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Pedro Nava
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O defunto
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Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.
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Não quero caixão de verniz
Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.
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Quero a morte com mau-gosto!
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Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.
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E descubram bem minha cara:
Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A idéia da própria morte.
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Descubram bem esta cara!
Descubram bem estas mãos.
Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?
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Foram nelas esboçados
Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.
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— Meus amigos! olhem as mãos
Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.
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— Meus amigos, olhem as mãos!
As minhas e as vossas mãos!
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Descubram bem minhas mãos!
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Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.
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— Meus amigos, olhem as partes...
Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes ...
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E, eu quero a morte nua e crua,
Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.
— Ah! o seu velório habitual!
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Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.
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E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.
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Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo ...
E assim Solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.
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— Meus, amigos, lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
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Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.
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Meus amigos, tenham pena,
Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.
Pedro Nava
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Tenho o Baú de Ossos desse grande
ResponderExcluirmemorialista mineiro. E Marcos, as
razões do suicídio dele, estão no
livro do Zuenir Ventura, 'Minhas Histórias
dos Outros'. Se você tiver oportunidade, é interessante pelo que nos mostra como as almas são estranhas e incomuns! Mas eu acho
que as razões mais íntimas, ele levou com ele!
Abraço e parabéns!
Jac.,
ResponderExcluirO trabalho dele é fantástico. Um dos grandes memorialistas da lingua portuguesa. Também um grande médico.
Abraços
Caro Quinan, escrevo-lhe de Natal-RN, esperando contar com sua ajuda para localizar o artista plástico paraense Sebastião Godinho,amigo do maestro Waldemar Henrique. Perdi o seu contato e, por isso, se o conhecer, peço-lhe que encaminhe este e-mail ao mesmo. Desde já, muito grato por sua atenção.
ResponderExcluirFranklin Jorge
franklin_jorge@rocketmail.com