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NÓ NA MADEIRA
(João Nogueira/Eugênio Monteiro)
Eu sou é madeira
Em samba de roda já dei muito nó...
Em roda de samba sou considerado,
De chinelo novo brinquei carnaval, carnaval.
Eu sou é madeira
Meu peito é do povo do samba e da gente,
E dou meu recado de coração quente
Não ligo a tristeza, não furo eu sou gente.
Sou é a madeira
Trabalho é besteira, o negócio é sambar
Que samba é ciência e com consciência
Só ter paciência que eu chego até lá...
Sou nó na madeira
Lenha na fogueira que já vai pegar
Se é fogo que fica ninguém mais apaga
É a paga da praga que eu vou te rogar, devagar...
Sou nó na madeira
Lenha na fogueira que já vai pegar
Se é fogo que fica ninguém mais apaga
É a paga da praga que eu vou te rogar, devagar...
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Então, foi assim...
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A letra de Nó na Madeira foi escrita no início da década de 1970, pelo poeta e compositor Eugênio Monteiro1 com o intuito de elevar a auto-estima do compositor e cantor João Nogueira2. Na época, João estava numa fase ladeira abaixo em função de uma série de acontecimentos negativos em sua vida.
Ele tinha composto sozinho o samba de carnaval Chinelo Novo e deu parceria para o cantor Miltinho, que vencera o carnaval do ano anterior com a música Tristeza (por favor, vá embora...). Como não era muito conhecido, a idéia dele era entregar a música para alguém que estivesse na mídia, para facilitar o trabalho de divulgação. Miltinho, que não havia posto uma vírgula, entraria na parceria como caitituador3, personagem muito comum na Época de Ouro do rádio. O célebre cantor Francisco Alves, conhecido como O Rei da Voz, foi um dos maiores caitituadores da história da música popular brasileira. Em troca, exigia parcerias para gravar inúmeras músicas. Foi também um dos maiores comprositores, ou seja, comprava composições inéditas de autores populares, gravava e as registrava como dele, outra prática corriqueira na época.
A estratégia deu certo: Chinelo Novo fez um enorme sucesso. O que João Nogueira não contava era que seu nome ficasse à margem. Na hora de receber os prêmios e homenagens, nas entrevistas em rádios e TVs, só quem aparecia era o Miltinho, que sequer citava o nome do verdadeiro autor. “Conheci esse samba muito antes do Miltinho entrar nessa história.
Aliás, o João sempre me pediu pra não tocar nesse assunto, porque parceria é parceria”, afirma Eugênio Monteiro4. “Se Miltinho teve participação, foi muito pequena. Uma vírgula, um ponto, a interpretação. Mas só aparecia o Miltinho como o Rei da Cocada Preta. João Nogueira era esquecido e ficou muito chateado com esse negócio. Por isso, parte da letra – que pouca gente sabe e entende – de Chinelo Novo brincou carnaval, carnaval... era por causa do samba Chinelo Novo”, continua Monteiro.
Outro componente abordado na letra é que João Nogueira namorava uma cantora que não acreditava no talento dele e o aconselhava a desistir da carreira artística. Principalmente porque João era adepto da inversão dos tempos fracos com os tempos fortes na hora de cantar, que se tornou uma característica dele. Nogueira tinha muita habilidade manual e, nas horas vagas, trabalhava como vitrinista. A tal garota afirmava que ele não daria para a música, que permanecesse como vitrinista. Ele se sentia frustrado porque gostava da moça. Como era cantora de um grupo musical que fazia sucesso, foi para os Estados Unidos passar uma temporada e deixou o namorado na maior saudade. Quando o grupo voltou, a cantora ficou por lá, casou-se com um norte-americano. Nogueira ficou bastante chateado. “O negócio da paga da praga que eu vou te rogar era exatamente para a menina. Ele estava realmente exorcizando aquela situação”, afirma Eugênio Monteiro.
Para completar, Nogueira estava comprando um apartamento financiado pela Caixa Econômica Federal. Já tinha até dado um sinal para garantir a transação. Mas o banco fechou a carteira e o financiamento não pôde sair. Ele perdeu todas as suas economias. “Foi muita coisa ao mesmo tempo. Quando o cara está de azar cai de costas e quebra o pau”, sentencia Monteiro.
O letrista sabia de todos esses detalhes porque ambos eram funcionários da Caixa; o poeta era tesoureiro e o músico, mecanógrafo, uma profissão extinta pela automação bancária. Além da relação profissional, ficaram amigos e confidentes. Foi durante o expediente que souberam que um era músico e o outro poeta e começaram a ensaiar as primeiras parcerias. Eugênio já tinha composto o famoso Frevo do Elefante, com Maurício Tapajós, em homenagem a um bloco carnavalesco de Recife.
Quando a música nasceu, a letra de Nó na Madeira – que inicialmente recebeu o título de Amigo Nogueira – já estava pela metade. Tudo aconteceu num só encontro no Restaurante Fiorentina, no bairro do Leme, Rio de Janeiro, de propriedade da produtora de teatro Zélia Hoffman. O famoso restaurante reunia intelectuais, artistas de cinema e da música como Sérgio Porto, Antônio Maria, Carlos Machado... Da mesa onde esse pessoal se reunia, Zélia não costumava cobrar. Eugênio Monteiro relembra que “volta e meia o Antônio Maria me chamava pra mesa. Eu era poeta, pernambucano como ele, de família conhecida... Eu terminava sentando lá e pegava essa boquinha de conviver com o pessoal do meio artístico na época. Nessa mesa eu introduzi o João Nogueira. Lá ele conheceu diversas pessoas do meio artístico. Sentamos e começamos a conversar. Naquele tempo tinha umas etiquetas de enrolar dinheiro que eu usava como uma espécie de bloquinho de anotação. Peguei as etiquetas e comecei a escrever. A letra nasceu no restaurante numa tirada só. Aí o João pegou a caixa de fósforos, interrompeu e disse: ‘Olha, eu acho que dá um samba legal’. A segunda parte eu fiz acompanhando um pouco a melodia que ele já estava delineando. E tem umas viradas na
música: Sou nó na madeira lenha na fogueira que não vai pegar...”
Tempos depois a cantora Cláudia Regina queria gravar uma música e João Nogueira ofereceu-lhe o samba. Antes, ligou para Recife para falar com Eugênio Monteiro – que havia sido transferido para a capital pernambucana – para combinarem a mudança da letra. Eugênio mudou o início, de Amigo Nogueira para Eu sou é madeira, alterou o tempo do verbo para a primeira pessoa e o título.
Nó na Madeira foi gravada três vezes por João Nogueira: nos LPs Vem Quem Tem (1975), Levanta Poeira (1977) e Além do Espelho (1992) e se transformou no carro-chefe de sua carreira. Mas a safra dele é repleta de sucessos: De Amor é Bom; É Disso Que o Povo Gosta (com Carlinhos Vergueiro); E Lá Vou Eu, Eu Heim, Rosa!, O Poder da Criação e Mineira (com Paulo César Pinheiro), esta última dedicada à Clara Nunes.
A música foi gravada também por Emílio Santiago, no LP Brasileiríssimas (1976), pelo Grupo Raça, no CD Jeito de Felicidade (1993), por Dora Vergueiro, no CD Leve (1996), por João Bosco, no CD Através do Espelho (2001) e por Mart’nália, no CD Mart’nália ao Vivo (2004).
“A gente sempre fez as coisas muito de parceria mesmo. Cada um dando idéia. Ele na letra e eu na música”, arremata Eugênio Monteiro, que fez outras canções com João Nogueira. Mas, a parceria se notabilizou mesmo por Nó na Madeira.
1 José Eugênio Monteiro da Silva 18/5/1943 Recife-PE.
2 João Batista Nogueira Júnior 12/11/1941 Rio de Janeiro-RJ 05/6/2000 Rio de Janeiro-RJ.
3 Caitituador: pessoa que, por meio de visitas, insistência verbal, distribuição gratuita de discos e até pelo suborno, promovia
em lojas de discos, estações de rádio e TV, a execução de composições musicais populares, suas ou de outrem.
4 Entrevista concedida ao autor, em março de 2007, em Brasília, por telefone.
Ruy Godinho
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