segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pedro Potaço - MQ



Não deu tempo de pensar: Potaço atirou na direção do inimigo. O cano da arma velha fendeu-se com a explosão, o fogo cegou o olho da mira e chamuscou todo o rosto. Nem assim perdeu a agilidade. Esbravejando pulou por cima das touceiras de onde os soldados disparavam, lacerando os cujos com o terçado sem lhes dar tempo de carregar as armas, impondo-lhes sua valentia com a derrota. Eram poucos e ficaram ali para sempre, uns demoraram tolerando a dor e a morte chegar, suplicando por um golpe final de boa morte.       

Seus rompentes de valentia eram falados, dizia-se protegido e que sempre escapava porque a morte não o queria em seus desígnios. Parecia ser verdade pelas vezes que enfrentou tocaias e ardis que o inimigo impunha, como se soubesse de seus próximos passos. Essa fama o fazia, onde passasse, incorporar mais seguidores, já formavam um grupo de mais de quarenta entre tapuios, escravos fugidos e mamelucos como ele.

 Quando um sinal de caminho havia, a sina se impunha nas errâncias, sem tergiversar para o passado. Pedro Potaço lembrava o relho comendo a carne, a cada chicotada o algoz dava uma risada mais alta, sentia o sangue verter escorrendo até o cós da calça. Foi a primeira e a última vez que foi açoitado, cumprindo punição por comer da saca de farinha. Castigo imposto como escravo ele fosse, amarrado na argola da porta pelas mãos e sentindo o peso das do patrão misturar com a risada e os impropérios. A mulher pedindo clemência e o português batendo o preço da mão de farinha. 

No silêncio, a marcha descompunha em leque, até o barranco, modo evitar a tropa vinda em alcance. Divididos em grupos de três em três, sobrando na retaguarda Potaço e o mulato Mutu, ferido no peito.  


Acantonados na mata, sentiam o mormaço da tarde produzindo um torpor que contagiava a todos. Na espera do sinal, um momento de descanso no meio da fatigante marcha de tantos dias.


Tremeluziu na escuridão da noite nascendo; o sinal do candeeiro na margem, era o aviso. Estertorando ao seu lado, com o peito aberto por ferimento, o mulato perdia todo o sangue; os espasmos de dor pareciam afastar a morte; precisava ser carregado mas o tempo urgia, era uma distância que ele não dava conta de carregar só; a decisão foi tomada sem hesitação: fez que o iria carregar com uma mão e com a outra cortou a jugular na misericórdia de não abandoná-lo sofrendo.


 No lanchão, em meio ao gado, se esconderam, agachados para a travessia, o alvoroço dos animais foi se aquietando quando a embarcação pôs-se em movimento, margeando, rio abaixo, à espera do outro sinal. Quando ele, veio em três piscadas de lume da outra margem, a embarcação atravessou.

A roupa de algodão esmolambada que cada um vestia fazia muito perdera a cor; a sujeira predominava. As armas velhas, a falta de cartuchame, de pólvora, a maioria dos homens armados de terçados, bordunas e franzinas lazarinas mal davam conta da caça. O alimento era escasso, raro uma caça, dividida sem fartura, em nacos que não matavam a fome. Mas a valentia os alimentavam e sabiam ser sorrateiros.  

Ensombrecia a tarde quando o governador de armas começou a falar para uns poucos reunidos em volta atendendo o toque de rebate. O descaso com seu pronunciamento o deixou colérico. Gritava proceder do reino, de avoengos ilustres, gabava representar o império. Que iria acabar com os desmandos havidos até ali, enumerava a captura de revoltados, a prisão de uma dezena de culpados. E deram-se horas, até quando os estampidos da primeira carga surpreenderam a milícia formada no Largo.

O português foi encontrado morto entre as sacas, com a boca cheia de farinha empapada de sangue e a urina escorrendo, ainda quente, pelo chão.

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domingo, 29 de setembro de 2013

MARIA FRAGMENTADA - MQ

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sábado, 28 de setembro de 2013

Dozinha e Inácia - MQ


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- I’êle sortava vento inquanto fornicava i’eu, fornico froxo, por mode conta da nhandiroba qu’eu passava. Achava qu’era gosto meu. Quando envinha era os modo, fazê num duê, um avantajo daquele quereno... quereno... cruzi crêdo, Suzuca reclamava, Armina tamém. Insinei marrá tripa de porco cum olhim d’nhandiroba, na hora era só moiá um dedo, inludia. Suzuca cuntô pra Nhanjina, i’ela feiz tamém.

 

- Ficô tudo pra i’êle, gostano dele. Nois vigiava os rumo d’ele vim mó num querê o manipanço. Num matá boi, i’ele pegava nóis, uma. Medo de ficá sem coiê o sangue pro sarapatel, inda na bondade dele, procela dum oiá mais teso qu’eu davo.

 

- Ué mia parenta siô ôiava cedo pr’uma, paresque gustá du craro, cum’antão o vaquero Ventura du iscuro... i’êle sim. Caricia tripinha, caricia fingi detono, ‘struvenga firmava us gozo, quan’ele dava diamba, uns mais.

Remavam descendo o rio, com a canoa carregada de cachos, costume que faziam gosto, hora de se tardar, longe dos afazeres, longe da perseguição dos homens de mando. Hora mais feliz das duas.

No repuxo da curva, ouviram a explosão e viram o primeiro sinal de fumaça. Quando deu vista, o velame da embarcação inçado de vento fazia distância.

Temeram! Eram tantos homens que chegaram nos últimos dias, tantas armas e conversas... a cozinha ficava o dia todo com a mesa posta, davam comida a todos que vinham. Sabiam coisa importante acontecendo; o padre junto, muita gente bem vestida, livros e papéis esparramados, ordens pra todo lado; agora aquele silêncio e o sinal de fogo.

Uma luta teria durado mais e a guerra ouvida de longe. Remaram mais depressa e foram distinguindo a destruição, a casa grande, a senzala, o paiol, as moendas, tudo queimando, restado somente a capela com a parede lateral quase destruída

Encostaram na boca do igarapé com medo e desembarcaram cautelosas, se aproximando devagar, procurando avistar alguém que não havia ali. Nenhum corpo. Andaram nos arredores, nenhum cabaneiro, nenhuma criação, nada vivo. Como se tivessem sido engolidos pela explosão que ouviram.

Desnorteadas, as duas escravas dormiram aquela noite no que restou da casa e, na manhã, sem encontrar ninguém, somente aquele silêncio no ar, remaram subindo o rio, margeando entraram no primeiro igarapé, evitando quem fosse.

Enveredaram por muitos caminhos d’água, abandonando a canoa, pensando conhecer a nesga de barranco, e caminharam por horas para descobrir que não sabiam por onde andavam. Com a noite, o medo dos barulhos da mata, Inácia, ferida num resvaladouro e o cansaço, sem saber voltar nem para onde, tinham amarrado a canoa, prostraram embaixo dum enorme angelim.

Ali foram encontradas muitos dias depois Donzinha, fraca, variando e  comendo terra; Inácia com a ferida gangrenada na perna dando os últimos respiros.        

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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RODA DE CHORO - SÁBADO - DIA 28.09.13

 

ESPECIAL MARCELO TUPINAMBÁ II

 

O Roda de Choro deste sábado será especial. Vai dedicar-se integralmente ao talento, ao virtuosismo e pioneirismo do pianista e compositor paulista Fernando Álvares Lobo, conhecido internacionalmente como Marcelo Tupibambá, que em 2013 completa 60 anos de falecido.

A história deste personagem será contada com a participação do pianista e pesquisador Alexandre Dias e de Marcelo Leandro, bisneto do compositor.

 Roda de Choro, sábado, ao meio dia.

 
Produção e apresentação: Ruy Godinho
 
 
  Transmitido pela Rádio Câmara FM 96,9 Mhz - Sábado 12h [Brasília – DF] (www.radio.camara.gov.br)
 
Retransmitido por 148 rádios parceiras
 
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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Inscrições abertas para festival de documentário do Uruguai

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Estão abertas as inscrições para o 7º Festival Internacional de Cinema Documentário do Uruguai – Atlantidoc.
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Foto: Matt Rubens

O evento acontece na cidade uruguaia de Atlantida, entre os dias 3 e 8 de dezembro. São aceitas inscrições de documentários entre 5 e 120 minutos de duração, inéditos no Uruguai e concluídos após dezembro de 2011.
Filmes brasileiros selecionados para a competição internacional principal poderão solicitar auxílio pelo Programa de Apoio à Participação de Filmes Brasileiros em Festivais Internacionais da Ancine. O prazo limite para as inscrições é o dia 10 de outubro
Um júri formado por três profissionais das artes e do cinema será responsável por atribuir uma série de prêmios aos melhores filmes da mostra competitiva, além de premiações técnicas para melhor fotografia, edição, edição de som, produção, roteiro, direção de arte, direção e canção original.
A programação do festival conta ainda com mostras paralelas, seminários, workshops e apresentações orais de projetos de documentários.
Para realizar a inscrição e obter mais informações, acesse o site www.atlantidoc.com.

*Com informações do site da Ancine

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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Mário de Andrade - Paulo Mendes Campos

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Não sei que mãos teceram teu silêncio.
Morto. Estás morto. Sonhas morto? Morto.
Espantalho fatal, onde flutuas
Acordas borboletas tresvairadas.


Tua morte chegou nas folhas secas
Mas nada vi no ventre da noitinha,
Que não interpretei nas alegrias
Tua razão mais bela de acabar.


A noite está coalhada de formigas.
A cruz amarga a fé desesperada.
Há formigas na treva de tua morte
E em mim erram punhais entrefechados.


O simples tempo agora abre a vidraça.
Desarmaram nos campos a barraca.
Chega do canteiro a razão – flor
Para agravar sinais do inevitável.


O silêncio borbulha nos esgotos.
Bebamos o licor de tua morte.
Enquanto se suporta a solidão.
Tua morte foi servida numa salva.


Cisnes feridos, franzem meu destino.
Os convivas, as moças, as vitrinas
Não sabem que paraste. Mas eu sofro
O sono vegetal dos passarinhos.


Mas eu sofro. Eu e o morto que conduzo
Vamos sofrer até de manhãzinha.
Vamos velar aflitos sobre a terra
Que desviou o teu olhar das rosas.


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terça-feira, 24 de setembro de 2013

João Colonado e Tenanaí - MQ


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Ao sentar do sol vinham João Colonado, mulato zanoio e forte, com as últimas folhas de buçu que faltavam pra cobrir a maloca; a mulher Tenanaí, índia tembé, moça ainda, seguindo atrás com o jamaxim cheio de açaí e nas mãos o cacho de pupunha. Andavam pelo caminho novo, volteando o igapó rasado com a maré,  quando começaram ouvir o barulho, vozes e as pancadas secas, seguidas de outras abafadas, vindo da parte mais firme do Penacova. Parou no caminho, procurando a direção do vento com o meneio da cabeça para ouvir melhor. Pressentiu coisa ruim, mandou Tenanaí seguir só e foi por entre o mato espiar o que era.

Enquanto caminhava, o silêncio foi  permeando e o barulho sumiu no ar, dificultando achar o lugar de onde vinha. Por entre as folhas, observou tudo que vazava o silêncio, nada viu. Dispunha-se desistir quando ouviu o grito lhe dando o rumo. Eram marinheiros que se lavavam no igarapé. João Colonado observou as ferramentas amontoadas junto ao fardamento e, temendo ser descoberto, voltou às folhas de buçu, seu caminho, chegando à aldeia junto com a noite.

Não quis contar o que viu, pareceu esquecer mas na verdade o pensamento não se punha noutra coisa. Sabia os homens serem estrangeiros, mesmo forro, tinha remado por muitos anos, daí ter conhecido os Tembés, o proeiro Cananaú, irmão de Tenanaí. Sabia o ofício da marinhagem, os homens que se lavavam pareciam fazer alguma coisa escondida, seria ouro? Casa de canhão? Precisava descobrir o que era. A noite não lhe arrumava  sono, aquele supor o impeliu a voltar ao Penacova antes que o dia viesse.

Armou-se de borduna, facão, farinha com peixe seco e vagou pelo lugar até encontrar no limpado os três montes de terra, aproximou-se, cuidando o menor barulho no medo que alguma vigília houvesse, na valia do que fosse.

O escuro da noite abria um tom em volta do enorme buraco negro feito pela marinhagem. Parecia reter a escuridão tragada de todas as noites. Sentiu medo da grande cova, lembrou da bexiga matando tantos, o cemitério cheio, as valas comuns abertas no cemitério novo, a pústula vitimando autoridades, senhores, escravos, índios e raciados. Sem escolher situação, privando os poderosos das exéquias e honras militares.    

João Colonado esperou o levantar do sol. Escondido na toiça, mastigou o peixe seco com farinha, abasteceu a cuia de água e viu as primeiras horas da manhã passar no trinado dos pássaros. Atento, acompanhava cada movimento de bicho, de vento e da preamar. Pensava de novo na doença; fosse ela por que abrir cova tão longe? Distraído, só percebeu a presença de Tenanaí quando ela tocou-lhe o ombro. O susto não foi maior do que ver chegando os marinheiros transportando corpos, muitos corpos. Trazendo e os atirando no buraco. Todos homens, muitos fardados, brancos, negros, mulatos e cafuzos com pouca marca de luta, mas com sangue seco pelas roupas, todos com o rosto e as partes do corpo muito amareladas, engelhadas, como fossem anosos.

O casal viu jogarem na cova mais de duas centenas de cadáveres, em muitas viagens que deram até a margem; dali não podiam sair sem serem vistos. Quatro marinheiros armados de mosquetes vigiavam as ordens do oficial.

De onde se escondiam, João Colonado não entendia o jeito de eles lidarem com aqueles mortos, o descaso com as pústulas quando as tocavam sem temor. A mulher ao seu lado, sem senso, acompanhava cada pá de terra jogada como se contasse o tempo, querendo sair dali.

O quente do dia parecia alongar as horas que duravam aquele grande enterro comandado em língua inglesa, familiar a João Colonado, mas que ele não entendia palavra. Só tinha certeza da febre pútrida dizimando de novo.   

Depois da última pá, enquanto uns esparramaram a terra, nivelando o terreno, cobrindo de folhas, outros se banharam e embarcaram no lanchão.   

Em marcha rápida, João e Tenanaí voltaram à aldeia convocando todos, contando o que viram. No mesmo dia, os Tembés se puseram em rumo ao fundo mais fundo da mata, contrário ao Penacova.  

 
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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

domingo, 22 de setembro de 2013

Pedro, Paulo e Thiago - MQ


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Desciam o Menorista Thiago e os jovens remeiros jacundás, Pedro e Paulo. Logo que fizeram distância, o tempo foi se fechando com nuvens escuras, ensombrando o final da manhã; faziam a descida aproveitando a corrente e foram surpreendidos pelo despejar da chuva grossa temporã, com estalos e raios riscando o céu; as águas se agitando e o vento forte soprando em lufadas.

Temeram emborco até encostar na margem, balançando junto com o casco, sem governo, parecendo querer subir nas árvores ao comando do sopro forte e intermitente, indo de um lado a outro aos solavancos.

A sanha e força do rio puxaram a canoa, querendo devolvê-la ao meio da correnteza, os braços contrapunham resistência, levando-a pelo mato adensado, com a água batendo nas canelas, perdendo pelo caminho toda a palamenta e um dos remos.

O escurrume do céu dava um tom fechado no verde da mata, as tracuás soavam fora dos formigueiros, em todo galho em volta. Do lugar não tinham como sair, o alagado ia enchendo cada vez mais, o barulho da chuva, do vento, dos galhos caindo; a água subindo, as vistas alcançando pouca distância; estavam desnorteados e cansados de tentar segurar a canoa, padre Thiago rezava em voz alta acompanhado por Pedro e Paulo que mal balbuciavam a oração, ocupados que estavam em achar um jeito de domar os abalamentos.

A noite veio serenando aquela fúria, os barulhos foram diminuindo, a água baixando lentamente em meio ao breúme. Dali não saíram, até amanhecer o dia. Sentados no casco, dormiram com a canoa encamboada pelos braços no açaízeiro.

Na primeira luz da manhã, a água e o sujo da mata já tinham sido engolidos pelo rio que lavou a margem, formando um caudal lamacento e sem remansos. Os jacundás olhavam o religioso esperando a decisão; ela veio na forma de um - Deus nos proteja!  Retornaram à descida, aproveitando a velocidade das águas com um dos remos improvisado e, na valentia, enfrentaram a cheia, continuando a viagem.

Pouco tempo durou o esforço que faziam e a proteção invocada, bastou o tronco, impelindo a proa com violência, provocando o empino. No embate, perderam o domínio, as águas entraram pelas bordaduras, ao mesmo tempo que a embarcação virava sem obedecer aos remos, se pondo de lado, como se ao invés de descer, a jusante estivesse atravessando o caudal.

O viajante afundava e repontava em meio a ferocidade do rio, os remeiros agarrados ao tronco tentavam emparelhar e puxar o padre, este, quase inconsciente, debatia-se contra a volúpia das águas açodadas. Um corcovo o colocou enfeixado ao braço forte de Pedro.

Pelo dia quase todo, travaram a luta de permanecer rolando sem controle ou direção, até o amainar do rio com a preamar. Perceberam estar perto de alguma vila ou arruado, nadaram até a praia onde se jogaram na areia, exaustos, sem forças para procurar uma sombra; dormiram ali mesmo até o começo da noite.

Já era madrugada, quando foram surpreendidos pelos negros, índios e mestiços, armados e silenciosos que os puseram juntos, em marcha, para a invasão da Vila de Cametá.      

 
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sábado, 21 de setembro de 2013

PÁTRIA TRISTE - MQ

 
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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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O programa Roda de Choro deste sábado traz no primeiro bloco dois compositores desconhecidos dos primórdios do choro: Leandro de Sant'anna e Luiz Brandão.
No 2º bloco o destaque vai para o violonista paulistano Alessandro Penezzi e o som do CD Abismo de Rosas e outros solos de violão, lançado em 2001.
Em seguida faz lançamento, em primeira mão, do CD Pablo Fagundes e Marcus Moraes, virtuoses brasilienses da gaita e do violão.
No bloco do Choro Cantado, teremos o encontro memorável de Zezé Gonzaga e Jane Duboc no CD Clássicas, lançado em 1998.
 
E para finalizar o som do CD Café da Dona Chica, do excepcional conjunto piracicabano Água de Vintém.
       
 
 
Produção e apresentação: Ruy Godinho
 
 
 
Transmitido pela Rádio Câmara FM 96,9 Mhz - Sábado 12h [Brasília – DF] (www.radio.camara.gov.br)
 
               Retransmitido por 148 rádios parceiras
 
 
 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

JAC. RIZZO - A insustentável leveza


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Penso nas nuances
No branco que não é bem branco
No vermelho que desbotou
No azul que às vezes me parece verde
 
Só me compreendo nas gradações infinitas
Nas variedades intermináveis de tonalidades e matizes

As diferenças delicadas me explicam
Sobrevivo no limiar entre a força e a doçura

E a minha alma vive nas intermitências
do que é e o que parece ser


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VELAS - MQ

 
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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Balada de amor perfeito - Paulo Mendes Campos

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Pelo pés das goiabeiras,
pelo braços das mangueiras,
pelas ervas fratricidas,
pelas pimentas ardidas,
fui me aflorando.


Pelos girassóis que comem
giestas de sol e somem,
por marias-sem-vergonha,
dos entretons de quem sonha
fui te aspirando.


Por surpresas balsaminas,
entre as ferrugens de Minas,
por tantas voltas lunárias,
tantas manhãs cineárias,
fui te esperando.


Por miosótis lacustres,
por teus cântaros ilustres,
pelos súbitos espantos
de teus olhos agapantos,
fui te encontrando.


Pelas estampas arcanas
do amor das flores humanas,
pelas legendas candentes
que trazemos nas sementes,
fui te avivando.


Me evadindo das molduras,
de minhas albas escuras,
pelas tuas sensitivas,
açucenas, sempre-vivas,
fui te virando.


Pela rosa e o resedá,
pelo trevo que não há,
pela torta linha reta
da cravina do poeta,
fui te levando.


Pelas frestas das lianas
de tuas crespas pestanas,
pela trança rebelada
sobre o paredão do nada,
fui te enredando.


Pelas braçadas de malvas,
pelas assembléias alvas
de teus dentes comovidos
pelo caule dos gemidos
fui te enflorando.


Pelas fímbrias de teu húmus,
pelos reclames dos sumos,
sobre as umbelas pequenas
de tuas tensas verbenas,
fui me plantando.


Por tuas arestas góticas,
pelas orquídeas eróticas,
por tuas hastes ossudas,
pelas ânforas carnudas,
fui te escalando.


Por teus pistilos eretos,
por teus acúleos secretos,
pelas úsneas clandestinas
das virilhas de boninas,
fui me criando.


Pelos favores mordentes
das ogivas redolentes,
pelo sereno das zínias,
pelos lábios de glicínias,
fui te sugando.


Pelas tardes de perfil,
pelos pasmados de abril,
pelos parques do que somos,
com seus bruscos cinamomos,
fui me espaçando.


Pelas violas do fim,
nas esquinas do jasmim,
pela chama dos encantos
de fugazes amarantos,
fui me apagando.


Afetando ares e mares
pelas mimosas vulgares
pelos fungos do meu mal,
do teu reino vegetal
fui me afastando.


Pelas gloxínias vivazes,
com seus labelos vorazes,
pelo flor que desata,
pela lélia purpurata,
fui me arrastando.


Pelas papoulas da cama,
que vão fumando quem ama,
pelas dúvidas rasteiras
de volúveis trepadeiras
fui te deixando.


Pelas brenhas, pelas damas
de uma noite, pelos dramas
das raízes retorcidas,
pelas sultanas cuspidas,
fui te olvidando.


Pelas atonalidades
das perpétuas, das saudades,
pelos goivos do meu peito,
pela luz do amor perfeito,
vou te buscando.


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terça-feira, 17 de setembro de 2013

LUA - MQ

 
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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

domingo, 15 de setembro de 2013

O POVO DO BELO MONTE - MQ

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Leia a obra completa aqui:
 
 
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sábado, 14 de setembro de 2013

CARDUME - CARLOS MOREIRA

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 "Cardume", de Carlos Moreira (editora Valer) será lançado em três datas em São Paulo: dia 17 de setembro, às 19h, na Casa das Rosas; dia 20 de setembro, às 20h, na Casa de Farinha, em São Miguel, e no dia 21 de setembro, no Cemitério dos Automóveis, às 20h.

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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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O programa Roda de Choro deste sábado vai ser o especial Luperce - Jacob - Waldir. E promete fazer uma análise e comparação das obras e da relação desses três grandes instrumentistas brasileiros, que viveram, brilharam na primeira metade do século XX e deixaram uma enorme contribuição à Música Brasileira.
Há muita coisa interessante envolvendo as personalidades desses três ícones e algumas polêmicas, que foram reveladas no livro "Luperce Miranda - O Paganini do Bandolim", da escritora Marília Trindade Barbosa, lançado em 2004.    
       
 
Produção e apresentação: Ruy Godinho
 
 
        Transmitido pela Rádio Câmara FM 96,9 Mhz - Sábado 12h [Brasília – DF] (www.radio.camara.gov.br)
 
Retransmitido por 148 rádios parceiras
 
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Nhãnacinha e Bartolomeu - MQ


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Nhãnacinha era nova e miúda, mestiçada na proficiência da cura, herdade de africanos, holandeses e nheengaíbas. Vivia com a mãe na casa velha abandonada,  ao lado do cemitério. Usava fumo, pólvora, caachica e copaíba em segredo de misturação; juntava emplastos, pedilúvio e fumaça de diamba, variando modos para cada moléstia; isso não ensinava a ninguém, enquanto fosse nova ainda, dizia.

Até a enfermidade exsudar não saía de junto, trocando panos, untando partes, dando beberagem, mudando, se preciso fosse, as infusões. Aparadeira, como gostava de ser chamada, lidando com o natural de nascer, não dispensava as usanças, meizinhas feitas em fogo de coco tucumã e emplastos com casca de anileira, ramos e raízes de ervas aromáticas pondo asseio no ar.

Dores lancinantes, submissão do conhecimento ao desígnio da morte, bafejando hálito frio na mãe e no filho quase nascendo. Assim ele descrevia na sala, o parto. Que dia aquele, chamar uma mestiça, feiticeira visitadora, com aquelas rezas e tratando o caso com um esparregado sabe lá de quê, pensava o boticário Bartolomeu, demonstrando no semblante sua indignação, mas dali não sairia; ia esperar o padre chegar, queria ver sua reação.

Na cozinha e no quarto, o corre-corre contrastando com o silêncio do resto da casa; um olor de muitas misturas prenunciou os gritos da criança saindo para o mundo. Nhãnacinha derramou uma casca ralada na farinha escaldada, deu colher por colher até se apagar a alvura do corpo da quase morta, saindo silenciosa sem ninguém notar.

Quando chegou, paramentado para a extrema-unção encontrou a mãe amamentando o filho ao lado do marido, em meio ao ar perfumado. Bartolomeu queria ver o espanto que o acontecido ia causar no padre, esperava conjuras. Mas tal não houve, ele apenas quis saber quem chamara e onde estava a visitadora. Foi quando deram falta de Nhãnacinha e o marido disse ter autorizado a parteira buscar a benzedeira, em recurso de aflição depois de até o boticário desenganar.   

O padre atribuiu à fé de todos naquela casa, o milagre. Rezou o terço, respondido pela família, os presentes e os escravos contritos. Recomendou antes de sair mais orações, talvez uma novena e muita caridade.

Bartolomeu ainda demorou em perguntas sobre Nhãnacinha, de quem ouviu quase nada. Curava, curava qualquer moléstia era o que sabiam dizer. Nunca conseguia encontrá-la em casa, a mãe não entendia, nem falava nada, parecia morta por dentro, ficava só olhando, ausente, cuspilhando por entre os dentes podres.

O encontro dos dois se deu por acaso nas matas de Nazaré. Ela sentada embaixo da copada parecia cantar baixinho. Ele primeiro observou de longe antes de chegar perto.

 

-         Que fazes Nhãnacinha?

-         Côiu cura, seu.

-         Cura?

-         N’ora cá vida anda nus drento, seu.

-         Tem hora de colher?

-         Tem nas foia, nus talo, nas raiz, nus musugo, n’ora du sagadro, dus cada, seu 

 

Parecia falar sem sequer abrir a boca, respondia como se adivinhasse o que ele ia perguntar. Espalhados pelo chão em pequenos amontoados, cascas, raízes, favas, folhas secas, umbrelas e, nos bornais, besouros e outros insetos. Admirado com a facilidade das respostas, perguntava mais.

 

-         Colhe cura também? Apontando o besouro.

-         Só côiu cura, seu. Nus tudo, bichu, pexe, us qui avoa, in qui tudo tá vivim, se murre ind’atá vivim, sirvintia dum nus otro.

-         Como curou o parto?

-         I’eu? Aparano... aparano...

 

Falava colocando e tirando as mãos da testa, olhando desconfiada. Bartolomeu insistia em saber mais, contava que também curava doenças, sabia muitos segredos, fazia remédios. Ela apenas olhava e mexia a cabeça como se fizesse um círculo.

 

-     Rhum, inda tô vivi’nha muto, ensi’não.

-         Onde nasceste? perguntou Bartolomeu.

-     Baribó, seu.

 

Bartolomeu conviveu com Nhãnacinha a partir daquele dia, aprendendo sempre alguma coisa, mais por observá-la  lidando com o colher cura, como dizia, do que ouvindo dela. Nos muitos anos nunca soube tudo o que continha, a dosagem e a mistura de seus preparados, nem como fazer os emplastos e infusões, quando a levava na botica e mostrava os vidros com as diversas substâncias, ela cheirava cada uma sem falar nada. Não raro era encontrar depois, quando trabalhava na manipulação, um pedaço de casca, raiz ou até insetos em cima da tampa dos vidros. Ia perguntar.  

 

-         Nhãnacinha ensina?

-         Chuu... pirgunta, pirgunta... boca cume.

 

E juntando os dedos da mão, apontando pra debaixo das pernas.

 

-         Discume... ruim. Cura qui, seu.

 

E apontava o dedo nos olhos, nos ouvidos, na outra mão e depois o passava pelo corpo todo.

 

-         Qui, qui e qui...   

 

Quando a encontrava na mata, recebia bornais de folhas, casca de anileiro, em pequenos maços separados e amarrados com palha de tucum ou a cuia de girinos; com o movimento, ensinava esfregando com a mão fechada, a palma estendida da outra, o modo de extrair as substâncias.

Bartolomeu, com a convivência, aprendeu a perguntar sem palavras, ora com os olhos, ora tentando cheirar, ouvir ou fazendo um gesto com as mãos, era o jeito de arrancar dela mais respostas.

De uma primeira vez seguiram outras mais; Nhãnacinha numa serventia o levou junto. Ela o deixava ir mas nunca se aproximar e conhecer seus modos. Ele de longe via aquela criatura franzina, de mãos pequenas, se transmudar em meio às mazelas e o abandono daquelas cabanas miseráveis.    

Bartolomeu pedia com os olhos, ensina mais? 

 

-         Rhum, inda tô vivi’nha muto, ensi’não, seu.

 

Mas ensinava a seu modo e Bartolomeu ia aprendendo e sempre pedindo fora das palavras, mais.

Mal abriu as portas, chegou o recado urgente, doença, mando de Nhãnacinha. Foi o mais rápido que pôde e a encontrou prostrada na rede, emborcada no fundo parecendo ter diminuído de tamanho, com as pequenas mãos segurando a fronte como se a cabeça doesse muito.  

 

-    Nhãnacinha, o que tu sentes?

-         Gorinha, onte, tavo vivi’nha muto, seu.

 

E começou a tossir seu último suspiro. 

 
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