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O dia delatava muita chuva, o céu foi escurecendo num passar de triz, o vento
soprando dobrado. Nela cair, enchia o Vai Vem desde a cabeceira. No solavanco da
água, descendo o leito, caiu a escora e o pau mais perto que sustentava, no
apoio, o encabeçamento do pontilhão. Resvalo dele cair, atingiu seu Dedé que
demorou a atender o grito dos companheiros para correr dali. A cheia engoliu seu
Dedé e os quatro esteios de aroeira assentados e foi solapando a beira,
engolindo os barrancos. Água-lama, turvada do que lambia no jungir, barro só,
pejando a várzea.
Seu Dedé foi...
O vento era tanto que
avivava o borralho sem precisar soprar. Lucimar punha a lenha e gritava para
Mariinha chamar dona Esmeralda. A chuva lavava o mundo, no entender da beata,
bom agouro quem nascia num dia assim, fosse noite, não. Era sinal contrário. A
criança estava por não esperar e não esperou.
Tavinho
veio...
Ninguém se conformava, vê-la ali, deitada, quase sem força
nenhuma. O rosário nas mãos e nos lábios a reza diária, rezava na febre. Rezava
pedindo a vida, rezava pedindo um homem para a vida, podia ser Zitinho, podia
ser Jeromo, podia ser... Faz chá, limpa eu, sussurrava. A febre tomava conta,
vinda sabe lá de onde, pegar Nica com o terço na mão, rezando. Rezava pensando
em Zitinho, o corpo foi esquentando, achou que era outra febre, era não. Era só
no corpo, desmaiou. Desmaiava toda hora. Meu terço, traz meu terço, acordando
pedia. Faz chá, chama tia Filó.
Nica foi ...
Preparado estava
tudo ali, bacia, balde d’água, os panos, cordão, tesoura, folha de fumo, o
paninho feito rolete para ela morder e até uma garrafa, se precisasse
soprar.
A parteira já dormia a segunda noite no quarto ao lado. Um pouco
ansioso, Necão dormia junto da mulher, metade dele dormia e a outra era a
atenção figurada no modo espaçoso de ele lidar com aquela hora. Na madrugada,
tudo calmo, o sono tomou conta e Necão dormiu as duas partes, só acordou no dia
raiar, com a cama toda molhada e a filha, primeira, nascida com o silêncio da
aurora, nos braços da mulher.
Davina veio...
- O palhaço o que
é? É ladrão de mulher...
Ia passando pela rua o primeiro circo no lugar.
Aquela gente meia cigana anunciando, sem vergonha nenhuma, a função da noite,
que muitos nem sabiam o que era. Na porta de casa, Zilá ficou sem graça quando o
artista fez uma mesura, cantando malicioso fez uma segunda mesura, como que
convidasse.
- O palhaço o que é? É ladrão de mulher...
Zilá sentiu
um estranho, o bico dos seios intumescer, um calor no corpo, que a lembrava
donzela, percorrer. Quis mais, quis de verdade, quis tanto que começou a
encontrá-lo quando ia lavar roupa na Pedrinha, a sonhar com ele quando fazia o
almoço, a rondar o circo, até com o marido junto.
Num dia, o largo vazio, nem
notícias dele, tinha ido embora. A tristeza tomou conta dela, acompanhou até o
copo de formicida.
Zilá foi...
- Chama alguém, compadre, tem
alguma coisa errada, a comadre tá sofreno muito.
A vizinha não sabia o
que fazer. Recurso não havia ali, a Vila ficava a mais de três horas de trote,
ainda tinha que buscar o cavalo no pasto. Damião, desesperado, chegou perto do
catre e pediu para a vizinha sair. E ali, só com a mulher e a coragem, respirou
fundo e puxou a criança do ventre da mãe como fizera com o bezerro da vaca
Castanha, na semana anterior. Quando a vizinha ouviu o choro e correu para ver,
Damião estava cortando o umbigo do filho que a mãe já tinha no
peito.
Jujim veio...
Restinho de pirraça levava, tardando
nele, fazendo tudo ao contrário do mandado pela irmã.
- Leva as costuras
correndo que dona Clotilde tem pressa.
Ele demorou, passou na Pedrinha,
tomou banho com a meninada, juntou com a encomenda as roupas e voltou nu, até
passar pelo quintal do seu Valdivino, pirraçando ele. Quando se vestia atrás da
moita de bambu, sentiu a picada na perna esquerda, aquele ferroado marimbondo,
coisa de nada. Em casa, começou a repuxar a perna esquerda, o lugar da picada
inchava num vermelhão estancado. Teceu chamou a irmã, já era madrugada, fizeram
de um tudo. O menino amanheceu só um pouquinho.
Teceu
foi...
MQ
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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
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