sábado, 15 de agosto de 2009

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

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UM CHAMADO JOÃO

joão era fabulista?
fabuloso?
fábula?
sertão mística disparando
no exílio da linguagem comum?
projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
um estranho chamado João
pra disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?
era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multivoca?
joão era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
com misturar, sem conflitar?
e de cada gota redigia
nome, cura, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de céus novos?
mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelado
de precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas de abracadabra, sésamo?
reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
por que joão sorria?
se lhe perguntavam
que mistério é esse?
e propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do principio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?
ficamos sem saber o que era joão
e se joão existiu
de se pegar

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