sexta-feira, 3 de julho de 2009

MARCO ANTONIO QUINAN

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Leonor


- Se o samba nasceu do observar de quadris da mulata em movimento, eu não sei, mas que a marcação do surdo, lento, molenga, é igualzinho ao andar da Leonor, não resta dúvida.

- Aquela mulher é escola de samba, não é?

- Nada disso. Ela é escultural, apoteótica, eu sei. Mas pra mim ela parece um surdo muito bem tocado, no meio da musica, lento, pra lá, pra cá, pra lá, pra cá. Batida e silêncio... Ela não caminha, ela repercute. Nada de escola de samba, é a simplicidade da beleza. O alarde é o silêncio.

- Entendi.

- Imagina “Beba do samba”, do Paulinho da Viola. Aquele iniciar de tamborins, meio que dando suspense a entrada. Todo mundo olha: lá vem ela! Atenção, apreensão. Entra o surdo, marcando, e aí meu parceiro, segura o queixo.

- Por quê?

- Porque ela não anda, ela empurra levemente o chão para trás, em slow-motion

- O quê?

- Em câmera lenta.

- Ah...

- Eu não consigo tirar essa imagem da minha cabeça.

- Qual?

- A de que ela é a única trégua temporária de uma guerra de princípios. Não a padronização dos pontos de vista mediante algum critério, mas que nêgo para de brigar para vê-la passar, não tenha dúvida.

- Então você está querendo dizer que ela é...

- Que isso, ô Valtinho! Vai dar uma de gafanhoto e eu o “Mestle”? Sherlock e o tal do “elementar, meu caro Watson”? Para com esse interrogatório, cacete! Não ta vendo que a mulher é o vernáculo que encabeça e sintetiza o sentido das 200 formas diferentes de se dizer bunda nesse país? Que ela é a caixa dos 72 lápis da Faber Castell? Que ela é a primeira colocação no Enem?

- En-hein?!?

- Não entende que ela é o voto de Minerva de uma democracia? Que ela abrange e abunda na mesma intensidade, que ferra e fere, na mesma proporção igualitária do “vice-e-versa”? Que ela materializa o côncavo e o convexo na geometria reta do sentido trigonométrico, mas se dissipa nas curvas de suas formas? Que ela é um verbo intransitivo. Que ela não permite o samba morrer...

- Nossa, que nem aquela música.

- Sim, aquela música, “não deixe o samba morrer”. Que surdo!

- Eu ouvi.

- Não, Valtinho, o surdo instrumento de percussão.

- Ah...

- Lembra aquela vez que fomos ao Carioca da Gema?

- Qual?

- Aquela terça-feira que o Pereira vomitou na hostess?

- Sei, naquela...

- Naquela mulher plastificada que fala mais “Boa noite” que a Fátima Bernardes.

- Sei, aquela gostosona...

- Não cometa esta heresia!

- Irene-o-quê?

- Heresia... A hostess não é gostosa perto da Leonor. Como vou te explicar? Sabe Deus?

- Sei. Conheço.

- Conhece?

- Sim, ele de vez em quando me ajuda...

- Sabe quando Deus inventou o universo?

- Sei...Ele...

- Ele inventou tudo o que era palpável, e depois o intangível.

- O, o quê?

- Aquelas coisas que existem mas a gente não vê.

- Tipo o amor, o ódio, o peido?

- É, mas também tipo o amor, a tristeza, alegria, o vínculo...a beleza.

- Sei.

- A beleza era ela!

- Ah...Mas espera! Tem tanta mulher bonita por aí...

- Ô criatura mal-concebida, a beleza de alguma coisa não se encerra em si. É que nem o samba, se não tiver malemolência não é tão belo quanto o que tem. Não entende?

- Ah, desse jeito, explicadinho, claro – não entendo nada.

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