quinta-feira, 2 de agosto de 2012

REINALDO AZEVEDO

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OS 11 DO SUPREMO COMEÇAM A DECIDIR HOJE O DESTINO DE 200 MILHÕES, NÃO APENAS DE 38 PESSOAS

O Supremo Tribunal Federal começará a decidir hoje, caso não seja atropelado ou se deixe atropelar por alguma manobra, que cara pode ter o Brasil nos próximos cinco, dez, quinze, cinquenta anos… Se os ministros da Corte — sempre atentos às provas, claro!, mas cientes de que corruptos profissionais não costumam deixar ato de ofício — disserem ao país que são inaceitáveis os episódios reunidos sob o nome-fantasia “mensalão”, então temos futuro ao menos, desde que passemos a fazer as coisas certas. E só há uma maneira de eles dizerem isso: condenando os réus. Se, por outra, a maioria decidir inocentá-los, especialmente ao núcleo duro do escândalo (José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério), então, meus queridos, será o caso de rezar. Porque a esse eventual resultado desastroso se seguirá um verdadeiro tsunami de imoralidades. Afinal, se aquelas são transgressões menores, que não merecem o peso de uma pena, então tudo é permitido entre o Oiapoque e o Chui.

Guardemos estes nomes: Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. Eles não estão decidindo apenas uma pequena parte da vida de 38 pessoas. Eles estão decidindo é o destino de 200 milhões de brasileiros e de outros milhões que estão por vir. Guardemos esses nomes: eles poderão restar na história como personagens de um marco histórico: o dia em que as leis brasileiras disseram aos poderosos que eles não podem tudo. Guardemos esses nomes para que sejam decorados por nossos filhos e por nossos netos. Eles poderão vir um dia a ser exaltados como os protagonistas do dia do “Basta!” Mas também poderão ser execrados como exemplos acabados de promotores da impunidade.

Não se deixem intimidar pela rede petralha, que vem com a tese furada, vigarista, de que tudo não passou de caixa dois de campanha, coisa menor, quase uma besteirinha. Não se deixem sequestrar pela falácia. Se usaram o dinheiro para pagar dívidas de campanha ou para tomar Chicabon, isso não muda a natureza dos crimes cometidos para obter os recursos. Eu insisto neste ponto: tanto pior se a dinheirama ilegal, vinda de empresas e órgãos públicos, foi usada para financiar eleições. Isso quer dizer que recursos públicos foram empregados para fraudar um dos pilares da democracia. Se a turma tivesse usado a grana para cair na farra, acreditem!, seria igualmente grave do ponto de vista moral, mas menos deletério no que concerne à ordem democrática.

Os 11 do Supremo estarão escolhendo um futuro para o país. Então não é esta a Casa que, num impulso moralizante — ainda que eu ache a tese discutível —, aprovou a Lei do Ficha Limpa? Que limpeza espera da política quem, na prática, condescende com o uso do dinheiro público como se privado fosse, usado para financiar partidos políticos e parlamentares? Se houve crime eleitoral também — e isso parece incontroverso —, ele está no uso que se fez do dinheiro, não na maneira usada para consegui-lo.

Exemplo de lambança
Já reproduzi aqui e faço-o de novo trecho do relatório da CPMI dos Correios que explica como funcionavam os “empréstimos” feitos pelo Banco do Brasil às agências de Marcos Valério. Vale a pena reler:

1.2 – O Banco do Brasil e empresas associadas
As ligações das agências do Senhor Marcos Valério com as empresas do governo podem ser a fonte dos recursos que foram destinados às pessoas indicadas pelo Sr. Delúbio.
Pode-se tomar como exemplo o contrato de publicidade e propaganda celebrado entre o Banco do Brasil e a empresa DNA, que foi objeto de auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União em que se constataram irregularidades na sua execução.
Os Bônus de Volume, diferente de bonificação, deveriam ter sido transferidos ao Banco do Brasil, de acordo com o contrato, mas não o foram. O Banco, por seu turno, não tomou as medidas para receber esses valores, em descumprimento aos arts. 66 e 67 da Lei n° 8.666/93 e às cláusulas contratuais. Segundo o TCU, o prejuízo pode ter chegado a RS 37.000.000,00.
A Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet – e a Servinet também podem ter sido utilizadas pelo Banco do Brasil para repassar recursos ilegais à DNA. Essas empresas repassaram, à DNA, R$ 91.149.916,18 no período de 2001 a 2005 e, segundo o Senhor Antônio Luiz Rios (sócio das duas empresas), não mantinham contrato com a DNA. Conforme seu depoimento, desde 2001 os pagamentos à DNA pela Visanet são oriundos do Programa “Fundo de Incentivo Visanet”, proposto pelo Banco do Brasil, sendo que os repasses se davam mediante autorização do Banco.
A CPM1 rastreou os dois maiores créditos efetuados pela Visanet à DNA – R$ 23,3 milhões em 20/5/2003 e R$ 35 milhões em 12/3/2004 e verificou que:
a) quanto ao crédito de RS 35 milhões, observa-se que, em 12/3/2004, a Visanet depositou R$ 35 milhões na conta da DNA no Banco do Brasil; no dia útil imediato, a DNA transferiu R$ 35 milhões para outra agência do Banco do Brasil e, no mesmo dia, aplicou R$ 34,8 milhões em fundo de investimento do Banco; pouco depois, em 22/4/2004, a DNA efetuou uma TED de R$ 10 milhões a crédito do Banco BMG, referente à compra de certificados de depósito bancário; quatro dias depois, em 26/4/2004, foi concedido empréstimo de exatos R$ 10 milhões do Banco BMG a Rogério Lanza Tolentino & Associados. Como garantia, apenas o aval de Marcos Valério Fernandes de Souza e Rogério Lanza Tolentino e a aplicação financeira da DNA junto ao BMG acima referida. Apenas após a instalação da CPM1 foi proposta a execução judicial do crédito.
b) no tocante ao crédito de RS 23,3 milhões, verifica-se que, em 19/5/2003, a Visanet depositou R$ 23,3 milhões na conta da DNA no Banco do Brasil; no dia seguinte mesmo, a DNA aplicou R$ 23,2 milhões em fundo de investimento do próprio Banco do Brasil; depois, estranhamente, em 26/5/2003, a SMP&B, também pertencente a Marcos Valério, tomou empréstimo de R$ 19 milhões no Banco Rural. Há fortes indícios de que esses empréstimos, na verdade simulados, serviram de fonte de recursos para distribuição de dinheiro, conforme admitiram os próprios envolvidos, Srs. Delúbio Soares e Marcos Valério.
(…)

Voltei

Deu pra entender a lambança? Sim, senhores! Os 11 do Supremo estarão dizendo se o Brasil passará a considerar corriqueiras essas práticas. Não adianta! Se o Supremo procurar um memorando em três vias de alguma autoridade mandando fazer isso e aquilo, não vai encontrar, por certo. As evidências da cadeia criminosa se encontram na relação que os réus mantinham entre si e na cadeia de subordinação. Imaginar que Delúbio Soares, por exemplo, fosse o nº 1, o nº 2 ou nº 3 do partido é desses delírios ridículos. O Supremo julgue Dirceu como lhe parecer, mas uma coisa é certa. Se deixasse memorando assinado, não seria Dirceu. Porque é quem é, então não deixa. A questão é saber quem articulava a base de apoio do governo e como essa base se aproveitou desse esquema. Isso tudo está devidamente caracterizado.

Os 11 do Supremo estarão, a partir de hoje, acertando menos as contas do Brasil com o seu passado do que estabelecendo um pacto com o futuro. Se o tribunal disser, em nome da nacionalidade, que determinadas práticas são inaceitáveis e serão severamente punidas, então os agentes públicos saberão que certas linhas não devem ser cruzadas. Mesmo aqueles que se virem a tanto tentados podem ser coibidos pelo receio da punição. Se, ao contrário, derem uma piscadela para o vale-tudo, numa interpretação rebaixada, lassa e relapsa do que se entende por um tribunal “garantista”, então as garantias do conjunto dos brasileiros é que vão para o lixo.

É preciso que jamais percamos uma questão de vista: a penca de crimes cometidos tinha um intuito: passar a governar a país por meio de um estado paralelo, financiado por dinheiro ilegal, para atender a uma agenda que estava fora dos limites institucionais.

Por essa razão esse é o mais grave caso de corrupção da história do país e o julgamento mais importante jamais havido no Supremo. Anotem os respectivos nomes dos 11 ministros. Com eles, faremos história e contaremos a história. Vamos ver qual.

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