprovou. Seu silêncio seguiu até o momento que Amadeu jogou o tição na fogueira e se levantou, naquele rompante só seu.

- Vamo vortá p’ro Buriti Cercado, num semo home de fugi no mundo. Ponho assunto cum eles, cum aquele Linalvo inté tropa de guverno, preciso for. Ocê, Valdo, segue em rumo, é briga nossa, seu aperreio é outro, vai na sorte...

Valdo sem entender nada do que ouvia e sem dizer uma palavra, montou sem hesitar, tomando o mesmo rumo dos companheiros. Rubilão olhou consentindo.


Na Vila, para assombro do Manco, tomaram uns goles e anoiteceram no Buriti Cercado. Nas doze léguas vencidas, quase a trote, nenhuma palavra, nem Valdo perguntou nada, observava calado.

- Melhor esperá manhecê. Propôs Jujim.

Ninguém respondeu e continuaram no trote até a casa às escuras. No latir dos cachorros, dona Dalva levantou com a lamparina na mão. A porta já estava aberta quando Amadeu apeou. A primeira reação foi de susto ao vê-lo. Chorando muito, exclamando:

- Fiquei só no mundo, meu filho! O Melques brigou com o Linalvo em luta corporal, com facas e punhais, um sangrou o outro no meio do pasto. Linalvo morreu na hora e o Melques veio arrastando, esvaindo em sangue e em meus braços, deu o último suspiro, falando seu nome.

Ainda sem desmontar, Valdo perguntou a Jujim:

- É a mãe dele?

- Madrasta, respondeu Tavinho.

E foi no paiol onde Valdo ouviu toda a história da boca de Jujim.

- Quando seu Melques ficou viúvo, nóis trabaiava aqui, lidava cum boiada mais Amadeu e o Mané Bem. Dona Dalva era madrasta do Linalvo, viúva tamém, vizinha e dona de mais terra e menos gado que seu Melques. No casamento dos dois, cum o acordo de Linalvo e o Amadeu, num dividiro nem terra nem gado com os filho, virô uma coisa só.


Mané Bem era nos muito melhor vaquero, afamado no laço, quase regulano idade cum seu Melques, tomava de conta de nóis e do gado. Nóis até pidia a bênção p’ro Mané Bem, escutava um tudo dele.


Um dia, nasceu arrelia entre Mané Bem e Linalvo por conta duma bobage que ninguém nem alembra qual e aí virô aquele aperreio. Mané Bem dizia que ele era cria do demo, que num prestava em nada.


Um dia, meio no à força, Linalvo buliu com a filha dele quase desonrano a moça. Mané Bem, na frente de todo mundo deu surra de vara nele. Linalvo jurou morte. Mês depois Mané Bem pareceu morto de bala numa grota no pasto do Buriti Cercado, ele num tinha inimigo ninhum, fora o anteado de dona Dalva.


Amadeu quis satisfação com pulícia e tudo. O pai num deixô. Pediu sua parte nas terra, o pai num deu. Aí nóis resorveu segui ele sem nada, ino p’ro norte mode honrá Mané Bem.

- Jujim! E o Amadeu cumbina cum a madrasta?

- Ela foi boa prá ele, ajudô esfriá cabeça quando em ia matá o Linalvo.

Amadeu e a madrasta passaram quase a noite toda conversando, ela lhe contou a tristeza do pai quando ele se foi e das brigas dele com Linalvo desde então. O pai não se conformava, queria mandar gente atrás, queria paz igual no tempo de Mané Bem. Contou da família dele. A filha caiu na vida. A mulher tinha ido viver com o irmão em Minas.


Amanheceu o dia, aquela tristeza entre os dois. Os companheiros, no curral, tomando sol, enrolando seus cigarros e com os cavalos arreados, esperavam Amadeu.

- Ele vai querer ficar, Rubilão? Perguntou Jujim.

- Vai não, mas abre questão de deixá nóis prá trais, respondeu.

Dona Dalva não se conformava. Amadeu firmava opinião de ir embora e deixar o passado em paz. Gostava muito dela, considerava, mas ia. No desamparo deixava não. Jujim, Rubilão, Tavinho mais Valdo davam conta da lida. Rubilão tinha o comando de conhecer mais.


Amadeu fez madrugada não despedindo de ninguém, venceu a estrada até alcançar o Corumbá sem nem olhar para trás. No atiçar o fogo na noite fria, já pensando só nos em frente, escutou o barulho de alguém chegando. Era Valdo que foi desmontando e dizendo:

- Sigo daqui com o amigo, faço parte do prá trais não...

Seguiram vida a fora, fazendo um serviço aqui; outro acolá, sem parar em lugar nenhum. Sempre longe do Buriti Cercado mas sem seguir para o norte como era de plano fazer.


Valdo respeitava o em si de Amadeu e gostava do jeito dele cada dia mais. A amizade, feita no mais calado, só foi aumentando. Amadeu apreciava naquela malungagem o simples de Valdo.


Às vezes, Valdo arriscava conversar um pouco mais, contar casos do Roncador, de Maria Bibica que gostou dele e propôs caso de rabicho. Contava as doidices dela quando eles se deitavam. Dizia.

- Um dia, em perto, nóis passa lá e o amigo Amadeu vai ficá gostano.

Amadeu ria como consentisse. E assim, um dia, a distância era tão pouca, o serviço feito em boa paga, encostaram lá.


De fato, Maria Bibica tinha um rabicho por Valdo. Era risonha nos olhos, morena, de ancas fartas mas um jeito de ainda menina. E gostava do Valdo, delatado. Amadeu ria com o feliz do amigo indo para o quarto.


O semblante anuviou quando a viu na cozinha despenando o frango do almoço e perguntou, sem querer acreditar.

- Zumira?

- Seu Amadeu! Espantada e demonstrando muita vergonha, disse.

- Como vai o sinhor?

Ali na cozinha ficaram conversando enquanto Zumira preparava o almoço. Amadeu relatou tudo o que aconteceu no Buriti Cercado. Conversa triste de ter, mais triste, ainda, quando Zumira falou como caiu na vida, contou de Linalvo derrubando ela à força, logo depois de ele fazer rumo com os meninos. Amadeu até sorriu quando ela se referiu a Jujim, Rubilão e Tavinho como meninos. Zumira contou que Linalvo fez ela deitar com um vaqueiro novo que chegou lá e que os dois tomavam ela quando queriam. Desonrada já estava, então que ganhasse dinheiro e pudesse escolher com quem deitar. Nessa intenção, foi parar ali no Roncador na bondade de Maria Bibica, agora sua irmã.

- E minha mãe? Sinhor sabe dela?

- Sei, foi morá em Minas com seu tio.

- Coitada da mãe, sofreu tanto a morte do pai, padeceu. E começou a chorar.

Amadeu a abraçou lembrando seu Mané Bem, seu mais que tio, lembrando seu pai, arrependido de não ter ficado com ele, de dona Dalva, justa no propor passar no papel tudo para ele e, apenas, viver vivendo das lembranças ali junto. Lembrou dos amigos ficando na lida, consentindo apartar. Da amizade de Valdo.


Quando Valdo e Maria Bibica entraram na cozinha viram os dois no meio da tristeza. Valdo enxergou o mesmo momento, igual de Amadeu, Jujim, Rubilão e Tavinho na beira do Corumbá.

- O que aconteceu aqui, Zumira?

Antes de ela responder, Valdo percebeu que Zumira era a filha de Mané Bem, fez sinal para Maria Bibica e saíram da cozinha. Valdo contou toda a história dos dois, a casa encheu de silêncio. Amadeu não saía do rabo do fogão, cutucando com o tição o borralho. Valdo e Maria Bibica apartados noutro cômodo respeitavam a hora.

- E isso é vida, Zumira?

- A sua é, seu Amadeu?

- É não Zumira, longe do Buriti Cercado, de Tavinho, Jujim e Rubilão, isso é longe de sê vida. Sobrô só Valdo prá tê bem querença.

- Queria essa vida não seu Amadeu, queria apartar da mãe não. Queria casá, em igreja e tudo, com moço bom igual o sinhor, sabedô dos direito. Fazê famia grande, aprendê a custurá em máquina. Prá mim ficou Maria Bibica.

Enquanto ela falava, Amadeu foi prestando atenção na mulher que se transformara Zumira, olhou pela primeira vez com os olhos de homem aquela que restou na lembrança apenas menina magra, que vivia no curral esperando o balde de apojo para a mãe fazer queijo e sentiu desejo. Ela desde que o vira sentira a mesma coisa. Demonstravam os dois agora em olhares e naquela noite, fugindo de suas histórias, nos braços um do outro.


Quando amanheceu, Amadeu chamou Valdo numa conversa séria, queria levar Zumira para casamento, buscar a mãe dela em Minas, voltar para o Buriti Cercado e retomar sua vida. Queria tocar a criação de gado com a madrasta, Rubilão, Jujim e Tavinho, e queria ele junto para quietar no Buriti Cercado. Se fosse do gosto que levasse Maria Bibica.

Na porta da casa todos esperavam.


Amanhecia quando Jujim avistou vindo pela estrada do Lajeado e deu galope para avisar.


Rubilão já quase sem enxergar, Tavinho sustentando sua velhice e a de dona Dalva, Amadeu, Zumira e Maria Bibica num riso grande esperavam seus filhos e netos chegarem do Entre Rios.


Jujim desceu do cavalo e rodeou a casa até o pequeno cemitério, nos fundos. Na beira do túmulo de Valdo, orgulhoso como tecendo um laço, falou:

- Tá vendo cumpadre, envai tempo que o diabo num põe cria aqui no Buriti Cercado.






Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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QUARTETO TAU E FERNANDO CASELATO - MONGAGUÁ

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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

BACURI - II MOSTRA DE CINEMA INFANTIL - BELÉM

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CARLOS GOMES, O GUARANI - SÃO PAULO

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CONEXÃO VIVO - BELÉM

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PROGRAMAÇÃO CONEXÃO VIVO BELÉM
Os shows terão início às 19h na Praça Dom Pedro II - em frente a Prefeitura

Quinta (27/10)
Deco Sampaio & Os Penetras (PR)
Ivan Cardoso (PA)
Trio Manari (PA)
Suíte para os Orixás (MG)
Camarones Orquestra Guitarrística (RN)
Marku Ribas (MG)
Lenine (PE)

Sexta-Feira (28/10)
Ultraleve e o Clássico Popular (PA)
Sebastião Tapajós (PA) convida Sergio Ábalos (Argentina)
Aíla (PA)
Vendo 147 (BA)
Lucas Santtana (BA)
Marco André convida (PA) Pepeu Gomes (BA)
Gaby Amarantos (PA) convida Marcelo Mira (RJ) e Gang do Eletro (PA)

Sábado (29/10)
Orquestra de Violoncelistas da Amazônia (PA)
Dayse Addario e Zarabatana Jazz (PA)
Família de Rua na Estrada apresenta Duelo de MCs (MG)
Dona Onete convida Marco André (PA)
Lia Sophia - (PA)
Juliana Sinimbú convida Pinduca (PA)
Metaleiras da Amazônia (PA)
Celso Moretti (MG)

Domingo (30/10)
Catibiribão (MG)
Aldan (MG)
Zé Brown (PE)
Iva Rothe (PA) convida MANOEL CORDEIRO (PA)
Gloom (GO)
Soatá (DF)
Felipe Cordeiro convida Felix Robatto e Pio Lobato (PA)
Fernanda Takai (MG)


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QUARTETO TAU E FERNANDO CASELATO - PIEDADE

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Instante

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Definitivo só o instante
E tantos houve

Só e só o instante
Fica imorredouro na memória
Completo, incoercível
Um triz
Onde cabe o mundo todo
Do lado de fora do enlevo

E o profundo se mistura
Ao mais superficial
Sem procura de rumos
Ou padecimentos
Revestido apenas do encanto
Da entrega
E da inteira presença
Do muito de cada um

Definitivo só o instante
E tantos houve
E tantos não haverá


MQ
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terça-feira, 25 de outubro de 2011

1ª BIENAL DA POESIA NA RUA - BRASÍLIA

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BIRATAN

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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

VITAL LIMA - RIO DE JANEIRO

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CONVITE - MINISTÉRIO DA CULTURA - BELÉM

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A Representação Regional Norte/MinC e a Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, convida V.Sa. a participar do Seminário que abordará o Projeto de Lei nº 6722/2010 - (tramitação atual) -, que institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura – Procultura.- Uma nova política cultural para o Brasil.


Será também apresentado e discutido durante o seminário, fundamentos sobre o Custo Amazônico.


Nota: O Seminário antecede audiência pública convocada pela Comissão de Finanças do Congresso Nacional, a se realizar em Belém em 31.10, com a presença do relator , o Dep. Pedro Eugênio/GO, representantes da Comissão de Finanças do Congresso Nacional e da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura-Minc.



Dia: 25.10.2011 - 3ª. feira
Local: Cine Líbero Luxardo - Centur – Térreo
Horário: 14:00 às 18:00 horas

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Corte e costura

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Tão falsa e perversa
É a realidade escondida
Nos meus encantos
Irremissível vesânia
Retalhando a vida
Com a lâmina fria
De todas as dúvidas
E costurando os cortes
Com tão poucas verdades

Sonhos sem rosto
No amor imaginado
Já vivi

Os cortes e as costuras
Estão vivificados agora
De amor já morri


MQ
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domingo, 23 de outubro de 2011

SERTÃO DO SÃO MARCOS - Pai rei

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Como fosse o próprio, entestou, ferveu e veio, queria porque queria me enfrentar de novo, ali no meio da rua, na frente de todos; de certo na demonstração de valentia, coisa que não tinha. Era jeito de traiçoeiro, de capanga restado, mais sem serventia. Dormia de favor na casa velha do Delfonso, se dizia parente de fulano, do sicrano, que era filho de pai-rei, sabia dos modos e de todas as profissões; invocasse o pai não sobrava nada em volta, secava tudo. Que eu fosse embora antes que tardasse ali, esticado no chão com a alma apensa nos profundos. Enquanto falava ia batendo as mãos nos bolsos como se procurasse alguma coisa.


Me sentia na vergonha, ali no meio da rua em briga de mão. Ele mal parando em pé de tão bêbado, mas era assim, não podia me ver em lugar nenhum que vinha, bêbado ou não. Todas as vezes era aquela provocação, quando levava uns pescoções, xingava de longe, esbravejava. O motivo dele não sabia, uma ojeriza gratuita, nascida do nada.


Aquela situação já durava tempo, ficava medindo lugar de ir para não encontrá-lo, tentando evitar. Mas não adiantava muito porque onde me visse, lá vinha, batendo as mãos nos bolsos provocando, querendo briga, se dizendo filho da brabeza, do pior que havia, não adiantava esconder que ele achava, seu pai-rei guiava na sova que ia dar, que era protegido no natural e no urdido.


A idéia surgiu quando vi na casa do Linoro uma carcaça de boi, no quintal, secando ao sol. E ele, prontamente, me cedeu a cabeça e ajudou nos preparativos. Passamos quase uma semana trabalhando para achar a indumentária, o cavalo, o arreio, tudo preto, como foi pintada a cabeça de boi preparada para vestir a minha.


Uns metros antes da casa velha do Delfonso, no Beco da Passagem, fiquei esperando o Birobo naquela noite. O Linoro, na outra esquina, deu o sinal quando ele apareceu na rua. Coloquei a cabeça de boi, abri a capa de chuva sobre as ancas do cavalo e apontei na esquina. Quando ele me viu, parou no susto. Nem dei tempo, com a voz empostada inquiri.

- Num toma bênça do pai-rei, Birobo?

Ele quase já correndo, gritou.

- A bênça, pai-rei.

E correu, rua abaixo, até que cerquei no galope; com aquela cabeça de boi me machucando o rosto e o pescoço, perguntei.

- Tá fugino do seu pai, travesso?

Birobo tentava pôr desconfio, ali parado na minha frente, misto de assusto e espanto, abobado, sem conseguir falar, me ouviu dizer que filho de pai-rei não podia ficar arreliando com ninguém para não dar parecença de quem era e proteger os profundos, que ele tomasse tento. Num volteio saí a galope rua acima.


Muitos dias se passaram sem que Birobo aparecesse. Um dia o encontrei sóbrio, mais arrumado que sempre, meio sem graça aproximou-se de mim, misto de riso e medo no rosto, se curvando todo, falou baixinho como para ninguém ouvir.

- A bênça, pai-rei...



Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
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sábado, 22 de outubro de 2011

Escolho o poeta

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Debruço em um vazio
Para escolher as armas
De conviver com a ausência

Porque tudo sucumbe
Nos meus guardados

Um sonho de amor
Mudado em realidade
Doce como mel
E às vezes amargo demais
Como seria essa rima feita

Escolher mudar as ruas de lugar
Traçar pra lua um desvio
Tirar todas as horas dos dias
Amordaçar meu corpo
Ou amarrar tudo com um fio
E cortar rente com fel

Debruço em meu vazio
Nenhuma arma apraz
Escolho escolher o poeta
E pedir emprestado o instante
Por absoluta necessidade
Para fingir minhas verdades


MQ
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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

BIRATAN

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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Escolha

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Ando à noite
E a noite me anda
Envelhecendo
Sombras e simulações

Por não crer em nada
Creio em tudo
O que não acredito
É que é minha fé

Mas escolho crer em ti
Porque escolher
É arbítrio
Dos seres incrédulos

Daí descendem
Meus demônios
E a súplica aos deuses
Para ajudarem

Preciso entender as marcas
Que carrego na face
E a alma que degenera
Num corpo teimando
Só querer morrer

Peço
Não tirem as vistas de mim
Demônios ajudadores
Deuses onipresentes
Musas carpideiras
Entreguem-me duma vez
Os versos todos
Para tecer o cordão
Da minha poesia
E poder me enforcar
Cem mil vezes mil
Nos laços da rima
E calar toda dor

Não crer
Me joga no meio
Da turba enlouquecida
De todas as fés
Por isso escolhi
Crer em ti

E por assim ser
Creio também em artes e reinos
E na mulher nua
No meu sangue natural
E no que o infecta

No negro da minha alma
Desperta do desalento
Creio também no que embrandece
E no servil do sentimento
Que sorri da mágoa

Profundezas da liberdade
Podem sonhar em mim
E o que convém à minha solidão
Fica fora dos grilhões
Atrelado-me ao insólito
Jeito dos incrédulos
Que escolhem crer
No que não crêem


MQ
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CHIQUINHA GONZAGA

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Chiquinha Gonzaga ao alcance dos dedos




Pioneira

Mais de 300 partituras poderão ser acessadas pelo público na Internet
Pela primeira vez, o público e toda a comunidade da música no Brasil e no mundo vai ter acesso a mais de 300 partituras revisadas e digitalizadas, disponibilizadas no site www.chiquinhagonzaga.com.br dedicado à obra de Chiquinha Gonzaga. Mais do que um tributo, trata-se de um resgate da história e da obra, dessa que talvez seja a compositora mais importante da música brasileira.


Idealizado pelos pianistas Alexandre Dias e Wandrei Braga o Acervo Digital Chiquinha Gonzaga abriga a obra fundamental de Chiquinha Gonzaga para piano solo, e canto e piano e outras formações. Chiquinha está entre os compositores mais prolíficos de seu tempo. Há ainda centenas de músicas, compostas para peças teatrais, que provavelmente serão contempladas num desdobramento do projeto.


Alexandre e Wandrei se inspiraram num projeto similar que gerou o site dedicado à vida e à obra de Ernesto Nazareth, e que também foi patrocinado pelo Natura Musical. Assim como o site de Nazareth, o www.chiquinhagonzaga.com.br terá acesso gratuito para qualquer pessoa no mundo.


O projeto conta ainda com recitais de lançamento no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo e oficinas com arranjos criados especialmente para a Coleção Alma Brasileira em parceria com a Escola Portátil de Música, além de uma apresentação em torno desse repertório com os professores e alunos da EPM.


A PESQUISA


A partir de uma lista elaborada pela biógrafa de Chiquinha, a escritora Edinha Diniz, foi feito um catálogo atualizado das obras da compositora. As alterações em relação ao catálogo que existia até então foram muitas e envolvem desde as "músicas sinônimas", ou seja, músicas que embora possuam títulos diferentes têm o mesmo conteúdo musical, fato comum e recorrente na obra de Chiquinha, até partituras totalmente inéditas, de músicas jamais publicadas ou gravadas.


Durante mais de três anos, Alexandre e Wandrei garimparam partituras em diversas fontes, como admiradores, pesquisadores, acervos de bibliotecas e colecionadores. O resultado foi um salto considerável, de aproximadamente 12 músicas (ínfimos 5%) que estavam disponíveis comercialmente, para mais de 300 partituras, quase 100% da obra de Chiquinha à disposição gratuitamente (com exceção das músicas que compõem a integral para as peças teatrais). Pode-se constatar a versatilidade de Chiquinha pela variedade de ritmos e gêneros presentes em seu trabalho. São choros, valsas, tangos brasileiros, canções, polcas, fados, habaneras, romances, duetos, baladas, marchas, peças sacras, serenatas, barcarolas, modinhas, gavotas, mazurcas e dobrados. Cada música será disponibilizada em sua versão original e versão cifrada, para contemplar músicos de todas as esferas, acompanhadas de notas informativas escritas pela biógrafa de Chiquinha, Edinha Diniz exclusivamente para o Acervo Digital. Além disso, também vão estar no site todas as letras das canções de Chiquinha Gonzaga, nunca antes publicadas.


Inicialmente, as partituras foram transcritas para um programa de editoração musical. Depois disso, cada uma delas passou por uma revisão minuciosa com base nos manuscritos originais e primeiras edições pesquisadas no Instituto Moreila Salles, parceiro e atual detentor do acervo. Edinha Diniz, outra parceira do projeto, criou notas exclusivas para descrever cada uma das peças. Além de um texto biográfico redigido especialmente para o site.


Para finalizar, todo esse material recebeu um tratamento da equipe de design que elaborou o projeto visual que inclui capa e contracapa personalizadas para cada uma das composições.


Estão previstos recitais abertos ao público, com os coordenadores do projeto, Alexandre Dias e Wandrei Braga, que acontecem nos meses de outubro e novembro no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Além dos recitais, também estão previstas Oficinas no Rio em parceria com a Escola Portátil de Música, num mês dedicado a Chiquinha Gonzaga. A escola vai realizar quatro oficinas de diversos instrumentos, para cerca de seus 900 alunos, que vão trabalhar exclusivamente músicas da compositora. Nos dias 15 e 22 de outubro, dois sábados, serão apresentados ao público os resultados dessas oficinas, com entrada franca. Além disso, no dia 17 de outubro, aniversário de Chiquinha, professores da EPM farão uma apresentação na comunidade do Pavão-Pavãozinho, com arranjos especialmente feitos para a ocasião.


SOBRE CHIQUINHA


Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro. Chiquinha Gonzaga era compositora, instrumentista, regente. Maior personalidade feminina da história da música popular brasileira, primeira maestrina, autora da primeira canção carnavalesca, primeira pianista de choro, introdutora da música popular nos salões elegantes, fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais.


Aos 11 anos compôs sua primeira música, uma cantiga de Natal: "Canção dos Pastores". Casou-se aos 16 anos, com um oficial da Marinha Mercante escolhido por seus pais, que abandonou poucos anos depois por um engenheiro de estradas de ferro, de quem também logo se separou. Passou a sobreviver como professora de piano. A convite do famoso flautista Joaquim Antônio da Silva Callado (1848-1880), passou a integrar o Choro Carioca como pianista, tocar em festas e frequentar o ambiente artístico da época. A estreia como compositora foi em 1877, com a polca "Atraente".


Sua vontade de musicar para teatro levou-a a escrever partitura para um libreto de Artur Azevedo, "Viagem ao Parnaso". A peça foi recusada, assim como outras tentativas também fracassaram, até que em 1885 musicou a opereta de costumes "A Corte na Roça", encenada no Teatro Príncipe Imperial. Em 1889 promoveu e regeu, no Teatro São Pedro de Alcântara, um concerto de violões, instrumento então estigmatizado. Foi uma ativa participante do movimento pela abolição da escravatura, vendendo suas partituras para angariar fundos para a Confederação Libertadora. Com o dinheiro arrecadado na venda de suas músicas comprou a alforria de José Flauta, um escravo músico.


Chiquinha Gonzaga também participou da campanha republicana e de outras grandes causas sociais do seu tempo. Já era uma artista consagrada quando compôs, em 1899, a primeira marcha-rancho, "Ó Abre Alas", verdadeiro hino do carnaval brasileiro. Na primeira década deste século esteve algumas vezes na Europa, fixando residência em Lisboa por três anos.


De volta ao Brasil deu uma contribuição decisiva ao teatro popular ao musicar, em 1912, a burleta de costumes cariocas "Forrobodó", seu maior sucesso teatral. Em 1914 seu tango "Corta-Jaca" foi executado pela primeira-dama do país, Nair de Teffé, em recepção oficial no Palácio do Catete, causando escândalo político. Em setembro de 1917, após anos de campanha, liderou a fundação da SBAT, sociedade pioneira na arrecadação e proteção dos direitos autorais.


Aos 85 anos de idade escreveu a última partitura, "Maria", com libreto de Viriato Corrêa. Chiquinha Gonzaga faleceu aos 87 anos de idade, no dia 28 de fevereiro de 1935, no Rio de Janeiro. (Via O Liberal)


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