Desgoverno nas idéias, no tolerar
a vida em pirraça constante, serviço faltando, doença demais no em volta,
alegria nenhuma, nem as miúdas. Custoso dormir, acordar mais ainda. Ver no
dia-a-dia o corpo faltando, como ir minguando vida a fora. E para quê? Ver o
patrão não fazer para o anteontem, eu junto, juntando o quê? Recebendo
pagamento só no depois de amanhã, ainda com arrelia dele por coisa pouca. Para
que o estorvo de mulher tolerar?
- Olha os remédios!
- Não come gordura!
- Está fumando demais!
Era vida?
- Por que não aposenta?
Isso era proposta de fazer? Os
filhos morando longe, todos por conta própria. Fazer o quê? Acordar, ficar
esperando o serviço aparecer, se aparecesse de manhã, sumia de tarde. Esperar o
almoço, o jantar e depois a conversa igual na porta, tomando a fresca. Agora
era homem de tomar a fresca?
Fartura de expectativa, renego um
tudo de tempo que até podia lembrar e ir tapeando, mas não tinha saudade de
nada do para trás. Queria era o na frente e o na frente só vinha o detrás no
lembrar, da prosa do vizinho, da mulher, do negócio que o patrão recordava como
se quisesse valorizar minha permanência, que ele pagava no atrasado, mas
pagava. Vida essa.
- E Deus, precisa acreditar em
Deus!
- Por que não vai numa igreja?
Reza um pouco, alivia!
Isso era conversa? Não é queixume
esse meu de homem indefinido. Fiz coisas importantes? Fiz não, ninguém fez,
todo mundo vai é fazer. E eu rezar, virar lambe hóstia, contar o do dízimo?
Queria era solavanco, aventurar no novo, no em ir. Mas para onde, fazer o quê?
A vida perseguiu tudo só no de comum até hoje. Nenhum feito, nada que relembrar
dava o prazer de ser maior, nem um pequeno gosto em conversa de tomar a fresca.
Queria minguar, mas na valentia e na consideração de todos, graúdos e miúdos,
ou então saber contar o quase nenhum da vida e deixar o ouvinte no interesse,
na alegria ou mesmo na tristeza. Conhecia gente que também tinha pouco no ir
vivendo mas, quando contava, quem ouvia, ouvia calado, ria, prestava atenção.
Tomei a decisão numa tardinha,
embrenhar no mato como vim no mundo e esperar a hora chegar, sem lamentação da
demora e sem a pressa de acabar logo com aquilo. Caminhei muitos dias e muitas
noites no mato fechado, mais que pude fui entrando, sem a noção do tempo, procurando
o pior e nisso fui vendo uma valentia tomar conta, um lembrar do que não dava valor.
Aí apareceu ele.
- Cabra miúdo, miudeza eu levo.
Naquela hora, o desaforo ajudou a
ferver meu sangue e na luta com o tinhoso, o que primeiro achei para segurar
foi seus culhões e ele os meus. Assim ficamos sete dias e sete noites, eu
tolerando aquela dor e ele também, na maior parte do tempo os dois com a pega
afrouxada, fingindo camaradagem.
- Num veio findá, miudeza? Ele
dizia.
Eu apertava, ele apertava.
- Afrouxa que eu afrouxo, miudeza.
Pensa que vai sair dessa prá ficar arvorando valentia? Vai findar miudeza!
No sétimo dia ele me soltou e sumiu
como apareceu. Foi quando a febre tomou conta e fui minguando com aquela
valentia, ali bem dentro de mim, sem poder contar para ninguém. Aquela valentia
minguando junto, entrando junto na ausência, no escuro, no silêncio.
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