sábado, 7 de julho de 2012

CIDADE GRANDE - MQ


Cidade grande

Para Marina





Primeiro ato





Todos os dias

A cidade grande tentará me engolir

Neles finalizarei alguma coisa

E começarei outra

Em alguns momentos

 Poderei estar muito feliz

Noutros esperarei

Com a paciência da determinação

Porque meu tamanho

É maior que sofrimento e dor





Segundo ato





Quando dôo o meu fazer

Sob o sol da praça pública

A cidade com sua estridência aceita

E respeitando

Assiste meu olhar

Retirar miudezas de suas entranhas

E o humano universo

Que vive em seus habitantes

Atravessa-me e mostra

O caminho prazeroso de andar





Terceiro ato





Um dia é todos os dias

Na disputa por um lugar na rua

Moradores apenas com o senhorio

De suas vontades e suas carências

Habitando o costume de senti-las

Põe seus improvisos cara a cara

Com a informalidade e, miúdos,

Entram na cena do meu oficio, encenam





Quarto ato





O assalto se concretiza

A ternura deles rouba a minha

E deles roubo o que caracteriza

O meu personagem instante a instante,

Improvisando o atraente por si

Nessa hora todos se transfiguram,

Nãosolidão e a cidade disfarça

Sua vontade de querer dançar





Quinto ato





Tudo será intenso

Então é muito bom ficar sozinho

Sentir o ritmo do corpo

Prepará-lo para o que se pode

Entender que é santificado

Somente porque te pertence

E move a vontade de caminho

De chegar para partir

Desinibindo o passante

E o dono do lugar sem dono





Sexto ato





Calma, cidade de concreto abstrato

Morro um pouco todos os dias

Pelas suas avenidas, esquinas e ruas

Não me queira duma vez

Apenas posso te desvendar

Porque continuo calmo

respirando, se preciso for

E a solidariedade contracena

Comigo todos os dias





Sétimo ato





Sinto medo

Mas posso atravessar todos os momentos

Carregando olhares

Cheios de cumplicidade anônima

Que sentem o mesmo

E elegem viver sem indiferença

Então escolho não adormecer

No leito do seu asfalto nu

E entendo a aridez necessária

Ao são do meu corpo





Oitavo ato





Tenho total consciência de onde moro

Sou muito amado

Aprendi como será minha loucura

E onde quero lucidez

Nenhuma estrutura há de faltar

Quando vier a escuridão

Força que vai dar tudo certo

Força estou aqui ao seu lado

O amor me finca estacas

Reforça todos os meus alicerces





Nono ato





Ah! cidade tão pequena,

Quando sua gente se descobre

Na simplicidade, no perigo

E na grandeza de aprender

Nos meus pais e irmãos

Vejo pessoas, reconheço passos

Nos anônimos, esbarro

Vejo pessoas crio outros laços

Nenhuma dor embaça

Minha consciência, por isso grito





Décimo ato





Acredito no humano

Habitante de cada um, e o enxergo

No viés de qualquer desatenção

Medo ou indiferença

Cidade grande

Igualmente humana nos seus detalhes

Quando permite se permite também

Procede consentindo

Que em suas veias

Não corra o sangue da minha força





Décimo primeiro ato





Qual dor é maior

Que a marca da indiferença dilacerando
Posso tudo que range

Sem conformação, posso contagiar

E transgredir o que esta anestesiado

Calado na miséria social

Meu corpo está pronto

Para contaminar todos os poderosos

E liberar a partilha da generosidade

Retida na beleza humana





Décimo segundo ato





A ti dôo meu sangue, cidade grande,

Quando ouço as histórias

Da gente que vive confundida

Com os protocolos da miséria

Escuto com alegria os que contornam

O jeito do absurdo

Os que me aconselham

Afastar das aparências enganosas

Porque ninguém nada tem

Senão o que está dentro de si





Décimo terceiro ato





E quando displicente

Impõe-me a dor ou qualquer incômodo

Meu corpo pode parecer se acostumar

Mas meu querer não

Por isso minha palavra

Mesmo subserviente é sem medo

Valida o que aprendo

E troco freqüentando suas entranhas

Tenho vício de enxergar

E conviver com detalhes esquecidos





Décimo quarto ato





Ao tentar engolir cidade grande

Deste-me maior tamanho

Os momentos de crescimento

Moram na minha história

São sagrados e foram ungidos

Como verdade humana

Sem estatísticas, procedimentos

E todas as burocracias

Muitos anjos pacientemente

Olharam-me, se deixando olhar





Décimo quinto ato





O carinho passa nas minhas horas

E subverte a relação

Sou também a criança

Que quer poder brincar com a dor

Sinto os muitos gestos

De amor esparramados em volta

E me torno pessoa

Permutando com as outras pessoas

Nossos lados, nossas crenças

E todas as aceitações





Décimo sexto ato





Não és minha casa, cidade grande,

Tens muitas surpresas

Sol e movimentação,

Chuva, frio e muitos pequenos detalhes

 Sua arquitetura tem tantos sons

E silêncios cochichando

Mas escutas minha determinação

Que ignora porcentagens

Porque me sentes andar passo a passo

É assim que quero





Décimo sétimo ato





Nada poderá me impedir

Caminhar nas ruas e avenidas

Com suas praças

tenho a intimidade dos saltimbancos

E sei tanta coisa que é possível fazer

Para desvendar-te

Quantas haverão de ser felizes

E se farão divertidas

Muito haverei de mensurar

No valor real que tem ser





Décimo oitavo ato





Não tenho que sofrer

E me submeter aos seus números

E podemos trocar atenções

Sem a imposição da alegria

Porque esta eu mesmo quero

Procurar sem promessas

Na acuidade do meu olhar

Sobrevivendo noutro olhar

Entendendo a lembrança

De todos os meus caminhos





Décimo nono ato





Todas as vezes que tentar

Engolir-me, cidade grande,

Aprenderei alguma coisa

Na sua vaidade de concreto

Porque antes de tudo

Sou pessoa e me trato inteira

Meus gestos não se gastam

Quando os dimensiono

E tenho a liberdade

Para a justeza de também perdoar



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