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Leonor
- Se o samba nasceu do observar de quadris da mulata em movimento, eu não sei, mas que a marcação do surdo, lento, molenga, é igualzinho ao andar da Leonor, não resta dúvida.
- Aquela mulher é escola de samba, não é?
- Nada disso. Ela é escultural, apoteótica, eu sei. Mas pra mim ela parece um surdo muito bem tocado, no meio da musica, lento, pra lá, pra cá, pra lá, pra cá. Batida e silêncio... Ela não caminha, ela repercute. Nada de escola de samba, é a simplicidade da beleza. O alarde é o silêncio.
- Entendi.
- Imagina “Beba do samba”, do Paulinho da Viola. Aquele iniciar de tamborins, meio que dando suspense a entrada. Todo mundo olha: lá vem ela! Atenção, apreensão. Entra o surdo, marcando, e aí meu parceiro, segura o queixo.
- Por quê?
- Porque ela não anda, ela empurra levemente o chão para trás, em slow-motion
- O quê?
- Em câmera lenta.
- Ah...
- Eu não consigo tirar essa imagem da minha cabeça.
- Qual?
- A de que ela é a única trégua temporária de uma guerra de princípios. Não a padronização dos pontos de vista mediante algum critério, mas que nêgo para de brigar para vê-la passar, não tenha dúvida.
- Então você está querendo dizer que ela é...
- Que isso, ô Valtinho! Vai dar uma de gafanhoto e eu o “Mestle”? Sherlock e o tal do “elementar, meu caro Watson”? Para com esse interrogatório, cacete! Não ta vendo que a mulher é o vernáculo que encabeça e sintetiza o sentido das 200 formas diferentes de se dizer bunda nesse país? Que ela é a caixa dos 72 lápis da Faber Castell? Que ela é a primeira colocação no Enem?
- En-hein?!?
- Não entende que ela é o voto de Minerva de uma democracia? Que ela abrange e abunda na mesma intensidade, que ferra e fere, na mesma proporção igualitária do “vice-e-versa”? Que ela materializa o côncavo e o convexo na geometria reta do sentido trigonométrico, mas se dissipa nas curvas de suas formas? Que ela é um verbo intransitivo. Que ela não permite o samba morrer...
- Nossa, que nem aquela música.
- Sim, aquela música, “não deixe o samba morrer”. Que surdo!
- Eu ouvi.
- Não, Valtinho, o surdo instrumento de percussão.
- Ah...
- Lembra aquela vez que fomos ao Carioca da Gema?
- Qual?
- Aquela terça-feira que o Pereira vomitou na hostess?
- Sei, naquela...
- Naquela mulher plastificada que fala mais “Boa noite” que a Fátima Bernardes.
- Sei, aquela gostosona...
- Não cometa esta heresia!
- Irene-o-quê?
- Heresia... A hostess não é gostosa perto da Leonor. Como vou te explicar? Sabe Deus?
- Sei. Conheço.
- Conhece?
- Sim, ele de vez em quando me ajuda...
- Sabe quando Deus inventou o universo?
- Sei...Ele...
- Ele inventou tudo o que era palpável, e depois o intangível.
- O, o quê?
- Aquelas coisas que existem mas a gente não vê.
- Tipo o amor, o ódio, o peido?
- É, mas também tipo o amor, a tristeza, alegria, o vínculo...a beleza.
- Sei.
- A beleza era ela!
- Ah...Mas espera! Tem tanta mulher bonita por aí...
- Ô criatura mal-concebida, a beleza de alguma coisa não se encerra em si. É que nem o samba, se não tiver malemolência não é tão belo quanto o que tem. Não entende?
- Ah, desse jeito, explicadinho, claro – não entendo nada.
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sexta-feira, 3 de julho de 2009
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