sexta-feira, 31 de julho de 2009

ABRIGO PARA UM VIOLEIRO ANDANTE - BRAÇO DE RIO

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Braço de rio
(Marcos Quinan / Camilo Delduque)


Aonde o boto infesta
A barriga da fome
Sem nome
É um sorriso uma festa
O rosto morto frio
Um fio de vida
Um rio que abraça
O pito a seresta
Vigora agora e sempre
O barranco de barro branco
Canto de bem amar
Encanto de maresia
Quedado suspiro de gravidez
Expiação de desejos
Ensejo de espumas
Inspiração de barcos
Braço de rio
Mão de morte
Dedos afoitos desta viola
Timbó de alegria
Ensejo de amar o mar
Ensejo de amar o mar

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Vozes – Juraildes da Cruz e Eugênio Leandro
Arranjo – Fernando Carvalho
Violão e viola de 12 – Fernando Carvalho
Percussão - Zamma

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ENTREATOS - Sensações

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Não queria saber de mais nada, achava sempre que estava melhorando e não percebia que a ponta dos dedos começava a se achatar, as unhas entravam na carne.

Os olhos iam perdendo o eixo do movimento normal, a pele murchando. Na boca, os lábios se repuxavam para dentro; no nariz, a deformidade adquiria um tom avermelhado e o conjunto produzia um mal-estar em quem visse.

Sentia dor, muita dor; a ereção rasgava suas entranhas. Assim eram seus dias e noites; não conseguia esquecê-la, vivia tentando e, assim, confirmava sua loucura.

Sentia o cheiro, a textura da pele, a maciez dos grandes lábios; o pensamento a tinha inteira nas sensações, amava e a queria. Amava e a tinha, amava e a perdia.

Um jogo, uma execução. Ele, o carrasco, era egoísta, covarde e não dormia nunca.

Queria não matá-la dentro de si e ela vivia, queria matá-la fora de si, mas ela não existia.

Esquizofrenia, lapsos de memória, desatenção e muitas esquisitices viveram nele, porque, na verdade, queria matar-se sem matá-la.
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MQ
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TERRA DO CHÃO

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MQ
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quinta-feira, 30 de julho de 2009

ENTREATOS - O tempo

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Saía, de fato, era do pensamento; o que se pensava quantificado vagava pela intuição, sabendo da responsabilidade do realizado.


Andava pelo que permitia as circunstâncias, mas era pontual nos compromissos, usava o convencionado como respeito.

Dentro, o tempo não tinha nenhuma relevância, não percebia o desgaste do corpo nem o mundo mudando ao redor. Vivia dando conta de viver.

Um amor impossível, muitos projetos em andamento. Certezas: nenhuma; dúvidas: nenhuma. Vivia dando conta de viver. O tempo era uma abstração.

Um dia chegou em casa mais cedo; mergulhado no pensamento, encheu o copo, colocou uma música. Nem se sentou. De repente, deu uma vontade enorme de sair, andar pela rua, sentir a noite e vagar sem rumo. Deixar-se perder pelas lembranças e questões.

Andou poucas quadras até ser surpreendido pela voz rouca chamando seu nome. Olhou para um ponto qualquer esperando ver quem chamava. Ouviu novamente. Só viu a sombra quando já caía sem vida, com a frase perambulando por seu corpo, ecoando:

– Apesar de não acreditar no tempo, o seu acabou.
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MQ
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PÁTRIA TRISTE II

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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 01.08.09

No 1º bloco vamos falar sobre a Música de Barbeiros e a influência que as barbearias tinham, na primeira metade do século XIX, para a música brasileira. Na parte musical, Capitão Miguel Rangel, flautista e compositor nascido no ano de 1845.

O 2º bloco apresenta o grupo Choro na Feira, do Rio de Janeiro, que faz releituras de eternos clássicos do samba e o som do CD Na Cadência do Samba, com 12 composições muito bem selecionadas.

O 3º bloco destaca o flautista Ricardo Kanji e o CD Não tem Choro - Ricardo Kanji Chorando com Amigos. A curiosidade é que todos os choros são interpretados em flauta doce ou flauta transversal barroca.

O destaque do 4º bloco, do choro cantado, vai para o encontro de talentos do poeta e letrista carioca Guilherme Godoy com pianista e compositor sergipano Sérgio Botto e o som do CD O Samba Sabe o Que Quer, repleto de sambas e choros de qualidade.

No 5º bloco, o destaque vai para o duo goiano Com a Corda Toda, formado pelos violonistas Pedro Braga e Luiz Chafin e o som do CD Retrato, segundo da carreira do duo, lançado em maio /2009.

Ouça pela internet:

Rádio Câmara, Brasília:
www.radio.camara.gov.br
sábados, 12h.

Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro:
www.fm.94.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.

Rádio Universidade FM, Londrina-PR
quintas-feiras, 22h.

Rádio Utopia FM, Planaltina-DF
quartas-feiras, 18h

Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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TERRA DO CHÃO - Reflexos

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quarta-feira, 29 de julho de 2009

QUILHA DA ILHA DE CRÔA

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VAQUEIRO MARAJOARA - ENCANTARIAS, CHULAS E LADAINHAS

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Fumando o Tauari
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Convidados: Nilson Chaves, Celso Viáfora, Joãozinho Gomes e eu, estivemos no Marajó onde passamos uma semana, embrenhados nas fazendas das margens do Paracauari na perspectiva de conhecer mais profundamente os valores culturais do Marajó e traduzi-los na nossa criação individual ou mesmo idealizar algum trabalho coletivo tendo como foco a cultura da Ilha de Marajó.

Lá freqüentamos a lida do vaqueiro e as pajelanças, ouvimos historias, chulas e ladainhas, recolhendo tudo o que pudesse traduzir o lugar e sua gente.

A idéia coletiva foi de um documentário cuja figura central seria o vaqueiro marajoara que, em nossa observação, sintetiza toda a cultura marajoara – seus modos, as chulas, ladainhas, pajelanças e a solidão que paradoxalmente os une em vez de separá-los. O jeito de lidar com a natureza, com o gado vacum e bufalino e com as águas e a estiagem.

O documentário seria todo narrado pelo vaqueiro centenário Preto Juvêncio e baseado em sua experiência de vida e de seus companheiros de profissão. Escreveríamos o roteiro, as músicas e canções baseadas nesta narrativa.

Lamentavelmente o projeto do documentário não vingou.

Do material recolhido, historias, palavras, modos, crenças, pajelanças, doutrinas, oralidades, vestimenta, sensualidade, amores, formas de lidar com o trabalho, as encantarias, comidas, remédios naturais etc... transformei num feixe de poemas. Sempre com o canto de uma doutrina (canto de pajelança) recolhida e adaptada ou mesmo criadas para funcionar como sabedorias em cada texto escrito, já com intenção de serem musicados, na tentativa de reavivar as chulas e ladainhas marajoaras.

Neles transpiram o vaqueiro marajoara e sua luta cotidiana. A rudeza dentro da harmonia que é sua vida. Seus quereres, fazeres, jeito de falar e a convivência social, o respeito com a natureza e a sabedoria de seus menores modos.

Aqui serão postados sempre com este título durante os próximos meses
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Para:

Jacaré
Preto Juvêncio
Ruxita
Elvira
Alacizinho
Nilson
Celso
e
Joãozinho


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“No coração a gente tem é coisas igual ao que nem nunca em mão não se pode ter pertencente...”

João Guimarães Rosa


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Vez em sempre
Os pés descalços
Calçando o mundo

No lugar que passado
Não é longe

No lugar marajó
Meu sertão



“Onde índio se escondeu
Quilombola já se escondeu
Curiboca esconde agora”






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Vaqueiro velho do Desaguadouro


Nos campos virentes
Lá no Desaguadouro
Lugar de aruanãs e acarás
De salga e aningueiras
Aracus e curimatás

Onde só caboclo sabe
Qual caminho de chegá
Ensina pra todo mundo
E ninguém sabe encontrá
Teve gente que por perdido
Se aportou em Muaná

Lá vive um ser cambado
Que se esforça pra andá
Parece com mucura
Imita tamanduá
Um ser que não tem tamanho
Mas tem jeito de atacá

Com semblante encanecido
Duas sementes no olhá
Sabe cantá dolente
Encanta quem apreciá

Dizem que foi vaqueiro
Nos tempos lá do passado
E sofreu a desventura
De amor atraiçoado

Por isso quando caboclo
Vai por lá trabalhá
Põe algodão nos ouvidos
Evitando se encantá


“Montaria derrubou
Vaqueiro ficou cambado
O amor desgovernou
Andou pro outro lado”

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terça-feira, 28 de julho de 2009

ABRIGO PARA UM VIOLEIRO ANDANTE - Minuano

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Minuano
(Eudes Fraga / Joãozinho Gomes / Marcos Quinan)


O sopro do minuano
É um passarinho sem cor
Tão bonito quanto um beija-flôr
Mas não se enxerga a voar
Tal gavião ou condor
Só se escuta o rumor

O sopro do minuano
Mexe as cadeiras do amor
Quando afoito se dana a voar
Leva na cauda o folguedo
Quadrilha do buriti
Boi bunbá do urubu

O dia que ele voar
Prás bandas do norte
Que leve uma prenda
Para o meu amor
Um galho de jequitibá
O som das montanhas
Um sopro de brisa
Para o seu calor
Um botão de rosa
Prá enfeitar uma flor

Surge nas bandas do sul
Atravessa as serras, os gerais
Rodopia fazendo sinais
Nos trieiros se arvora a dançar então
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Voz – Cláudio Nucci

Arranjo - Roberto Stepheson

Violão – Eudes Fraga

Violino – André Cunha

Viola – Ivan Zandonade

Cello – Saulo Moura

Percussão - Zamma

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Encontre na www.ladodedentro.com.br

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PAULO MENDES CAMPOS - Os Lados

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Há um lado bom em mim.
O morto não é responsável
Nem o rumor de um jasmim.
Há um lado mau em mim,
Cordial como um costureiro,
Tocado de afetações delicadíssimas.

Há um lado triste em mim.

Em campo de palavra, folha branca.

Bois insolúveis, metafóricos, tartamudos,

Sois em mim o lado irreal.

Há um lado em mim que é mudo.

Costumo chegar sobraçando florilégios,
Visitando os frades, com saudades do colégio.

Um lado vulgar em mim,
Dispensando-me incessante de um cortejo.
Um lado lírico também:

Abelhas desordenadas de meu beijo;

Sei usar com delicadez um telefone,
Nâo me esqueço de mandar rosas a ninguém.

Um animal em mim,

Na solidão, cão,
No circo, urso estúpido, leão,
Em casa, homem, cavalo...

Há um lado lógico, certo, irreprimível, vazio

Como um discurso,
Um lado frágil, verde-úmido.
Há um lado comercial em mim,
Moeda falsa do que sou perante o mundo.

Há um lado em mim que está sempre no bar,

Bebendo sem parar.

Há um lado em mim que já morreu.

Às vezes penso se esse lado não sou eu.
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BIRATAN PORTO

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ENTREATOS - Três sinais

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Foram três sinais. O primeiro, quando levou a mão no punhado de terra, sentiu seu olhar ser chamado. O segundo, ao ouvir uma música longe, como passando para atrair sua atenção. O terceiro, ao enxergar a mulher no portão parecendo esperá-lo. Sentiu um calafrio, ia lentamente em direção a ela, parecendo um sonâmbulo.

Sentia-se no meio de uma multidão que não existia, passava pelos corpos irreais e ouvia o barulho do ar mais denso sendo atravessado por seu corpo.

Quanto mais se aproximava do portão, mais entorpecido ficava. Ela tinha tudo que ele queria não perceber numa mulher. Mas ali estavam, agora frente a frente; olharam-se longamente.

Ela estendeu a mão e chamou.

“Vem... sou agora tua realidade, sou quem nunca conseguirás enterrar e nem desenterrar de dentro de ti; sou tua, inteiramente; aceito o que quiseres de mim e, quando quiseres, te terei.”

“Sou tua e também és meu. Querendo, chama-me, sempre.

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ANDRÉ GOMES, AUGUSTO RODRIGUES E HELOÍSA SOUSA - BRASILIA

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segunda-feira, 27 de julho de 2009

OBRA PRIMA DA CULTURA BRASILEIRA - VINÍCIUS DE MORAES

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ENTREATOS - Espera

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Passava o tempo na porta da emergência, sempre próxima dos que pareciam sofrer mais com a falta de notícias.

Rasgava a folha no meio, depois o meio no meio, até picar todo o papel em pedaços minúsculos e ficava de lado, solidária na espera.

Quando algum familiar saía, depois da única visita permitida, era a primeira a querer ouvir sobre a situação. O semblante acompanhava o teor do relato e as mãos acalmavam ou aceleravam, mediante as reações da família.

Rasgava preferencialmente revistas, os jornais soltavam muita tinta; falava, ia tirando dos bolsos as folhas, conduzindo seu ritual de cálculos quase geométricos para produzir pedaços de menos de um centímetro que colocava no saco de plástico até enchê-lo e, num instante, jogá-lo na lixeira.

Perguntada se era parente do acidentado, respondia: “só conhecida”. Onde morava: “ora, no albergue e na rua”. Por que passava o tempo todo picando papel, respondia: “acalma, enquanto espero”. Espera o quê? “Notícias ora”. Mas notícias de quem? “De quem precisa, ora”.

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CAMILO DELDUQUE - Nós

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Eu contido no verso
Tu contida no avesso

Nós
Incontidos e entrelaçados
Entre a razão e a omissão do grito

Qual de nós é mais bonito?
Quem de nós é mais aflito?

Eu
Incontido no avesso
Avexo a lágrimas da partida

Tu
Incontida no verso
Controlas o peso da despedida

Qual de nós conhece a vida?
Quem de nós é mais ferida?

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A LUA NA TERRA DO CHÃO

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domingo, 26 de julho de 2009

ENTREATOS - Vida dupla

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Quando descobriram foi um escândalo; imagina, o sujeito era um educador, um funcionário publico exemplar da faculdade de letras, marido devotado à família, com muitos amigos, vida social ativa e discreta; freqüentava a igreja, era voluntário na escola da comunidade onde ensinava duas matérias e ajudava na biblioteca.


Um exemplo para todos que o conheciam; solidário, discretamente elegante, alegre; ninguém fazia a menor suposição de sua origem humilde, tamanha educação.

Vivia seu melhor momento, terminara de escrever seu primeiro livro que ia ser publico por uma grande editora.

Foi numa terça-feira, por volta da meia-noite; descoberto, não negou nada, apenas permaneceu de cabeça baixa o tempo todo, enquanto a polícia prendia todas as mulheres e os freqüentadores.

Ali completava sua renda, era o dono do bordel.

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WANDA MONTEIRO - O Beijo da Chuva

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ESCOMBROS

A madrugada
Já não me é mais doce
A madrugada
Já não me é mais morna
A madrugada
Já não me afaga como brisa
A madrugada
Gélida
Singra–me
Vara-me
Parte-me
Deixando-me em ruínas
A madrugada
Já não me é contemplação
A madrugada
Agora
Contempla meus escombros

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ABRIGO PARA UM VIOLEIRO ANDANTE - Boi Malhadeiro

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Boi Malhadeiro
(Marcos Quinan / Macaréu / Vetinho)


Dança meu boi Malhadeiro
Faz Catirina chorar
Dança meu boi Malhadeiro
Faz Catirina chorar
Diz o Urubu carniceiro
Catirina este boi não vai dar
Diz o Urubu carniceiro
Catirina este boi não vai dar

Ô, ô , ô Malhadeiro
Lembra daquelas toadas
Que mestre Bandeira fazia
E o velho Armerindo cantava
Ô , ô , ô Malhadeiro
Das noites enluaradas
Agora é calçada vazia
Agora é janela fechada

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Voz – Ronaldo Silva

Arranjo – Fernando Carvalho

Violão e viola de 12 – Fernando Carvalho

Flautas – Roberto Stepheson

Barricas e pandeiros - Nazareno Silva

Caxixi e ovinho - Zamma

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TERRA DO CHÃO I

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sábado, 25 de julho de 2009

ENTREATOS - Rebelião

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Na memória do sangue continha o registro de todas as sensações; ao circular, espalhava o que absorvera dos sentidos, célula por célula.

Corpo e alma aprisionados no líquido viscoso impregnados de lembranças, sentimentos e saudades transitando pelos lugares mais improváveis, sustentando o ser imerso em sua melancolia.

Quando fizeram a transfusão, o sangue doado que recebeu não tinha ainda a memória do amor.

Precisou ser tanto que as mais insignificantes partes do corpo e da alma se rebelaram e foram deixando de funcionar aos poucos.

O coração, último rebelde, parou abraçado aos pequenos vestígios da alma, desfeita no ar que o vento esparramou pelas ruas da cidade.

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PÁTRIA TRISTE I

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JOÃOZINHO GOMES - CANTOS DE ARREPIOS

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À FORTALEZA DE SÃO JOSÉ DE MACAPÁ


I -

Âncoras ao rio!
Gente ao calabouço!
Grilhões cavando corpos
em busca de ossos
ainda ouço.
Ouço o baque seco
do aço ao osso – o eco surdo,
o gemido úmido
do índio e do caboclo,
o grito
de dor do quimbundo,
e o choro da África
ao monstruoso aborto.
Ouço a corte
assassinar os nossos,
a foice trabalhar o corte,
o aço ao osso – ouço a morte.
O sangue
gotejando ao calabouço,
marca o tempo do remorso!
Soluço
de um fantasma moço.

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BIRATAN PORTO

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sexta-feira, 24 de julho de 2009

ENTREATOS - Comunidade

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Para ela, a novidade mostrada pela amiga soou como uma possibilidade de se encontrar.



Primeiro usou por um longo tempo até entender a mágica criada na comunicação simples e quase instantânea; correspondeu-se com amigos, conheceu novas pessoas e até localizou colegas da escola do Interior onde tinha nascido.


Encontrou pessoas quase esquecidas; descobriu parte da família, que nem sabia existir, vivendo no Exterior.


No sítio de relacionamentos, passava a maior parte do tempo teclando com conhecidos e desconhecidos que se tornaram bons amigos eletrônicos.


Por necessidade de saber mais sobre um membro da comunidade que criou, inventou outra pessoa para si, com o perfil correspondente ao dele, com quem trocava elogios e simulações.


Deu certo; formaram um triângulo virtual que durou meses. Quando ficou chato, inventou outra pessoa completamente diferente, formando dois casais que se teclavam diariamente.


Mais um mês durou a brincadeira, até novamente ficar chato. Mais uma vez convidou uma amiga fictícia que já entrou apresentando um amigo de infância. Os dois tinham o perfil totalmente diferente do grupo formado. Isso a instigava.


Assim passava os dias, trancada no quarto teclando. Faculdade, academia, cinema, festas... nunca mais foi. Teclando, teclando, indicando outras comunidades, falando de festas que não tinha ido, inventando namoros, flertes, comentando apenas filmes antigos. Amarrando papos sofisticados, existenciais, soltando a loucura toda até na abreviação das palavras, mais parecendo um código secreto que o grupo todo entendia.


Nem se deu conta; fazia tempo que o único verdadeiro internauta não participava mais das conversas. Um dia, depois de confirmar a disponibilidade e o desejo de todos do grupo de se conhecerem, marcou um encontro num café da moda.


E foi lá, na hora marcada, que tomou, sozinha, um café curto.

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QUILHA DA ILHA DE CRÔA

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JAC. RIZZO - Dilema

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A flor na minha janela

aponta sua cor

e seu perfume

e diz: você não crê

em mim

se não acreditar

em Deus!


E eu a olho longamente, por cima da minha incredulidade e respondo:


Talvez...



Jac. Rizzo - http://jacrizzo.blogspot.com/

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ABRIGO PARA UM VIOLEIRO ANDANTE - Cumo Carta

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Cumo Carta
(Marcos Quinan)



Arreceba cumo carta
Cum nutiça e preguntação
Na farta dum pusitivo
Prá levá minhas intenção
Envai miúda toada
Mas sincera de peão

Do ouro que te separo
Apenas com um tostão
Mandei fazer uma medaia
Prendida tá no gibão
Pra lembra sempre do amigo
Nas hora de precisão

Cumo vai a moça frôr
Da ciença a mais bela
Desse oro num separe
Avulie as intenção
Na passada pelo mundo
Num tem outro meu irmão

A Pequena envai bem
Só um pouco istrupiada
Uma gripe intermitente
Amontada e bem danada

Se ôce tá cum sodade
Apruveite a fidarguia
A durmida tá rumada
A sarjeta já varrida
A escova tá no pote
O pote já tá na pia

Paguei tudo os cobradô
Sua ficha tá limpinha
Pode comprar de um tudo
Nesta praça e nas vizinha

Rabo de galo estocado
Isso é pura fidarguia
A viola tá finada
As quenga tirei da fila
Tudo pronto prá fulia
É só manda o aviso
Preu juntá os companheiros
E fazê a canturia

Sobre o oro meu amigo
Aceite orientação
O fácil vale tão pouco
As veis só um tustão
Aproveite a juventude
Garimpe no coração

Recebemo o aviso
Do robo da moça frô
Adisculpe nois num i
Prá fazer a guarmição
Nos de longe tamo perto
Mandando nossa benção

O oro que te separo
Apenas de um tostão
Faz parte dos meus guardados
Pra lembrá sempre do irmão


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Voz – Tavinho Limma


Arranjo - Eudes Fraga



Violão - Eudes Fraga



Sanfona - Severo


Triângulo / tam-tam - Zamma


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quinta-feira, 23 de julho de 2009

PEDRAMUNDO III

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ENTREATOS - Fio de tempo

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Tinham gastado todas as metáforas, conduzindo suas histórias para se tocarem; o olhar de um já tinha o outro dentro, desde quando se conheceram.


Hesitavam, mas a atração que sentiram era verdade, era de verdade o cuidado que tiveram. Vinham de lonjuras e entregas sentindo suas verdades solitariamente.

Precisavam ter cuidado, mas tinham que se tocar, tinham que se render. Um viço vinha misturado no desejo, perfumando as horas.

As mãos, o silêncio, o beijo. A coragem e o medo conjugando a excitação, explodindo no querer inteiro.

Entregaram-se num fio de tempo estendido imperceptivelmente entre a realidade e o sonho.

E ficaram em silêncio, um dentro do outro, tentando de verdade se pertencerem antes que alguma saudade acordasse o momento.

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CLÁUDIO BARRADAS E ZÊ CHARONE - Abraço de Edyr Augusto Proença - TEATRO CUÍRA - BELÉM

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MÁRCIA CORRÊA - Os sertões dentro da gente

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Há sertões sem fim dentro de quem desprotege a existência das emoções vindas de fora, e reinventadas nas cacimbas e grotões da alma que abre bem os olhos para as dimensões imensuráveis do mundo. Generosidade no olhar e no transbordar esse olhar sobre o tudo em volta. Guimarães Rosa faz isso com a gente. Mexe com o ritmo do pensar, muda o foco do jeito como vemos as cores, as pessoas, a obra interminável da natureza e as pegadas do ser humano na estrada de si mesmo.

Tem uma coisa de emocionar inesperadamente, de fazer rir do impensável mais simples e de fazer deter a observação na densidade do mais complexo. Não há frase por ele escrita impunemente, nada escapa do enlaçar do raciocínio, que nele é como olho d’água brotando, brotando e sempre brotando. Não se pode ser o mesmo, ou a mesma, depois de vislumbrar a limpidez de um personagem criado por João Guimarães Rosa. São como espelhos que falam, que resmungam, que inquietam.

E nós estamos lá, dentro deles e eles dentro de nós, mesmo que seja aos pedaços, na proporção de nossa capacidade de enxergá-los e de nos reconhecer com coragem. Há uma sensação de plenitude, de pertencimento ao universo das emoções e buscas que são de todos. O amor, a amizade, as contradições dos apegos, as sinuosidades da maldade, a serenidade da sabedoria. Tudo isso em linguagem que decodifica os mistérios desse pertencer entre homem e natureza, ainda que parecendo um código próprio, só dele.

E bem de repente a gente quer do fundo da alma integrar esse falar que parece truncado, mas que sai dizendo de tudo por tudo que tem dentro da gente. E aí reside a natureza dos sertões que nos habitam. Essa força que faz caírem as civilidades expostas em artificialidades engessadas, em modos e pensares arrumados em prateleiras de bom senso, em conceitos concebidos antes da vivência sincera com o mundo e com as pessoas.
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Márcia Corrêa - http://novopapeldeseda.blogspot.com/
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quarta-feira, 22 de julho de 2009

CANOA NA TERRA DO CHÃO

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ENTREATOS - Dosagem errada

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Dosagem errada - Quando a polícia chegou no local, acompanhada de representantes de duas ONGs que prestam serviço para a organização, encontraram o prédio quase vazio; todos já tinham fugido, apenas um ajudante foi detido por negligência.”


“Dele arrancaram as informações necessárias e chamaram os técnicos para uma perícia completa no equipamento.”

“O trabalho consumiu todas as horas dos quatro dias e revelou a falha no sistema; a trava automática de dosagem na câmara de dissimulação não estava fechando automaticamente.”

“Um grande escândalo, as autoridades designaram um laboratório estatal para rever o alinhamento dos genes implantados nos membros da organização e equalizar o percentual de dissimulação em cada um deles”.

“Com menos de dez meses, os membros do legislativo municipal, estadual e federal serão atendidos e poderão enganar a todos corretamente”.

Assim foi a matéria de primeira página do jornal de quarta-feira.

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CEUMAR - AGENDA

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MARIMARI - Nascer de novo

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De um susto se nasce de novo
De amor, de manhãzinha
Se nasce de um poema no muro
De nuvem no céu espiada
Se nasce de novo dum corte
Por milagre que pareça
Se nasce ainda depois
Da fruta mordida no chão esquecida
Nasce de novo o sabor
Num futuro imprevisto
Se nasce do que não é visto
De um inesperado sonho
Que aparece em noite escura
Se nasce de novo num canto
De uma perdida esperança
Que de tanto nascer de novo
De esperar nunca se cansa

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terça-feira, 21 de julho de 2009

SR BRASIL - ROLANDO BOLDRIN

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ENTREATOS - Guerreiros

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Seus olhos revelavam sabedoria e intimidade com a solidão. Uma sabedoria simples nos gestos nervosos, compromissada com uma comoção de dor, misturados à sensualidade, abstração e o calor pontuando o desejo.


Assim ela se apresentou em armas de cristal, íntegra e sofrida, mas disponível para a luta. Uma guerreira trazendo, penso ao corpo, um rumor de guerras perdidas.

Ficaram frente a frente.

Ele costurava cicatrizes na altivez, orgulhoso de todos os ferimentos tatuados no corpo. Também amava a solidão e tinha volúpia nos olhos. Tratava a dor com cumplicidade e não tinha um deus para fazer calar.

Estavam frente a frente.

Emudeceram a dor. Ficaram sem armas tentando nascer dali. Olharam-se longamente e se viram num desejo vertiginoso.

Tiveram-se na forma do instante. Dois guerreiros vindo de suas guerras. Estilhaçados, nem vencidos nem vencedores.

Frente a frente, perdidos em paz.

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CASCA, MUSGO, SOMBRA E COR

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LULIH ROJANSKI

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Deus, não espero que a esta carta o senhor responda formalmente, já que não me respondeu a tantas outras. Mas espero por um sinal. Se o senhor se aborrecer, pode responder com um temporal que arranque as telhas da minha casa, por exemplo. Antes assim do que me deixar pensando que para o senhor eu sou apenas uma bolha n´água..

Estou lhe escrevendo para dizer que acho que o senhor dorme, sim. Ao contrário do que dizem os pára-choques dos caminhões, que Deus não dorme. E acho inclusive que o senhor anda dormindo de touca, perdendo a boca e fugindo da briga, senão como é possível explicar essa vida tão torta?
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Eu sou um cara simples, que até pra escrever precisa da ajuda dos poetas, de quem vive tomando versos por empréstimo. E pra não parecer leviano poderia enumerar razões para a certeza de que o senhor dorme, mas esta é tão grave que deve ser suficiente... olha: João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém..


Percebe o tamanho do desencontro? É a maior das catástrofes humanas. Se Lúcifer tivesse vencido a revolução contra o senhor, talvez tivesse administrado as coisas de modo mais simples: João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim e Lili se amariam uns aos outros, e viveriam em recíproca e constante entrega de seus corpos e almas, sem que isso representasse uma vergonha. E seriam todos felizes. Não vamos nos enganar.... Lúcifer é um libertário!.

Eu não queria parecer vago nem obtuso, mas o mundo sob o seu comando anda muito paradoxal. Em quem eu devo acreditar enquanto o senhor dorme? No sujeito que disse que existe muito mais inferno entre o céu e a filosofia do que possa supor meu vão mistério? Em que eu devo pensar enquanto espero providências: no poder de olfação dos gnus? Na migração sazonal das borboletas amarelas?

.Lili continua sem amar ninguém, e eu me despeço sem pedir desculpas, porque não sou do tipo que morre de medo quando o pau quebra, embora haja quem diga que eu não sei de nada e que eu não sou de nada. Assino embaixo tudo o que disse. As outras dúvidas que possuo ficam para a próxima carta, que o senhor poderá ler quando acordar. Se...

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Lulih Rojanski - http://www.blogluli.blogspot.com/
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segunda-feira, 20 de julho de 2009

ABRIGO PARA UM VIOLEIRO ANDANTE - Sertão da Minha Alma

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Sertão da minha alma

(Marcos Quinan / Chico Sena)

Fragmentos do poema Guardança (Marcos Quinan )

De pura guardança
Fica prá quem continuar a lida
Estas cantigas choradas
Com todos os companheiros
Os de labuta
Os de sereno
Os de amor
Os parentes todos
Os filhos que valem mais que ouro
Os parceiros de cantação
De fervor
E os de sonhos

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O meu verso surge torto
Dos confins da minha lida
Se endireita lá no norte
Do sertão da minha alma

Vozes – Val Milhomem / Zé Miguel / Amadeu Cavalcanti /Joãozinho Gomes

Arranjo – Eudes Fraga

Caixa de Marabaixo – Neno Silva

Pandeiro - Zamma

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ENTREATOS - O encontro

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No meio da tarde o tempo parou.


Para seu olhar, as imagens da rua endureceram no ar, a multidão sem concluir o passo, o movimento.

Os olhares esperavam como uma fotografia em todas as dimensões; a sensação era de ser o único que cortava o ar gelatinoso do tempo parado.

Sua procura era maior que o fenômeno, sabia que iria encontrá-la no meio das pessoas paralisadas. Andou por todas as ruas, do começo ao fim de cada uma delas; viu nos movimentos inconclusos que o ar sustinha todos os elementos da vida.

Um cotidiano trágico e cômico costurado nas imagens paralisadas em expressões. A vida, diversa, desigual em suas igualdades, suspensa para o olhar de uma procura. A multidão e a mágica; um homem precisava encontrar seu amor.

Quando a encontrou, tocou-lhe nos ombros e o tempo descongelou. Sentiu o peso do corpo ser puxado para dentro como se encolhesse.

Tinha envelhecido naquele instante, o tempo de sua procura. Ela se virou sorrindo, não reconheceu o amor; apenas teve pena do velho desconhecido com o corpo e as roupas puídas; deu-lhe a moeda e seguiu na multidão.
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MQ
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REFLETINDO...

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"Preocupe-se mais com sua consciência do que com sua reputação.
Porque sua consciência é o que você é, e sua reputação é o que os outros pensam de você.
E o que os outros pensam, é problema deles!"

Desconheço o autor...


Postado por NICE PINHEIRO - http://www.nicepinheiro.blogspot.com/.
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domingo, 19 de julho de 2009

QUANDO O DIA AMANHECEU

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Quando o dia amanheceu
Enganei o meu corpo
Disfarcei a vontade
E contei cada hora
Que nasceu na cidade

Resumi tua falta
Para as ruas vazias
E os raios de sol
Que se deram ao dia

No dia que nasceu só teu
Relembrei como louco
E bendisse a saudade
Louvando o momento
Que passando bem lento
Em silencio me invade
E vai calando o desejo
Sem nenhum alarde

Assim recontei o tempo
Mentindo à verdade
Que ele inventa
Pra dizer que é tarde

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MQ
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MARINA QUINAN

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VIVIANE MOSÉ

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RECEITA PARA LAVAR PALAVRA SUJA

Mergulhar a palavra suja em água sanitária.
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza. Por exemplo, a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas,
que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar
e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.

São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas
soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura,
que é capaz de esvaziar o vigor da língua.
O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa qualidade.

Agora, se o que você quer
é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente
sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo neste caso é misturar palavras que mancham
no contato umas com as outras.

Culpa, por exemplo,
a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.
Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode,
o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva,
produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie
pela expressão dos seus sentidos.

À noite, permita que se deite,
não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne,
prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais
perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
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sábado, 18 de julho de 2009

NOS MOMENTOS DE AMOR

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Posto esteve

O primeiro olhar
E os pés descalços
As mãos entrelaçadas
E a certeza do querer

Posto esteve

Muita saudade
E os primeiros beijos
O cheiro da pele
E o desejo de pertencer

Posto esteve
Nos momentos de amor

Um corpo materializando as manhãs
Entregando-se aos mistérios do prazer
Uma boca se deixando na outra
E a taça de vinho equilibrando
As mãos e o desejo todo

Posto esteve
Nos momentos de amor

A ternura de lábios sedentos
Em seios de beleza definitiva
Tentando desvendar cada milímetro
Do mais intimo da pele
E deles retirar qualquer pudor

Posto esteve
Nos momentos de amor

Um gosto de embriaguez que,
Ao toque, cada gesto deixava
Suspenso o destino das mãos
E o sussurro do querer sempre
Instalado para tempos de saudade

Posto esteve
Nos momentos de amor

O enlevo encurtando as horas
Desmanchando o tempo
O sonho vivido se descrevendo
No deslumbramento do encontro
E na intensidade da entrega

Posto esteve
Nos momentos de amor

A certeza do encanto
De não saberem mais
Viver sozinhos
Porque uma vida estava na outra
Desde que se deixaram no olhar
No primeiro instante de amor


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MQ
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ALINE DE MELLO BRANDÃO

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TETAMA PIPITÉ
O quintal / o poço / as frutas

Tetama pipité.
O quintal e o poço
Sem limite e fundura.
Terra de infância clara
A correr e a brincar.
Cabaças- cabaceiras,
Cabeceiras, cajus,
Cajuínas, clareiras,
As ingás, as zoadas,
goiabeiras erguidas,
maravilhas colhidas,
Frutaflor, laranjadas
Mangueiradas festivas
Muitas caramboladas
Ameixas...gostosuras.

Tetama pipité
E o bem bom das farturas
Olho de igarapé
Das delícias de chuvas
Das águas respingadas
Água boa e gelada
Na roupagem grudada.
Ybacuna, água e pele
Utinga, água e pêlo
Yaribá, enxurrada.
Valha-me Santa Bárbara!
Socorrei-nos Dandara,
São Pedro e São João
Tempestade e trovão!
Todo mundo pra dentro!
Quem vem ? Vai? Quem vai? Vem?
Olha o raio – partiu!
Muito feliz é quem
Ouve o trovão! Ouviu?

*
Tetama: a pátria, a terra, o país.
Pipité: a sola do pé, a região plantar.
Ybacuna: nuvem preta.
Utinga: água branca.
Yaribá: fruta que dá em cachos.

* do Tupi- Guarani
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sexta-feira, 17 de julho de 2009

ENTREATOS - O abraço

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Intelectuais, artistas, simpatizantes, pessoas vestindo roupas coloridas carregando cartazes, gritando palavras de ordem, misturando-se entrelaçadas pelas mãos, formando uma grande roda de muitas voltas abraçando o prédio do museu.


Protestavam contra a construção, ao lado do patrimônio histórico e centro de pesquisas centenário, do arranha-céu já autorizado pela Prefeitura.

A ação proposta tinha o apoio de toda a imprensa; os repórteres misturavam-se aos manifestantes, colhendo depoimentos, entrevistando os artistas mais famosos, um sucesso em organização e comparecimento.

A repórter, junto com o cinegrafista, editou a matéria e apresentou-a ao chefe, que a despediu na hora.

A cena editada era de um homem malvestido, magro e com uma empatia muito grande, falando de sua vida - no fundo da cena, o abraço ao museu.

Ele se dizia operário de construção, casado, pai de quatro filhos. Morava em um barraco numa invasão, vivia com a família e um salário e meio.

Trabalhava, comia e dormia, queria muito ter uma situação melhor para também poder abraçar o museu e, quem sabe, um dia compreender e mostrar aos seus filhos o que era de verdade um museu.
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MQ
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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO – SÁBADO – DIA 18.07.09
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ESPECIAL O PIXINGUINHA PITORESCO

Auto-Retrato

Eu também nasci chorando/Como todo mundo nasce
E embora a chorar vivesse /Não chorei o que bastasse
No choro, a vida passei /Com prazer e na labuta
Sustentei mulher e filho/Chorando fiz-me um batuta
Chorei muito choro alheio/Toquei maxixe e marchinha
Alfredo sou por batismo/Mas no choro, Pixinguinha
Fiz música, fui maestro/Fui Ingênuo, Carinhoso
Soprei meu triste Lamento/E o meu riso mais gostoso
E assim o ciclo se fecha/Pois cumpri o meu papel
Plantei o choro na terra/Pra colher risos no céu.

(Marília Trindade Barboza)

Muito já se falou sobre Pixinguinha, a quem a música brasileira muito deve. O Roda de Choro não poderia ficar de fora. Mas, para não cair no lugar comum, resolvemos abordar, no especial deste sábado, somente o pitoresco dele: o lado romântico, monogâmico, espirituoso, sereno, generoso, ingênuo e até o Santo Pixinguinha.

Em entrevistas com Marília Trindade Barboza, biógrafa, o clarinetista Paulo Sérgio Santos e o violonista Guinga, o programa mostrará esse interessante aspecto, ilustrado com sucessos de todos os tempos.

Ouça pela internet:

Rádio Câmara, Brasília: www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.

Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro: www.fm94.rj.gov.br terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.
Rádio Universidade FM, Londrina-PR, quintas-feiras, 22h.

Rádio Utopia FM, Planaltina-DF, quartas-feiras, 18h


Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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quinta-feira, 16 de julho de 2009

ENTREATOS - Reflexão

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Não adiantava insistir - “o sonho é uma obra cumprida, uma obra em si” – lia João Cabral de Melo Neto; mas insistia, será o que vivera além do sonho? Refletia frente ao livro e ao copo cheio.


Sonhara com o amor e foi como sonhou, vivendo momentos nele, com ele, para ele, numa entrega total, difícil de mensurar.

Tentava se lembrar dos detalhes sonhados e de cada instante da realidade. O sonho foi realidade ou a realidade é que foi o sonho.

Tentava traduzir as palavras do poeta, ajudado pelo momento da bebida. Tirava a idealização dos sentidos, queria entender. Será que esquecera, no devaneio, de pensar que haveria momentos de dor? Que o sonho era só seu? Será que deveria se engrandecer pelo que sentira ao realizá-lo?

Refletia, bebia aquela frase, tomava a bebida que não o embriagava mais. Teria sido tudo? Suas mãos começaram a tremer de ausência.

Foi quando derrubou o copo e molhou o livro. As letras começaram a se dissolver, ficando a página em branco. Ao secá-la, viu que muitas letras se reagrupavam misteriosamente para formar duas únicas frases:

- Sonha de novo...

- Sonha outra vez...

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MQ
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BIRATAN PORTO

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

FRADERICO GALANTE

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Vila de Curiá

Tem gente que sabe até do demais. Olha já, que vento batendo em popa de bajara é do suspiro da mãe do rio. Um garoto um dia espiava atento o silêncio do rio, seu pai pescando. A água refletia aquele sol fraco de fim de tarde, o parto da noite, partida do dia. A água fazia era balançar profundo o casquinho sozinho na imensidão do rio. E o menino olhava que só ele, como que o tudo do mundo fosse só aquelas imagens se formando nas ondinhas formadas do balanço do barco. O menino então sorriu, passou o que foi pela sua cabeça não se sabe não, sorriu e se levantou. Pulou na água tentando foi abraçar coisa que só ele via. O pai desesperado pulou na água atrás do filho. E ele revistou, que revistou por várias vezes, por baixo do barco, em linha mais funda do rio, em um tanto mais longe da canoa, em tudo quanto era fundura que seu peito agüentava, mas não encontrou o menino. Já cansado, triste, chorando que aumentava a água do rio, subiu de volta no barco e fez foi gritar bem alto: filho....Passou foi o instante de uma vida.

Que sucedeu foi um estrondo de um suspiro vindo da água bem perto do bote. E o pai, que tinha ainda esperança, foi logo ver o que era e foi então que viu um boto, grande dos nunca vistos, e seu filho nas costas dele...O menino dava de ver ainda se mexia, mas tinha sinais de sofrido. Foi que o pai pulou de novo no rio e acercou de seu filho, pondo o menino de volta pro barco. O menino respirava fraco, mas com muita massagem o pai fez que ele fosse voltando aos poucos. O menino abriu os olhos e o que se viu foi fato nunca antes relatado: o menino estava com a menina dos olhos da mesma cor do pôr do sol, duma beleza sem igual, que o pai ficou encantado e abraçou mais que mais o filho e disse bem alto, para todo mundo ouvir: a mãe do rio batizou o meu filho!!! E o menino sorriu e os peixes pularam para fora da água e o boto ficou zuando feliz, espirrando água para todos os céus.

O velho Romualdo contava esta história a cinco curuminzinhos quando da chegada dos quatro aventureiros na vila de Curiá. Ainda que deu tempo, pois o velho não parou de contar a história, de João Quinlhão sentar foi ao lado de um negrinho magricela, que estava com tanta atenção na história, que não percebeu as formigas ferrando seus pés, nem os carapanãs, que nessa hora eram muitos, sugando seu sangue mirrado.

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MARACATU

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Volúpia refulgindo
Abstrata beleza

Dor nas cores

Sorrisos comprazendo
Corpos sem tristeza

Dor das cores

Estesia lenindo
Tanta verdade

Dor nas cores

Maracatu
Meu olhar

Dor das cores

E a saudade
Maracatutando

Dor das dores

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MQ
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terça-feira, 14 de julho de 2009

SR BRASIL - ROLANDO BOLDRIN

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PITUNAIPY

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Pitunaipy
(Marcos Quinan / Renato Gusmão)


Caramossê aracy
Aceçapê
Caaetê
Abé acacoabapoã
Endi coemaetê
Nungara coaracy
Rendi piranga
Abaeté
Oabá
Caiuá
Acopir
Oby
Onhyrõ eté
Coyabê jacy rendy
Maenana
Pitunaipy

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Tradução:

Ao anoitecer
Quando a mãe da luz
Alumiar a mata verdadeira
Também a correnteza de um rio
Luzir na manhã clara
Igual réstia de sol vermelho
O verdadeiro homem
Habitante da mata
Trabalhará na terra azul
Assim a luz da lua vigiará
A paz real
Ao anoitecer.

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Voz – Walter Freitas
Arranjo – Fernando Carvalho
Violão e viola de 12 – Fernando Carvalho
Violino – André Cunha
Viola – Ivan Zandonade
Cello – Saulo Moura
Flauta – Roberto Stepheson

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Encontre na www.ladodedentro.com.br

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segunda-feira, 13 de julho de 2009

ENCONTRO

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Amigas inseparáveis desde a infância, na adolescência e até se formarem. Juntas viveram na juventude, sonhos, anseios, as paixões e alguns amores.

Juntas cruzaram a época das maiores contestações, repressões. Foram despojadas e vaidosas, queriam conquistar o mundo. Lutaram pela liberdade e pela justiça. Cometeram transgressões e rebeldias, sempre juntas, confidentes, irmãs.

Perderam-se depois da faculdade. Uma casou-se, viveu a paixão e o amor; depois, todos os sentimentos multifacetados contidos no casamento.

Teve filhos, a casa dos sonhos, jóias nem sonhadas, viagens de férias e a atenção do grande amor. Quando os filhos cresceram, separou-se, perdida em seus valores.

Na outra, a paixão era latente; apaixonava-se perdidamente e, noutro instante, o coração estava disponível. Tinha muita coragem, seus casamentos duravam poucos anos; não tivera filhos, nunca morou muito tempo no mesmo lugar, na mesma cidade, no mesmo país.

Ficou famosa escrevendo biografias. Agora, vivia afastada do meio literário, perdida em sua coragem.

No aeroporto, cruzaram-se no saguão. Uma voltando para o que não conseguira ser, a outra indo buscar o que tinha ficado no seu desejo; não se reconheceram.

Apenas se desculparam pelo esbarrão.

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MQ
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sexta-feira, 10 de julho de 2009

LÚCIO FLÁVIO PINTO - Jornal Pessoal

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AO CARO LEITOR

Li com estupefação, perplexidade e indignação a sentença que ontem me impôs o juiz Raimundo das Chagas, titular da 4ª vara cível de Belém do Pará. Ao fim da leitura da peça, perguntei-me se o magistrado tem realmente consciência do significado do poder que a sociedade lhe delegou para fazer justiça, arbitrando os conflitos, apurando a verdade e decidindo com base na lei, nas evidências e provas contidas nos autos judiciais, assim como no que é público e notório na vida social. Ou, abusando das prerrogativas que lhe foram conferidas para o exercício da tutela judicial, utiliza esse poder em benefício de uma das partes e em detrimento dos direitos da outra parte. O juiz deliberou sobre uma ação cível de indenização por dano moral que contra mim foi proposta, em 2005, pelos irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, donos da maior corporação de comunicação do norte do país, o Grupo Liberal, afiliado à Rede Globo de Televisão. O pretexto da ação foi um artigo que escrevi para um livro publicado na Itália e que reproduzi no meu Jornal Pessoal, em setembro daquele ano. O magistrado acolheu integralmente a inicial dos autores. Disse que, no artigo, ofendi a memória do fundador do grupo de comunicação, Romulo Maiorana, já falecido, ao dizer que ele atuou como contrabandista em Belém na década de 50. Condenou-me a pagar aos dois irmãos indenização no valor de 30 mil reais, acrescida de juros e correção monetária, além de me impor o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados pelo máximo permitido na lei, de 20% sobre o valor da causa. O juiz também me proibiu de utilizar em meu jornal “qualquer expressão agressiva, injuriosa, difamatória e caluniosa contra a memória do extinto pai dos requerentes e contra a pessoa destes”. Também terei que publicar a carta que os irmãos Maiorana me enviarem, no exercício do direito de resposta. Se não cumprir a determinação, pagarei multa de R$ 30 mil e incorrerei em crime de desobediência. As penas aplicadas e as considerações feitas pelo juiz para justificá-las me atribuem delitos que não têm qualquer correspondência com os fatos, como demonstrarei. O juiz alega na sua sentença que escrevi o artigo movido por um “sentimento de revanche” contra os irmãos Maiorana. Isto porque, “meses antes de tamanha inspiração”, me envolvi “em grave desentendimento” com eles. O “grave desentendimento” foi a agressão que sofri, praticada por um dos irmãos, Ronaldo Maiorana. A agressão foi cometida por trás, dentro de um restaurante, onde eu almoçava com amigos, sem a menor possibilidade de defesa da minha parte, atacado de surpresa que fui. Ronaldo Maiorana teve ainda a cobertura de dois policiais militares, atuando como seus seguranças particulares. Agrediu-me e saiu, impune, como planejara. Minha única reação foi comunicar o fato em uma delegacia de polícia, sem a possibilidade de flagrante, porque o agressor se evadiu. Mas a deliberada agressão foi documentada pelas imagens de um celular, exibidas por emissora de televisão de Belém. O artigo que escrevi me foi encomendado pelo jornalista Maurizio Chierici, para um livro publicado na Itália. Quando o livro saiu, reproduzi o texto no Jornal Pessoal, oito meses depois da agressão. Diz o juiz que o texto possui “afirmações agressivas sobre a honra” de Romulo Maiorana pai, tendo o “intuito malévolo de achincalhar a honra alheia”, sendo uma “notícia injuriosa, difamatória e mentirosa”. A leitura isenta da matéria, que, obviamente, o magistrado não fez, revela que se trata de um pequeno trecho inserido em um texto mais amplo, sobre as origens do império de comunicação formado por Romulo Maiorana. Antes de comprar uma empresa jornalística, desenvolvendo-a a partir de 1966, ele estivera envolvido em contrabando, prática comum no Pará até 1964. Esse fato é de conhecimento público, porque o contrabando fazia parte dos hábitos e costumes de uma região isolada por terra do restante do país. O jornal A Província do Pará, um dos mais antigos do Brasil, fundado em 1876, se referiu várias vezes a esse passado em meio a uma polêmica com o empresário, travada em 1976. Três anos antes, quando se habilitou à concessão de um canal de televisão em Belém, que viria a ser a TV Liberal, integrada à Rede Globo, Romulo Maiorana teve que usar quatro funcionários, assinando com eles um “contrato de gaveta” para que aparecessem como sendo os donos da empresa habilitada e se comprometendo a repassar-lhe de volta as suas ações quando fosse possível. O estratagema foi montado porque os órgãos de segurança do governo federal mantinham em seus arquivos restrições ao empresário, por sua vinculação ao contrabando, não permitindo que a concessão do canal de televisão lhe fosse destinado. Quando as restrições foram abolidas, a empresa foi registrada em nome de Romulo. Os documentos comprobatórios dessa afirmação já foram juntados em juízo, nos processos onde os fatos foram usados pelos irmãos Maiorana como pretexto para algumas das 14 ações que propuseram contra mim depois da agressão, na evidente tentativa de inverter os pólos da situação: eu, de vítima, transmutado à condição de réu. Todos os fatos que citei no artigo são verdadeiros e foram provados, inclusive com a juntada da ficha do SNI (Serviço Nacional de Informações), que, na época do regime militar, orientava as ações do governo. Logo, não há calúnia alguma, delito que diz respeito a atribuir falsamente a prática de crime a alguém. Quanto ao ânimo do texto, é evidente também que se trata de mero relato jornalístico, uma informação lateral numa reconstituição histórica mais ampla. Não fiz nenhuma denúncia, por não se tratar de fato novo, nem esse era o aspecto central do artigo. Dele fez parte apenas para explicar por que a TV Liberal não esteve desde o início no nome de Romulo Maiorana pai, um fato inusitado e importante, a merecer registro. O juiz justificou os 30 mil reais de indenização, com acréscimos outros, que podem elevar o valor para próximo de R$ 40 mil, dizendo que a “capacidade de pagamento” do meu jornal “é notória, porquanto se trata de periódico de grande aceitação pelo público, principalmente pela classe estudantil, o que lhe garante um bom lucro”. Não há nos autos do processo nada, absolutamente nada para fundamentar as considerações do juiz, nem da parte dos autores da ação. O magistrado não buscou informações sobre a capacidade econômica do Jornal Pessoal, através do meio que fosse: quebra do meu sigilo bancário, informações da Receita Federal ou outra forma de apuração. O público e notório é exatamente o oposto. Meu jornal nunca aceitou publicidade, que constitui, em média, 80% da fonte de faturamento de uma empresa jornalística. Sua receita é oriunda exclusivamente da sua venda avulsa. A tiragem do jornal sempre foi de 2 mil exemplares e seu preço de capa, há mais de 12 anos, é de 3 reais. Descontando-se as comissões do distribuidor e do vendedor (sobretudo bancas de revista), mais as perdas, cortesias e encalhes, que absorvem 60% do preço de capa, o retorno líquido é de R$ 1,20 por exemplar, ou receita bruta de R$ 2,4 mil por quinzena (que é a periodicidade do jornal). É com essa fortuna que enfrento as despesas operacionais do jornal, como o pagamento da gráfica, do ilustrador/diagramador, expedição, etc. O que sobra para mim, quando sobra, é quantia mais do que modesta. Assim, o valor da indenização imposta pelo juiz equivale a um ano e meio de receita bruta do jornal. Aplicá-la significaria acabar com a publicação, o principal objetivo por trás dessas demandas judiciais a que sou submetido desde 1992. Além de conceder a indenização requerida pelos autores para os supostos danos morais que teriam sofrido por causa da matéria, o juiz me proibiu de voltar a me referir não só ao pai dos irmãos Maiorana, mas a eles próprios, extrapolando dessa forma os parâmetros da própria ação. Aqui, a violação é nada menos do que à constituição do Brasil e ao estado democrático de direito vigente no país, que vedam a censura prévia. A ofensa se torna ainda mais grave e passa a ter amplitude nacional e internacional. Finalmente, o magistrado me impõe acatar o direito de resposta dos irmãos Maiorana, direito que eles jamais exerceram. É do conhecimento público que o Jornal Pessoal publica – todas e por todo – as cartas que lhe são enviadas, mesmo quando ofensivas. Em outras ações, ofereci aos irmãos a publicação de qualquer carta que decidissem escrever sobre as causas, na íntegra. Desde que outra irmã iniciou essa perseguição judicial, em 1992, jamais esse oferecimento foi aceito pelos Maiorana. Por um motivo simples: eles sabem que não têm razão no que dizem, que a verdade está do meu lado. Não querem o debate público. Seu método consiste em circunscrever-me a autos judiciais e aplicar-me punição em circuito fechado. Ao contrário do que diz o juiz Raimundo das Chagas, contrariando algo que é de pleno domínio público, o Jornal Pessoal não tem “bom lucro”. Infelizmente, se mantém com grandes dificuldades, por seus princípios e pelo que é. Mas dispõe de um grande capital, que o mantém vivo e prestigiado há quase 22 anos: é a sua credibilidade. Mesmo os que discordam do jornal ou o antagonizam, reconhecem que o JP só diz o que pode provar. Por assim se comportar desde o início, incomoda os poderosos e os que gostariam de manipular a opinião pública, conforme seus interesses pessoais e comerciais, provocando sua ira e sua represália. A nova condenação é mais uma dessas vinganças. Mas com o apoio da sociedade, o Jornal Pessoal sobreviverá a mais esta provação.

Belém, 7 de julho de 2009

Lúcio Flávio Pinto - http://www.lucioflaviopinto.com.br/
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quinta-feira, 9 de julho de 2009

A GRAMÁTICA DO SARNEY...

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Temos um novo verbo: sarnar. Conjuga-se exclusivamente na primeira pessoa e usa-se 'y' para parecer moderno: eu sarney. O verbo sarnar é irregular, embora siga regularmente o mesmo esquema: o emprego de parentes no presente do indicativo. Sarnar é da família de empregar. Emprega-se um sarney por pessoa do discurso. É um verbo que sofre de hipertrofia da primeira pessoa. E tem recursos públicos infinitivos. O Brasil inteiro já foi sarnado algum dia.

Quem tem Sarney, claro, tem sarna para se coçar. Sarney é escroto. Renan Calheiros é repugnante. Michel Temer parece um papagaio empalhado. Todos vivem sarnando. O Brasil é o país do Sarney. A culpa, obviamente, é sempre do mordomo. Nada de novo no Senado. O mordomo da Roseana sarnou. Só ele sabia de tudo. Por isso era chamado de 'Secreta'. O Secreta é um dos atos secretos do Senado. É simples assim. Não tem segredo. Sarney não sabia de nada. Conjugar é com ele.


Conjugar esforços para empregar bem o verbo sarnar na primeira pessoa. A vida é assim mesmo. Quem pode mais, sarna mais. Ou menos? Deu no jornal: publicada a primeira foto oficial de Bo, o cãozinho da família Obama. Bo, e eu com isso! Nosso negócio é outro: publicada primeira foto da família Sarney reunida no Senado. Faltou lugar na imagem.

Há um projeto para mudar o nome do Senado para Senada. Lá nunca acontece nada mesmo. Se nada, se nada e se morre numa praia. Do Maranhão. Tudo no Senado é lento, menos a contratação de parentes. O senador gaúcho Pedro Simon é mais lento que o Índio correndo atrás do gordo Ronaldo. Sempre chega atrasado. Mas fica indignado. E dá discurso. Tarde demais: o parente do Sarney já dorme na rede. O Paim nem comenta. O problema do Senado não é o Paim. É o Painho. Painho Sarney. Painho Calheiros. E o Painho Zambiasi? Parou de falar. Anda longe dos microfones. Não quer arranjar sarna com o Sarney?

Como se sabe, há um complô para desestabilizar as instituições nacionais. A ação deletéria está comprometendo os pilares da democracia. É comandada por dois inimigos da res pública, dois elementos de vasta folha corrida de maus serviços prestados à Nação, dois sujeitos sem a menor noção de bem público: José e Renan. Eles são completamente a favor da privatização ampla, geral e irrestrita. Começaram pelo Senado. É uma dupla caipira. Adoram formar quadrilha. Em festa junina. Com eles, não há fraude no Senado. A fraude é o Senado.

Uma comissão vai sustentar que não existiram atos secretos no Senado. Apenas 'atos com negação de publicidade' . Os senadores nunca mentem. Somente faltam com a verdade. De comissão, aliás, parece que muitos senadores entendem bastante. Sarney concorda com Luxemburgo: ser bem remunerado não é ser mercenário. Ser senador já é outra coisa. Alguém precisa pagar a conta. Se a torcida grita 'fora, Luxa', o eleitor se contenta com um simples 'é bucha'. O pior vem agora: Sarney revela que tem um plano (escondam as carteiras) e pede um voto de confiança. Tem mais: fala em enxugar o Senado. De novo? Até quando? Eu sarney.

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