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Como já relatei antes em texto a respeito do Caiubi, quando estive pela primeira vez na casinha da rua de mesmo nome, nº 420, havia só meia dúzia de gatos pingados. Fiquei um tempo sem ir, por motivos que escapavam à minha vontade, e, quando finalmente consegui voltar lá, depois de alguns meses, pra minha alegria encontrei a casa cheia e, a exemplo de Zé Rodrix, também me encantei com a qualidade do que ouvi. E entre os que mais me chamaram a atenção naquela noite estava Max Gonzaga. Confesso que ver sua apresentação naquele improvisado palco causou-me sensações conflitantes, pois, ao mesmo tempo que sua música e sua presença de palco me arrebatavam, não me passou despercebido que sua autoconfiança podia ser interpretada também como arrogância.
Não me lembro se já nessa noite Kana chegou a cantar, pois hoje, passados muitos anos, lembro-me daquelas saudosas noites como se fossem uma única. Mas o fato é que, ou nessa noite ou na seguinte, Max, pra minha surpresa, veio até nós com a intenção de comprar um CD da Kana. Assim, acabamos trocando CDs, e pude ouvir com calma aquele belo trabalho intitulado Marginal e constatar que ele era realmente um compositor formidável e possuía muitas belas canções além daquelas que eu ouvira.
Conversando com ele percebi que o que eu entendera como arrogância nada mais era que uma personagem que Max desenvolvera pra não deixar transparecer certa insegurança, pois, apesar de não parecer, ele era um cara, senão tímido, ao menos, reservado. Afinal, era um rapaz latino-americano vindo do interior, pra ser mais exato, de São José dos Campos. Mas quem o visse sobre o palco não adivinharia, pois a música de Max é 100% urbana. Ouvindo suas canções, que possuem uma linguagem capaz de exacerbar nossos sentidos, podemos sentir o cheiro da fumaça e dos esgotos, ouvir as buzinas dos carros nos engarrafamentos e até mesmo as hélices dos helicópteros (podemos também ouvir o amor feito em meio ao caos ou o grito de um solitário num apartamento vagabundo do centro). Max é um cronista urbano, como era Adoniran, mas onde este punha um melancólico humor, aquele põe nervosa acidez.
Quando se fala em Caiubi atualmente, pensa-se em cerca de seis mil membros virtuais, mas naquela época o número de membros era infinitamente menor, não ultrapassava o que comportava o espaço físico da casa. E, se havia a turma da parceria, como Sonekka, Álvaro Cueva, Marcio Policastro, Zé Rodrix, os letristas (por motivos óbvios), havia também os compositores solitários, como Tito Pinheiro, Vlado Lima, Ricardo Soares e o próprio Max. E eu, que já quebrara a cara algumas vezes ao tentar com forçada sutileza “parceirar” com alguns, senti-me deveras lisonjeado ao receber dele uma fitinha com uma melodia pra eu pôr letra. Só que, quando não é pra ser, não é. Max dera um mote, e havia até uma parte da letra já pronta. E eu ouvi aquela fita uma centena de vezes sem conseguir desenvolver nada que valesse a pena. Daí, acabei guardando-a numa gaveta junto com outras que tiveram igual destino. Só que justamente nessa época me mudei de residência umas três ou quatro vezes, e, quando um dia resolvi procurá-la, não a encontrei mais. Nunca comentei com ele, nem ele comigo, mas levo essa frustração...
A TV Cultura então abriu as inscrições pra seu festival de MPB, o Festival Cultura, e nós nos mobilizamos todos pra gravar nossas melhores canções com boa qualidade, na esperança da classificação, pois um festival desse porte sempre é uma bela vitrine. E, afinal, o Caiubi se saiu bem representado, pois não só Max classificou sua contundente (e polêmica) Classe Média, como outros habitués do Clube também emplacaram canções, como foi o caso de Élio Camalle, Ito Moreno e Celso Viáfora. E o grupo Rossa Nova foi convidado a interpretar uma canção de um compositor do Ceará. Nessa época o Caiubi fervilhou, o público, que já era grande, triplicou, e nossos representantes, sobretudo Max e Camalle, davam um show à parte, Max com sua Classe Média e Camalle com a não menos instigante e polêmica Sai da Cruz. Na rua Caiubi o clima remetia ao dos grandes festivais da década de 60, e saímos todos de lá pra assistir no Sesc Pinheiros às eliminatórias, vestidos de laranja, com o logo do Caiubi, pra chamar a atenção mesmo. Eu, particularmente, torcia pra que Sai da Cruz vencesse, não só porque era uma canção de meu maior parceiro, mas também porque era fantástica. Camalle conseguia no Caiubi , munido só de voz e violão, contagiar o público, e a canção, um baião meio rock'n'roll, tinha um quê de Disparada com toques bíblicos. Mas sabia que seria difícil, pra não dizer impossível, sobretudo pela ousadia do tema. Uma canção que pedia pra Jesus sair da cruz! A do Max, embora polêmica, mexia com situações menos intocáveis, meio como que uma Pra Não Dizer que Não Falei das Flores atual. E, quando vi que, com a banda, arranjada como um roquinho, Sai da Cruz não tinha metade da força da versão em voz e violão, constatei que não ia dar pra ela mesmo.
Pra ser sincero, achei realmente que Classe Média ia ser premiada. Sua letra era um escândalo de boa, a apresentação ao vivo na primeira eliminatória fora ótima, e, de quebra, havia no palco a emblemática presença de Zé Rodrix nos teclados, justamente ele que participara dos festivais da década de 60 como músico. Mas, no final, não deu nem uma nem outra. O clima anos 60 parou nas camisas laranja dos caiubistas. O festival foi tradicionalista, evitou polêmicas e prestigiou canções que iam mais na linha da beleza comportada. Pena. Mas o público, que permanecera apático durante todo o festival, deu seu recado no final, com uma vaia que chegou a conseguir calar o "incalável" (então ministro) Gilberto Gil.
Mas os tempos modernos não se submetem à opinião da "imprensa oficial". Se a Internet é um tanto caótica, também tem seu lado bom, que pode ser analisado pelos sucessos espontâneos. Se um festival organizado por uma emissora estatal procurou fugir às feridas abertas da nação, o boca-a-boca (e, por que não?, o bate-boca) dos internautas levou a canção Classe Média à fabulosa marca de 315.292 visualizações (até a atual que fiz, pra computar aqui) do vídeo oficial no youtube, este. Isso sem falar em dezenas de outros vídeos da mesma canção.
Max Gonzaga andou sumido uns tempos, pois, embora seja profissional da canção, dedica-se a outro hobby, só pra passar o tempo. Nele formou-se, inclusive, e acabou indo parar na África e no Uruguai, onde descansou da música dedicando-se ao tal hobby. Mas agora está de volta, com canções mais nervosas, temas mais atuais, um verdadeiro José Padilha da canção. Mesmo porque, em se tratando de música popular contemporânea, Max é da tropa de elite!
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Ouça algumas das marginalidades de Max Gonzaga aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema
Leia as letras aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/max-gonzaga
Max também está no Caiubi: http://clubecaiubi.ning.com/profile/maxgonzaga
Por Léo Nogueira - http://www.oxdopoema.blogspot.com/
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010
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