Tinham nascido em lugares distantes um
do outro, épocas diferentes, costumes outros vieram em cada um para os dois.
Ela era quase surda, ele enxergava
muito pouco. Em ambos, os dois sentidos desfaleciam. Quando se conheceram, ela
o amou no instante que o viu. Ele, ouvindo, foi se entregando devagar,
descobrindo-se na sensualidade daquela voz.
Com o tempo perceberam que suas almas
se pertenciam; a dela, masculina, via a vida e deslumbrava-se com tanta forma e
tanta cor. A dele, feminina, ouvia tudo que soasse no ar e nos seres.
Num, o silêncio apagava a música do
som; no outro, a escuridão calava a luz enquanto se pertenciam.
Viveram juntos pelas ruas do bairro,
decorando cada forma, ouvindo a vida. Andavam o dia inteiro; quando anoitecia,
misturavam os sentidos no amor. Era assim que ela escutava a vida e ele via a
beleza do mundo.
Quase a um só tempo: a tecnologia deu
a ela o aparelho minúsculo, ouviu. Ele recebeu o transplante da córnea tão
esperada, agora via.
Mas, ao se amarem sem suas
deficiências, uma sensação nova os engoliu. Era como um amor que não valia,
cego e surdo... morria.
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