sábado, 31 de outubro de 2009

BIRATAN PORTO

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JEITO DE SENTIDOR - E o cão nos couros

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E o cão nos couros


Ternantonte seu menino
Tirinete sor diabo
Sestro das parte quente
Sabugando nas metade

Pelos meio riscador
E o cão nos couros
Ridimunho do penoso
E o cão nos couros
Rabiçaca da verdade
E o cão nos couros
Pagando nas alvissas
E o cão nos couros
Do morituro na laçada
E o cão nos couros
Trocando vida por nada

Ternantonte seu menino
Tirinete sor diabo
Sestro das parte quente
Sabugando nas metade

Jura de peia
Casa de cacimba fechada
Jura de peia
Luta de mato
Jura de peia
Nos arrudeios
Jura de peia
Cabueta remedado
Jura de peia
Diabruro
Coiteiro...
Eita erro!

Jura de peia
Embeiça a esbrega
E o cão nos couros
Cumprissaio, enfieira
Estufando o entojo
E o cão nos couros
Fasta medonho
Jura de peia
Fouveiro ingiado
Jura de peia
Nascituro de pó
Jura de peia
Cão do sor diabo
Jura de peia
Pro deus dum só
Cagando dobrado

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MQ
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QUILHA DA ILHA DE CRÔA

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MQ
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CORA CORALINA

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Eu voltarei...


Meu companheiro de vida será um homem corajoso de trabalho,
servidor do próximo,
honesto e simples,
de pensamentos limpos.
Seremos padeiros e teremos padarias.

Muitos filhos à nossa volta.
Cada nascer de um filho será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.
A árvore de Paulo,
a árvore de Manoel,
a árvore de Ruth,
a árvorede Roseta.
Seremos alegres e estaremos sempre a cantar.

Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas,
teremos uma fazenda e um Horto Florestal.
Plantaremos o mogno, o jacarandá, o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.
Plantarei árvores para as gerações futuras.
Meus filhos plantarão o trigo e o milho,

e serão padeiros.
Terão moinhos e serrarias e panificadoras.
Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens e mulheres,
ligados profundamente ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.
E eu morrerei tranqüilamente dentro de um campo de trigo ou milharal,

ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.
Eu voltarei...
A pedra do meu túmulo será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores que têm seus ninhos nas altas e floridas frondes.

Eu voltarei...
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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

SERESTA DO CARMO - BELÉM

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GESTOS DE CADA LUGAR

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Fotografia: Digo
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Lanço


Perdi meu caminho
Chorei que vazou
Lembrei que sozinho
Eu sou quem eu sou

Pensei no passado
Telelém me achou
Cantou apressado
Mostrando onde estou

Erê! Telelém...
A solidão quis entrar
Telelém... Telelém...
Erê! Telelém...




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MQ

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TERRA DO CHÃO - Reflexos

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MQ
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VAQUEIRO MARAJOARA - ENCANTARIAS, CHULAS E LADAINHAS

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Boi Selado do Lago Guajará


Ele vem pelos campos enluarados
Das noites encantadas do Guajará
Arqueado e sorrateiro sai das águas
Carregando no dorso o mal que há

A peste, doenças e cada façanha
Vivendo dentro do olhar que dá
Quando esparrama gado manso
Que em qualquer cercado está

Devolvendo a braveza de animal
Livre em qualquer balcedo que vá
Aumentando o tamanho da criatura
Que é natural solta mais acolá

E tanto mal que ruminam e juram
Que traz no dorso de dentro de lá
Não são mais que invenções e loas
Que esparramam nos lados de cá






“Sucuriju perde o caminho
As onças fogem de medo
Ninguém pode chegar sozinho
E nem perto do seu segredo”


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MQ
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TRIBUTO A TIM MAIA - FORTALEZA

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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

IV BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE ALAGOAS

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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 31.10.09

- O destaque do 1º bloco vai para a Coleção Choro Carioca - Música do Brasil. Os autores enfocados são o flautista Berredo, que foi assíduo frequentador das rodas de choro de Jacarepaguá nos anos de 50 e 60 e o pianista e regente Barrozo Neto, nascido no Rio de Janeiro, em 1881.

- No 2º bloco, teremos o privilégio de conhecer obras inéditas do mestre Pixinguinha, na versão do grupo Água de Moringa, contidas no CD lançado no ano de 2002.

- A diversidade rítmica da música popular brasileira vem sendo redescoberta pelas novas gerações de músicos. Isso favorece a renovação de nossa tradição musical. Novos grupos têm surgido e buscado imprimir sua marca. É o caso do Abraçando Jacaré, que nos apresenta o som do CD Um Abraço no Jacaré, destaque do 3º bloco.

- O 4º bloco (choro cantado) traz uma prova incontestável de que filho de peixe, peixinho é: a bela voz de Carol Saboya, filha do pianista e compositor Antônio Adolfo e sobrinha do cantor e compositor Rui Maurity, no CD Sessão Passatempo.

- O Choro é um gênero encantador. Cativa cada vez mais músicos do mundo todo. É o caso do pianista, maestro e compositor uruguaio José Cabrera, autor de diversos Choros, gravados no CD Brasiliano, destaque no 5º bloco.
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Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília:
www.radio.camara.gov.br - sábados, 12h.
Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro:
www.fm94.rj.gov.br
Rádio Universidade FM, Londrina-PR, quintas-feiras, 22h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h

Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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CHICO AAFA E JURAÍLDES DA CRUZ - GOIÂNIA

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GUIMARÃES ROSA

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“Tinha medo não. Tinha era cansaço de esperança.”


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LINHA RETA E LINHA CURVA - RIO DE JANEIRO

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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

VAQUEIRO MARAJOARA - ENCANTARIAS, CHULAS E LADAINHAS

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Erê! Meu Marajó


Erê! Vida nascendo no Marajó
Pirauíba, Aruanã, Acará
Aracu, Poraquê, Tamanduá
Jabotim, Tiepiranga, Corimatá
Tatu, Gaturama, Jacundá

Erê! Vida crescendo no Marajó
Preguiça, Queixada, Anajá
Sarapó, Morcego, Tamoatá
Piranha, Quatipuru, Jucá
Muçuã, Tucunaré, Aturiá

Erê! Vida correndo pelo Marajó
Tem-tem, Jacamim, Guará
Anta, Sanguessuga, Muaná
Mucura, Jacaré, Tracajá
Cutia, Coruja, Maruacá

Erê! Vida vagando no Marajó
Aquariquara, Jacurutu, Tarauá
Tartaruga, Caxinguba, Atuá
Curica, Bacaba, Guajará
Jaburu, Maracanã, Camará

Erê! Vida vivendo no Marajó
Caititu, Maguari, Mutuacá
Araçari, Tuiuiú, Maratacá
Capivara, Papagaio, Preá
Urubu, Tucano, Piquiá

Erê! Vida morrendo no Marajó
Camarupi, Muirim, Jaburaicá
Paracauari, Pracuuba, Gurupá
Arari, Jacaretuba, Caracará
Anabiju, Paracaúba, Rio Pará





“Tem peixe-boi
E um boi que é peixe
Tem pirarucu
E angu de leite”



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MQ
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TROUPE FLOR DE LIZ - BELÉM

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RIO DO BRAÇO

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Tema descarrego das mulas
(Marcos Quinan)

Arranjo - Fernando Carvalho

Viola de 12 Cordas / Violões Nylon - Fernando Carvalho

Bongô - Marcos Amma

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FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO - RECIFE

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Difusão da arte abstrata no Brasil é tema de palestra na Fundação

A palestra “Antônio Bandeira e a difusão da arte abstrata no Brasil”, com a professora do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, Maria de Fátima Morethy Couto, acontece no dia 29 de outubro, às 18h30, na Fundação Joaquim Nabuco. Em pauta, a introdução da abstração informal no Brasil e análise da produção e da trajetória de Antonio Bandeira, artista nascido em Fortaleza que residiu em Paris, trazendo para a arte no Brasil formas ambíguas e imprecisas. A palestra é gratuita e é voltada para artistas, críticos, professores, estudantes de graduação e pós-graduação e demais interessados. Serão disponibilizadas 100 vagas a serem preenchidas por ordem de chegada. O evento faz parte das atividades do Programa Estudos da Cultura: formação em arte e cultura contemporâneas, promovido pela Coordenação Geral de Capacitação e Difusão Científico-Cultural. Para mais informações:
cadif@fundaj.gov.br

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Serviço
O que: Palestra: Antônio Bandeira e a difusão da arte abstrata no Brasil com Maria de Fátima Morethy Couto.
Quando: 29.10.09, às 18h30
Inscrições: São gratuitas, com disponibilidade para 100 vagas a serem preenchidas por ordem de chegada.
Local: Sala Aloísio Magalhães, Fundação Joaquim Nabuco
Endereço: Rua Henrique Dias, 609. Derby, Recife-PE.
Promoção: Coordenação Geral de Capacitação e Difusão Científico-Cultural / Diretoria de Cultura / Fundação Joaquim Nabuco
Informações: (81) 3073-6659/ 3073-6670
cadif@fundaj.gov.br
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terça-feira, 27 de outubro de 2009

DUO SIQUEIRA LIMA - Fernando Lima e Cecilia Siqueira

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Tico-tico no fubá - Zequnha de Abreu (1880 - 1935)

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VAQUEIRO MARAJOARA - ENCANTARIAS, CHULAS E LADAINHAS

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Perau


Mar do povo do rio
Rio do povo do mar
Tudo vem misturado
Pois então é rio-mar

Perau começa no rio
Chega na beira do mar
Formando um só fio
Sem lugar de atracar

A lua aponta o lume
Para águas balançar
O rumo é que resume
Qual a hora de chegar

Balancim que é de ouro
Vem correndo me ajudar
Balancim que é de ouro
É do rio e é do mar



“Jaciara... Jaciara...
Na terra é princesa
Na mata é guerreira
Do mar ela é a rainha”
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(*) Domínio Público adaptado.

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MQ
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CASCA, MUSGO, SOMBRA E COR

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MQ
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GESTOS DE CADA LUGAR

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Telelém-açu...


Sonhei com um moreno
Galante foi como veio
Trazendo pra toda vida
A vida do nosso herdeiro

Acordamos nossa história
Que dormia no fecundo
Esperando pela hora
De juntar os nossos mundos


Telelém... Telelém...
Telelém... Telelém...
Telelém... Telelém...
Erê! Telelém-açu...
Telelém...
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MQ
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CASARÃO DE AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE - RIO DE JENEIRO

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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

ENCONTRO

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Horas perambulando
Pelo langor da madrugada
Momentos sorrateiros
Breves, intensos
Colorindo a sedução

Liberdade do teu desejo
No meu desejo
Liberdade do meu desejo
No teu desejo
Inesperados e necessários

Desdobro de instantes
Queimando a pele
Desenhando minha boca
No teu corpo
E meu corpo na tua boca
Em riscos de cheiros
Ternura e gestos
Se dando em mistura

Encontro de fragmentos
De duas pessoas e a vida
Com o encanto libertário
Sem fronteiras ou limites
No mais profundo do traço
Que o amor pode escolher


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MQ
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SANDRA MARIA QUINAN - RUA

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PAULA ORSI CRUZ E CAIO LOPES

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TE AMO POR TUDO


TE AMO NO ENTANTO

NO ENCANTO DE AGORA
NO PRANTO DE AMANHÃ
NO PASSADO DE ONTEM

TE AMO NA VIDA
TE AMO NA MORTE
TE AMO NO TUDO
TE AMO NO NADA

TE AMO VESTIDA
TE AMO PELADA
AO LONGO DO DIA
PELA MADRUGADA

TE AMO CANTANDO
TE AMO DANÇANDO
TE AMO SORRINDO
TE AMO CALADA

TE AMO POR TUDO
TE AMO POR NADA
AO LONGO DA VIDA
NESTA CAMINHADA

SEMPRE POR PERTO
OU PELA ESTRADA
QUANDO SANTA
QUANDO SAFADA

TE AMO PRA TUDO
TE AMO PRA NADA
TE AMO NO ESCURO
TE AMO NO CLARO

TE AMO HOJE
MAIS QUE ONTEM
BEM MENOS QUE AMANHÃ

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ENTORNO DA BAÍA DE SÃO MARCOS

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MQ
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MÁRIO QUINTANA - O Auto -Retrato

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No retrato que me faço
-traço a traço-
às vezes me pinto nuvem
às vezes me pinto árvore

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão

e, desta lida, em que busco
-pouco a pouco-
minha eterna semelhança

no final que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco


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ROLANDO BOLDRIN - SR BRASIL

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domingo, 25 de outubro de 2009

FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO - RECIFE

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Vencedores do Concurso Rucker Vieira têm lançamento no Recife
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Documentários inéditos premiados no Concurso de Roteiros Rucker Vieira serão lançados na Fundação Joaquim Nabuco dia 26 de outubro, com entrada franca. Criado pela Massangana Multimídia Produções, braço audiovisual da Fundação, o concurso estimula a produção independente de audiovisual no Brasil através de seleção pública de roteiros, prêmio em dinheiro e disponibilização de equipamentos e técnicos para realização da proposta. Os documentários premiados são “Verde terra prometida – laços da Amazônia & Nordeste” (32’), dirigido por Cláudia Kahwage; “Vigias” (26’), com direção de Marcelo Lordello; “As aventuras de Paulo Bruscky” (18’), dirigido por Gabriel Mascaro e “Janela molhada” (22’), dirigido por Marcos Enrique Lopes. Além do lançamento no Cinema da Fundação as obras serão exibidas nacionalmente através da parceria da Fundação com a TV Brasil. Mais informações no site www.fundaj.gov.br .

Serviço
O que: Lançamento dos vídeos premiados Concurso de roteiros Rucker Vieira
Quando: 26 de outubro, às 19h
Onde: Cinema da Fundação
Entrada: Gratuita
Endereço: Rua Henrique Dias, 609 – Derby. Recife-PE. CEP.52010-100
Promoção: Massangana Multimídia Produções Diretoria de Cultura Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) TV Brasil
Informações: (81) 3073.6688 3073.6689
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JEITO DE SENTIDOR - IAIÁ E IOIÔ

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Iaiá e Ioiô


Encantamento
Ai, Iaiá
Alumbramento
Ai, Ioiô

O jeito o amor tem
Ensejo de tanta dor

Acanhamento
De Iaiá
Assanhamento
De Ioiô

Quem pensa que dele escapa
Não sabe do seu calor

Juramento
De Iaiá
Contentamento
Em Ioiô

Esmera desabrochando
Altanado em seu valor

Sopesando
Aí, Iaiá
Meditativo
Ai, Ioiô

Do jeito que ele veio
Quem sabe com ele vou?

Desalento
De Iaiá
Desbotamento
Em Ioiô

Sabe da vida a vida
O tempo é só o feitor


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MQ
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WAGNER HOMEM - SÃO PAULO

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sábado, 24 de outubro de 2009

MANUEL BANDEIRA

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O último poema


Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

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SERTÃO D'ÁGUA - ZÉ DO TUCANO E 13 DE OUTUBRO

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continuação...



Zé do Tucano




Valei-me Padre Santo, foi o que primeiro pensou Zè do Tucano quando recobrou a consciência, quis se mexer e não conseguia, seu corpo era um torpor só. Sentiu foi a dormência nas pernas, nos braços amarrados, a boca repuxando pro lado, abriu os olhos, só enxergou água em volta; o sertão virou mar...?!


Um turbilhão invadiu seu pensamento. O corpo enrijecido contrafazia os movimentos que queria fazer, balançava com a marola. Sua consciência vinha e ia baldando, acompanhando o movimento. Caluta... Merina... Rema... rema... rema... Bité, lembrava tudo junto, era Sabá do Talho era Zé do Tucano. Misturava, Merina... Caluta... rema... rema... rema... o barulho das balas ricocheteando, rente a cabeça, as palhas ardendo, o fogo, a fumaça, o rosto do soldado que ele arrastava para tomar o uniforme.

Ouvia as palavras de Severo na última reunião da Guarda Católica, destacando quem ia furar o cerco e ajudar pela retaguarda do inimigo, atacando o comando das tropas e avariando a matadeira. Ouvia as palavras de Manel da Coroa, tu tem cabeça, Sabá....tu sabe neguciá ... Não conseguia mexer o corpo, as lembranças se misturavam sobrepondo as duas vidas com lampejos. Lembrou-se do Tucano onde nasceu, o pai morto de morte matada, a mãe enterrando filho por filho, seca por seca, até resolver seguir João Abade e o Beato.

Lembrou o Pau D’arco que fez nascer, o canto que ouviu quando lá chegou a primeira vez, entrando no igarapé. A consciência foi voltando no corpo dormente, endurecido pelo veneno, pervagando, a casa de taipa... o pau d’arco florido... mesmo antevendo a morte queria se soltar, contar a Merina quem era, falar da mãe, da procissão de Uauá, do santo Conselheiro, da guerra do Belo Monte.

O amor de Merina entrava pela vida que Zé do Tucano lembrava misturado com Caluta, a guerra... a guerra... agüenta Da Luz, foi cobra... foi cobra... deixa o menino com a gente dele... lambuza só nos prufano... Manel da Coroa num esquece a serra ... Zim... Zim... o balanço da montaria no corpo amarrado com transado, os dejetos escorrendo, a dor e o veneno correndo nas veias, desconforme.

A palha ardendo e ele atrás da tapera do Salobo esperando, já vestido de soldado, se misturar com eles. Passaram uns quatro, o último com uma bandeira na mão, quando o puxou para sangrar, sentiu aquela dor no rosto, nas costas, a escuridão foi adensando.

Dali um branco tomava conta e vinha pelo contar do tenente médico Dalfredo, sua inconsciência de quase ano... o Purus... os curumins afogados... sertão d’água... sertão d’água... Dotéia quero... quero... quero... caso com Caluta, mãe... ela quer... rema de proa, Bité... aprende Bité, evita o corcovo, menino, Dindinha ensinou escrevê e contá, Caluta; ensino ocê... vai fazê breu Dindinha... veneras, Caluta... reza... reza... reza... acode a igreja nova, Zé Preto... num morre Pichim, agüenta home de Deus...

Os benditos e ladainhas rezados por todos na igreja perpassando no meio da guerra... o alvitre do santo pai Conselheiro... corta a corda Bité... atira, atira Dalfredo... a matadeira estrugindo... desfalecia e acordava, sentia a baba escorrer, o balançar da canoa, o cheiro de vela, a voz do santo Conselheiro pregando na igreja velha, o cheiro da andiroba passada nos ferimentos por tanto tempo, Zinhá... Zinhá... suava, suava, desfalecia, sentindo o veneno roendo por dentro.

Viu os dois se entregando no barranco, lembrou Merina cheirando cravo e canela, lembrou Cabeção sangrando o soldado no barranco do Vaza-Barris quase seco. Tanto tudo no Pau d’Arco, no sertão d’água, tanto nada no sertão, rogai por nós, meu santo.

Os urubus no leito do rio... na vila... vamo interra ... no Curro... no Ver-o-Peso... Padre Santo... gente chegando, o Purus... corta o vapor, Adelmo... Belelo, dona Duca... Mããããe... mortos... tantos mortos... Quilimério explodindo atrás do tabique, Caluta num chora, corre pra igreja nova... muçu nucomo... muçu nucomo... panha a pixuna, Bité... sem munição Severo... vai no punhal Severo... Didoro, tu vem, é só um angelim, só a semana, traz Cimeu... tira as mulhé daí, o fogo vem cumendo pela rua do Brás... acode meu santo... serra direito Cimeu... Curiboque morreu...!? vamo arretirá as arma deles, amuntoa no beco... Zinhá... minha mãe... insídia, não vai Teço, corre... corre... alumia Rapinha, a vida vivendo na gente Rapinha...

O suadouro invadia o corpo e logo vinha o desfalecimento.

A maré levava a montaria de um lado pra outro da baía e na consciência que ia e vinha os lampejos de lembrar de suas vidas, a dor, um turbilhão latejava dentro da cabeça, vagando, vagava Zé do Tucano, vagava Sabá do Talho, tudo misturado, pungindo, ora sentente ora sentidor de bubuia no sertão d’água, até o banzeiro na frente do Ver-o-Peso.

Enxergava embaçado as velas dos igarités como fossem bandeiras vindo na frente de um batalhão de soldados estugados, o mar vai virar sertão...?! já virou sertão...!? sertão d’água... protege meu pai Conselheiro... num esforço sobre humano soltou uma das mãos, ofegando e, segurando a cruz feita pelo menino com ramas de mandioca sem livrar totalmente o braço, como se fosse um sabre segurado pelo corte, gritou com a voz tirada das entranhas e da alma:

- Viva Bom Jesus ... viva Antônio Conselheiro...




13 de Outubro




No primeiro movimento, o tenente Alvino engatilhou a arma, quando o ouviu bradar, atirou. Zé do Tucano recebeu a bala entre os olhos, findou ali. O Ver-o-Peso silenciou de repente. No ar somente os gritos lancinantes de Merina e, ao longe, o Pai Nosso que a procissão rezava, passando com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré.

“... perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores...”



FIM

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MQ
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FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO - RECIFE

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Fundação lança vencedores do Concurso de Roteiros Rucker Vieira
A Fundação Joaquim Nabuco e a TV Brasil convidam para o lançamento dos documentários inéditos premiados no Concurso de Roteiros Rucker Vieira, que acontece no dia 26 de outubro, às 19h, no Cinema da Fundação. O evento é aberto ao público e estimula a produção independente de audiovisual no Brasil. Na programação, os vídeos “Verde terra prometida – laços da Amazônia & Nordeste” (32’), dirigido por Cláudia Kahwage; “Vigias” (26’), com direção de Marcelo Lordello; “As aventuras de Paulo Bruscky” (18’), dirigido por Gabriel Mascaro e “Janela molhada” (22’), dirigido por Marcos Enrique Lopes. Além do lançamento no Cinema da Fundação as obras serão exibidas nacionalmente através da parceria da Fundação com a TV Brasil. Mais informações no site
www.fundaj.gov.br .

Serviço
O que: Lançamento dos vídeos premiados Concurso de roteiros Rucker Vieira
Quando: 26 de outubro, às 19h
Onde: Cinema da Fundação
Entrada: Gratuita
Endereço: Rua Henrique Dias, 609 – Derby. Recife-PE. CEP.52010-100
Promoção: Massangana Multimídia Produções Diretoria de Cultura Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) TV Brasil
Informações: (81) 3073.6729 3073.6695
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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

CASARÃO AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE - RIO DE JENEIRO

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ORAÇÃO DE FLORESTA E RIO - peregrinos

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para albery júnior


peregrinos
juntados na emoção
que um canto chão
mistura os hemisférios
na corda rouca
de um velho violão
na voz que tira
das palavras os grilhões

lembrando todas as manhãs
que fora nas latitudes
a hora certa de chegar
de não ir
nas longitudes que feriu
cordas em solidão
nenhum caminho foi em vão
é em vão

a geografia das lágrimas caindo
respinga cores
nas pegadas
dos peregrinos

ao redor da manhã

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MQ
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NÁ OZZETTI - SÃO PAULO

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VAQUEIRO MARAJOARA - ENCANTARIAS, CHULAS E LADAINHAS

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Viração de tartaruga


Paxicá faz-se do fígado
Preparado num guisado
Usando pouco tempero
O sabor é bem falado

Arabu faz-se depressa
Ovos crus numa gemada
Para sustentar o corpo
Em qual for sua jornada

Manta de filé assado
E farinha amanteigada
Da manhã no tabuleiro
Viração já encerrada

Seu casco vira panela
Contém sal e a gordura
Já nasce bem temperada
Com sabor de criatura






“Pitiú do tracajá
Muçuã que recolhi
Cada qual no seu tempero
Sabido é o jabuti”


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MQ
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EMÍLIA MONTEIRO - BRASÍLIA

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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 24.10.09

O destaque do 1º bloco vai ser a Coleção Choro Carioca - Música do Brasil. O autor enfocado é o flautista Belmácio Pousa Godinho. Nascido em Piracicaba-SP, em 1892, foi seresteiro, compositor e tocava em cinemas e bailes de sua cidade natal.

No 2º bloco, o destaque vai para pianista carioca Carolina Cardoso de Meneses, nascida em maio de 1916. Filha do pianista Oswaldo Cardoso de Menezes, participou da gravação histórica do samba Na Pavuna, composição de Almirante e Homero Dornellas.

No 3º bloco, uma obra importante para os amantes do choro: o CD Um Violão na Roda de Choro, terceiro disco solo de Zé Paulo Becker, um dos grandes violonistas brasileiros da atualidade.

O 4º bloco (choro cantado) traz a revisita da cantora, compositora e violonista brasiliense Milena Tibúrcio e o som do seu primeiro CD, homônimo, lançado em 2005.

O 5º bloco apresenta as músicas homenagens do CD Choros Nº 3 – Homenagem a Canhoto da Paraíba, do obstinado compositor Inaldo Moreira, um ícone do choro e do frevo pernambucano.

Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília:
www.radio.camara.gov.br - sábados, 12h.
Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro:
www.fm94.rj.gov.br
Rádio Universidade FM, Londrina-PR, quintas-feiras, 22h.
Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h

Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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SERTÃO D'ÁGUA - A PROCISSÃO DA TRANSLADAÇÃO

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continuação...


A Procissão da Transladação



Com a madrasta e a tia, Merina seguia em fervorosa oração, quando o começo da Procissão do Translado já entrava na Praça Frei Caetano Brandão, levando a imagem de Nossa Senhora de Nazaré.


No Ver-o-Peso, um tumulto se formava. Pessoas correndo, gritando: - é a visagam. Muitos abandonando a procissão para ver de perto. Zinhá não resistia à curiosidade. Vinha acompanhando tudo que podia sobre o estranho caso. Puxou a cunhada e a sobrinha, quase à força, para ver.

Quando iam chegando perto, aconteceu alguma coisa que espalhou a multidão. Elas só ouviram um grito rouco, desesperado que não dava para identificar o que queria dizer. Destemida, Zinhá contagiava a sobrinha e a cunhada para chegar perto. O povo se juntou novamente, atrapalhando as três devotas. Merina, ainda de véu na cabeça, querendo voltar, a tia no meio do empurra-empurra, puxando-a pelo braço. À medida que a visagem mexia e emitia aquele som grave, engasgado, a multidão quase se dispersava de medo. Uns mais corajosos, pulavam dentro dos igarités para se aproximar mais do ente; outros o enxergavam pelo entremeio das velas.

Manel da Coroa também largou a procissão e correu pra ver o que era aquele ajuntamento e aqueles gritos. Curioso, entrou por de lado no necrotério e pôde ver a visagem bem de perto e, apesar do dia cedendo à noite, pôde reconhecer a canoa, conhecia aquela montaria, conhecia o chapéu... meu Deus! Era o amigo Sabá... meu Deus! – pensou, saindo correndo no rumo do pelotão por entre o povo gritando... não ...não...nããããão...! Seus gritos se perdiam no meio de outros gritos na procela formada. Caía e levantava, tropeçando na multidão que o pisava, descontrolada.

Merina desmaiou nos braços da madrasta ao ver Sabá na cadeira dentro da canoa, com uma cruz tosca no peito, enfiada por entre as cordas que o amarravam, o semblante desfigurado, tentando se soltar, parecendo ali muito maior que era e gritando coisas que ninguém entendia.

Zinhá e Bilinha o reconheceram também e choravam sem entender direito o que se passava, abanando Merina desfalecida e chamando por Nossa Senhora de Nazaré. As pessoas em volta nem prestavam atenção, o que queriam era ver de perto a visagem.

Quando voltou a si, a multidão ensandecida jogava tudo que achava pelo chão. A brigada com seus homens armados sob o comando do tenente Alvino - enquanto Merina gritava: Pára... pára... pára... é o meu marido! - tomavam posição de atirar, o tenente fazia mira. Merina correndo para os soldados: não... não... não... é o meu marido, pur Nossa Senhora de Nazaré, nããããããããão!

continua...


MQ
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CUÍRA APRESENTA: PRC5 NO THEATRO DA PAZ - BELÉM

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CAMILO DELDUQUE - O ESTILETE DO DIABO, UM SANTO ATREVIDO E O BURRO PERGUNTADOR

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Vim de outro lugar
Era um teto amarfanhado
Dele eu caí

Uma lua fanhosa
Acendeu minha melodia
Mostrando no dia o enjôo das antipatias

Eu vim de algum lugar
Nos livores do desejo
Nas babas da permissão

Acho sim que vim de mim
Apenas para cair
Embriagado pela indecisão

01.05.03
Bar Pirajá

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BIRATAN PORTO

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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MÁRCIA CORRÊA - Um cuidar descuidado

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Havia dias que passava pelo pátio e olhava de soslaio para o pé de crisântemos amarelos, plantados no vaso marrom de tintura corroída. Gostava dos vasos assim, feito fotos antigas, repletas de emoções e marcas. Os galhos e folhas secavam a olhos vistos e ela não compreendia.


Naquela noite, bem tarde, quando a casa estivesse mergulhada em silêncio, podaria os galhos e limparia as folhas secas. Mas, dias se passavam e ela deixava por conta do tempo. O que haveria de ser? Excesso de exposição ao sol... Talvez os exageros da chuva. De passagem, arrastou o vaso para a curva do pátio onde a sombra poderia abrigar as flores da luz frontal, deixando um rastro de terra preta no piso.

Era assim que lidava com a iminência da morte. Nunca soubera direito o que fazer com o fim das coisas. Tinha mania de eternidade. Ficava perdida, adiando as providências, as decisões, as atitudes. Era como se contasse sempre com o invisível para fazer por ela, o que rogava por seu único e insubstituível reconhecimento.

Os crisântemos a olhavam desalentados e ela os evitava. Mas sofria. Até que noite dessas, debaixo de um manto azul marinho bem escuro estendido sobre o infinito para enxugar o céu, pegou a tesoura de costura que nunca parava no mesmo lugar, e foi podar a planta agonizante. Agachou-se e passou a cortar os galhos esturricados e as folhas sofridas – dava dó cortar as flores. Parecia doença de dentro.

Seu fazer era desajeitado de todo, sem delicadeza. Tinha pressa em não ver as coisas assim. Era como se não acreditasse – e não acreditava, que pudesse ser fonte de socorro prestimoso, de auxílio proveitoso à vida ali em solvência. Fazia porque tinha dó, mas no cuidar sem crer punha toda a esperança de aprender.

Feita a poda, lembrou de revirar a terra em volta do serzinho frágil vestido de flores amarelas. Enfiou a tesoura longa pelas laterais do vaso afofando a terra preta enrijecida. Seria assim mesmo? Com a tesoura servia? Parecia-lhe mais uma agressão que um cuidado. Era assim que cuidava então?

A pressão no canto dos olhos anunciando o sono cutucava seus sentidos. Era tão tarde que a rua perdera o senso de viver. Olhou mais uma vez para os crisântemos desmilinguidos e quase pediu perdão a eles. Na verdade pediu. Por seu descaso, por sua ausência afetiva, por seus cuidados toscos, por sua falta de crer. Com os olhos pediu a eles que não morressem. Que lhe dessem mais uma chance.

Penalizava seu coração não mais ver o buquê amarelo colorindo o pátio. As delicadas pétalas finas e fartas projetadas para todos os lados como se fossem raios de pequenos sóis. Fechou a porta e carregou consigo aquele torpor que lhe ocorria sempre que se anunciava um pensar mais fundo sobre as coisas acontecidas. Chegara a hora de se encontrar com os adiamentos.

Caminhou até a varanda dos fundos da casa, olhou o quintal às escuras e deixou vir o choro represado. Não havia como contê-lo nessas horas. Tinha vida própria, ritmo acelerado e volúpia. Desmanchava suas defesas e desfazia a tinta das metáforas que ela pintava em torno de si mesma. Chorou ao Criador naquela noite... Não quero que eles morram... Não quero ser assim com as criaturas...

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Márcia Corrêa - http://novopapeldeseda.blogspot.com/
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AÇOUGUE CULTURAL T-BONE - BRASÍLIA

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SERTÃO D'ÁGUA - NO SARAU NA CASA DO POETA CAMARGO NETO

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continuação...




No sarau na casa do poeta Camargo Neto





Os presentes ouviam atentos as palavras elogiosas com que Camargo Neto falava dos convidados. No canto da sala, Dr. Artur conversava com Sena Tavares, do Instituto Histórico e Geográfico, ladeado pelo poeta Júlio Manoel e o escritor Sérvio Malta, contando os fatos apurados pelo seu jornal e confirmando o protesto que faziam diante do engodo montado pela intendência, bispado e pelo governo estadual.


No canto da sala dona Beviláquia quase em sussurros contava à comadre que a filha seguira para Manaus no começo da semana, acabado o resguardo e que graças a Deus não encontrou o filho da dona Lila. Foram meses de apreensão com medo do rapaz saber que Maria Isabel estava em Belém e a procurasse. Contava do genro, tão bom, tão distinto.

Dona Matilde, ao piano, executava a partitura que o marido lhe presenteara, sem se importar com a desatenção de alguns presentes. Desde que a tocara a primeira vez, era a preferida de seus convivas habituais. Agora, todos ali iriam conhecer o jovem compositor que tanto sucesso fazia.

Entre licores e vinho do porto, a reunião se animava com o poeta Camargo Neto, contando suas impressões da viagem que fizera, seu contato com o modernismo que tomava conta da poesia no velho mundo, o abandono da estética pelo conteúdo, o encadeamento da metáfora com a realidade popular. Contava ter visto nas artes em geral, música poesia, teatro, literatura e até na pintura, os artistas buscando essas novas formas. Fazia severa crítica ao jornalista da Província, pela primeira página do jornal naquele dia: os versos de dona Noemi, mesmo belos, não possuíam a contundência para sua manifestação. Haveria ele de conhecer o jovem poeta paulista, a quem homenageavam com aquela reunião, e lhe beber os versos. Havia de se deliciar com o jovem compositor e sua música, já famosa nas salas cariocas.

As horas se passavam e nada dos convidados. Camargo Neto, inquieto, sorria sem graça, justificando serem dois jovens muito excêntricos e talentosos de passagem rumo a Manaus. De certo algum motivo teriam para o atraso.

A Procissão da Transladação já vinha vindo, os convidados se juntaram na sacada em orações. O anfitrião pensava: um convite aceito com tanta cortesia e a desfeita daquele atraso... olhava o relógio quando o mensageiro chegou com o bilhete, onde se desculpavam pela ausência, estavam acamados no hotel com indisposição devido ao prato popular, paxicá, que haviam comido na véspera, no Arraial de Nazaré. Enviavam com suas desculpas o poema “ Cruzeiro do Norte” escrito naquela manhã e a partitura da peça “Quadrante Norte”, concluída naquela tarde.
Dona Matilde mal esperou a procissão passar e já estava executando a partitura no piano, para deleite de todos que riam da extravagância dos dois artistas, com aquela comida indigesta. O poeta Camargo Neto aguardou o término da execução para ler embevecido o poema:

Cruzeiro do norte

Estão lá
Sem simetria
Nem ereto
Nem deitado
O traço das estrelas
Esta nu
E crucifica o olhar
Que na noite
Quer o norte
São no quadrante
Luminosos pontos
Que entregam à noite
Seus sinais
Sem cruz
Que ensina os caminhos
Em gestos
De luz

O silêncio foi total. Por instantes ninguém se manifestou até que o anfitrião exclamou:

- É de fato um modernista, está aqui. Batendo na folha de papel.

A sala ficou ainda em silêncio, muitos não compreendiam. Sena Tavares se manifestava quase que ofendido; Dr. Artur sorria com o constrangimento no ar, imaginando alguma coisa, assim, no lugar dos poemas da sobrinha. Que reação provocaria no bispado e nos leitores?

As discussões tomaram conta do ambiente até a chegada inesperada do Dr. João Freitas, à procura de Dr. Artur com a notícia do Ver-o-Peso.

continua...


MQ
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ESTER JABLONSKI - ENCONTRO COM CLARICE - RIO DE JANEIRO

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terça-feira, 20 de outubro de 2009

RIO DO BRAÇO

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Sereno

(Marcos Quinan)

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Arranjo - Eudes Fraga
Violino - Murilo Fonseca
Violão de Aço - Eudes Fraga
Percussão - Marcos Amma
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SERTÃO D'ÁGUA - PENSÃO DA FLORETE

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continuação...


Pensão da Florete



- Morro de medo dele não me querer mais, mudar o costume. Sem fama é melhor. Em que minhas letras vão adiantar de hoje em diante? Fui ensinando, corrigindo o que escrevia... igual com Ranulfo. Agora só no jeito dele mostrar o jornal, vi! vai me querer de um outro modo, querer me montar casa, e pra rabicho, fica com a Duca espanhola. Já vi o jeito dele olhar pra ela.

- Ajudei, ajudei tanto... ele me quis por isso. Lambuzar no saber garantido da professora, da amante de Ranulfo, trocada por coisa nova. Veio, veio querendo a sobra do já famoso, me importar por quê? Nunca importei, gosto. Gostei de tantos homens... não fosse assim tinha ficado na escola tolerando o Tadeu, querendo, querendo e me tendo... um falso, negando tudo pra irmã Alva, me deixando falada. Até os alunos querendo, e eu também querendo escondido; querendo descarado na rua, ensinando, querendo conhecer logo uma pensão de quartos.

- Gostei, gostava e gosto de muitos num dia só, mas de um só pra chamego. Quero cuidar, acordar com um pensando que é ele; esconder o vinho quinado de dona Florete... meu dinheiro, dele. Dar roupa nova, tirada do meu corpo, que depois tiro do dele.

- Fazia conta de querer amasio em casa no Reduto não! Queria era ele, esperando outros homens acabar de deitar comigo, depois ele dentro da minha carne, desfrutando dum pedaço que cada um deixava escondendo porta a-dentro do quarto.

- Tinha tristeza ver ele mostrar o jornal, cada palavra saída de mim, Dulcina, professora do Instituto; de mim, Dulcina, desamasiada do jornalista Ranulfo, da Província. De mim, Dulcina, contentando com seu terno de brim, com seu jeito franzino de esperar na sala a freguesia sair. Esperar o gole do vinho quinado surrupiado deles, o meu corpo surrupiando o dele.

- Minha vida era minha vida do jeito que quis, que todos os homens queriam. Dona Florete sabia porque ficava na sala a polaca, chegada recente, a Carmem espanhola, de lábios carnudos, não sabia. Fingia barato, mas Cheiro Verde criava fama, como criou Ranulfo no tempo dele. Eu gostava de fingir que não gostava. Fingir obrigação, mas os homens no meu quarto queriam minha verdade, meus modos de tirar as deles.

- Era assim que era. Assim como nem Ranulfo, nem Cheiro Verde nunca perceberam. Ia na procissão. Ia sim, com minha mantilha espanhola e minha fé.

continua...


MQ
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BIBLIOTECA NACIONAL DE BRASÍLIA

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GESTOS DE CADA LUGAR

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São Luis


Erê! Beco da Bosta
Telelém... Mestre Assuero
Histórias de cada lugar
Com o Rosa de permeio
Telelém... Telelém...

Erê! Abriu a roda
Mandinga saiu do chão
No jogo de capoeira
Sou mais eu, meu irmão

Quebra gerêba
Apanha no chão
Punga mais um
Já sou seu irmão

Erê! Olhei pra ele
Chamou, joga mais eu
Foi quando eu percebi
Seu corpo rimar o meu

Erê! Beco da Bosta
Telelém... Mestre Assuero
Histórias de cada lugar
Com o Rosa de permeio
Telelém... Telelém...

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MQ
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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

KARIPUNAS, MAROWORNOS E WAIÃPIS - MACAPÁ

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VAQUEIRO MARAJOARA - ENCANTARIAS, CHULAS E LADAINHAS

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Vaqueiro Juvêncio


Juvêncio encosta a canoa
Vem contar seu segredo
Qual foi dos encantados
Que escreveu seu enredo

E conte também se a lua
No luar te temperou
Com o visgo da saudade
Pra lembrar o que amou

Diz em qual cavalo monta
Cavalgando tantos anos
Se tem dor que ainda resta
Agarrada aos desenganos

Juvêncio encosta a canoa
Vem contar seu segredo
Me diga qual foi o lugar
Aonde deixou seu medo

E se algum ser mantém
Amarrado em seu quintal
Que fornece a juventude
Desse jeito natural





“É de qualquer mistério
Que tiro minha precisão
No canto que me prepara
Para o tempo de então”

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MQ
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JOÃO ARAÚJO - VIOLA URBANA

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SERTÃO D'ÁGUA - ESTADO DO PARÁ

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continuação...


Estado do Pará


Apesar de saber de tudo, Tibúrcio Maia fingiu surpresa com a notícia e mandou fazer a cobertura, inclusive que levassem um fotógrafo.

Desde que viera para ajudar a fundar o jornal, estava acostumado a obedecer sem questionar nada. Afinal, o jornal era do partido do governo e seu interesse em uma nomeação política de maior importância era muito grande. Desde que veio de Cametá, estudante ainda, sempre conseguiu subir: o casamento, o emprego com o sogro, depois o jornal, no ano passado a diretoria da festa de Nazaré, e agora comandando sozinho o Estado, depois da briga com João Merino. Homem de confiança do governador, disse-lhe o intendente, estava exultante.

Quando o Estado do Pará saiu nas ruas, foi um acontecimento: os comerciantes festejavam; no Ver-o-Peso nem o Caviana, freteiro dos mais conhecidos, falando que viu a visagem naquela madrugada, pôde reacender os boatos. O Porto do Sal voltou à normalidade; nas estações a confusão desapareceu, os bondes transitavam normalmente; o teatro Ideal confirmava o programa e no arraial todos comemoravam. As pessoas começaram a retornar. Um sucesso o engodo armado. Entretanto, a brigada continuava de prontidão. A Folha do Norte publicava “A VIDA DO PESCADOR PLÁCIDO”, a Província do Pará vinha com a manchete “ POEMAS À NOSSA SENHORA DE NAZARÉ” e no Estado:

BAÍA DE GUAJARÁ
LIVRE DA VISAGEM

“Graças a pronta intervenção das autoridades que, nestes dias de pânico, tomaram todas as providências para garantir a segurança da população, foi abatida a tiros, esta tarde, nas imediações de Mosqueiro, pela alvarenga da capitania, comandada pelo sargento Abdias, da Brigada Militar, a visagem que nos últimos dias espalhou o terror pela baía de Guajará.

A patrulha naval, composta de quatro alvarengas, estava equipada com armas modernas e homens treinados e não teve nenhuma dificuldade em cercá-la no largo da ilha de Mosqueiro.
Conforme relato do sargento Abdias, quando acuada, ela se mexeu e os soldados dispararam a carga mortífera de uma canhoneta cedida pela brigada, especialmente para a operação.

O ser, depois de um grito rouco, calou-se para sempre, sumindo no ar, e as bolas de fogo que a acompanhavam, mesmo durante o dia, se apagaram como por encanto.

De toda a operação, sobraram apenas destroços da canoa, que oportunamente serão mostrados à população.

Ainda sob investigação da polícia estão as duas mortes ocorridas na Vila do Pinheiro. Os corpos estão sendo exumados para exame, uma vez que ambos apresentam sinais de violência, conforme testemunhas e familiares das vítimas.

Após a divulgação da operação bem sucedida da capitania, com a coordenação da Brigada Militar e da Intendência Municipal, a normalidade volta aos portos, feiras e estações. A população sai às ruas sem tumultos, as pessoas que fugiam para o interior começam a retornar.

A diretoria da festa do Círio de Nazaré espera um número muito grande de fiéis na Procissão da Transladação.”

continua...


MQ
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CIRANDA EM CENA - RIO DE JANEIRO

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domingo, 18 de outubro de 2009

INVENÇÕES

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O que não te posso dar
Em todas as horas de viver
Dou-te assim, no pensamento

O corpo de outras mulheres
Ainda me lembro, era o teu
A voz de todas elas
Eu sei que era a tua
O olhar, se as amei
Só poderia ser o teu

A ti pertence o pensamento
Deslembrando o tempo
E as vezes que morri
Antes de te reconhecer

Mando as horas pra frente
E te dou vivido, o que sou
E o que finjo e finjo tão bem
Que sou a mentira me crendo real
Em todas as horas de viver

Dos momentos antes de te conhecer
Até os instantes, os últimos que vou ter

Também te invento inteira
No meu pensamento
E te imagino minha e verdadeira
Para jamais esquecer


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MQ
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JAC. RIZZO

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De passos leves...

Na minha solidão
só tu podes entrar


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VINÍCIUS DE MORAES

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O Haver


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir,
essa Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

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sábado, 17 de outubro de 2009

MARISA PITALUGA

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Pelas Canções


Plangência numa viola,
suavidade num violino:
explode a alma do menino
voando saudade afora...

Rio do Braço que abraça
as belezas de um cantar,
deixando por onde passa
um desejo de chorar !...

Dos ouvidos vai ao fundo
buscando longe a demanda:
fechar os olhos ao mundo
para seguir a ciranda

- tanto gosto de Natureza,
de mel, mucama e flor;
-rodopios de Pureza
nas vivências do Amor...

Maior que a “luta de Vó Caluta”
é a dor de voltar sem ficar
pois da saudade se escuta
um constante murmurar...

Embora a queixa do ter ido,
jamais caberia no espaço
o caminho percorrido
muito além do Rio do Braço...

Hoje fala grande nas notas,
sopra o perfume gerado
pelos giros das amplas portas,
pelo mundo empurrado:

São seus dotes de Grandeza,
o cerne da Sensibilidade;
seu caminhar de Firmeza,
em plena Suavidade
de cantar festanças
de viver saudade
de saudar lembranças
de não ter idade...


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MARINA QUINAN

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FALÉSIAS DA QUILHA DA ILHA DE CRÔA

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Ondas banham as cores
Na luz da terra brotando
Brilhos, tons e texturas
Na vida se desenhado



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MQ
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EXPOSIÇÃO VIRTUAL - O POVO DO BELO MONTE

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