quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ninguém me Conhece: 22) O Charme Melancólico de Luhli

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Na época em que participava do grupo RSMB (Rede Solidária da Música Brasileira), encabeçado pelo compositor Madan, e começava a frequentar o Caiubi, ouvi falar pela primeira vez de uma tal M-Música, grupo de discussão sobre música que era uma espécie de fusão da RSMB com o Caiubi, pois possuía o elemento virtual daquele e as apresentações ao vivo deste. Só que, diferentemente destes, seu QG era no Rio. Apesar disso (ou por isso mesmo), nesse grupo havia brasileiros de várias partes do mundo, inclusive trocavam e-mails e faziam parcerias famosos e anônimos que dele participavam. Mexi uns pauzinhos e me fiz convidar, assim que, em pouco tempo, lá estava eu, trocando e-mails com amantes (e fazedores) da música dos mais variados estilos e sotaques. E foi lá que tive o privilégio de conhecer Luli, ou melhor, Luhli.


Figuraça, atuante, espirituosa, intelectual, letrista prolífica, melodista idem, Luhli "fazia um estrago" naquele grupo. Fui me aproximando dela timidamente, engatinhando e esperando que a parceria aprendesse a andar, até que um dia tive coragem de lhe mandar uma letra, e não é que ela musicou? Mas a minha era só uma gota no mar de letras que ela recebia, e de gente mais gabaritada que eu, além do fato se ser ela própria excelente letrista. Daí que paramos nessa filha única. Mas foi, aliás, é, uma bela filha. Chama-se Eternidade. Eis a letra: Pode o mundo se acabar/ Que esse beijo não desmancha/ Avalanche em minha boca/ De loba./ Pode a bússola quebrar/ Que essa noite não se perde/ Que o seu barco em minhas águas/ Se guia./ Pode o sol entrar no mar/ Pode o mar virar sertão/ Cada estrela se apagar/ E brilhar a escuridão/ Pode o mar beber o Rio/ E nevar sobre os Jardins,/ Chão se abrir no meio-fio,/ Que essa noite não tem fim/ A eternidade riu/ Com você dentro de mim.


Mais importante que a parceria foi poder estar perto, ainda que virtualmente, de sua sabedoria. Mas, como nem só de virtualidades vive o homem, chegou o dia de conhecê-la pessoalmente. Luhli veio a Sampa e eu e outros m-musgueiros daqui demos um jeito de sequestrá-la pra nosso convívio numa tarde daquelas. E o cativeiro escolhido foi justamente minha casa. Se não me engano, foi Álvaro Cueva quem a trouxe. Kana fez um daqueles seus almoços de empanturrar, e, morta a fome, tratamos de matar outras fomes. E Luhli não se fez de rogada. Mandou ver! Teceu sua teia, soltou o verbo, cantou, ensinou, foi didática, sedutora, enfim, um encanto. Eu, embasbacado, não sabia como podia caber dentro daquela cabeça tanta coisa boa de ser aprendida. E, quando o assunto era palco, ela deu um banho de informações úteis pra cativar a plateia. Sobretudo ensinou como usar, mais que a voz, o olhar.


A tarde foi pouca. Luhli foi embora, mas deixou sua marca em nossa pele, a ferro e fogo. Também, pudera! A mulher, já na década de 70, quando ainda era apenas a Luli, se mandou do Rio, onde morava, e foi viver num sítio, com a parceira Lucina (e outros bichos-grilos). Lá realizaram o sonho de muita gente então: o da vida comunitária, em contato com a natureza, compondo e plantando. Hippies da gema, viveram o amor livre MESMO, ainda por cima foram as primeiras a lançar um LP independente. Sendo mulheres, tiveram a coragem que muito marmanjo não teria e fizeram coisas de "fazer você tremer dentro do vestido" (by Tavito/Ney Azambuja).


O tempo passou, muita gente boa gravou suas canções, dentre toda essa buona gente o destaque fica por conta de Ney Matogrosso, claro, que se encantou com as moças e gravou uma infinidade de canções delas, podendo ser considerado seu padrinho. Daí as duas resolveram ir cada uma pro seu lado, Luli resolveu meter o H entre o Lu e o Li, e veio desaguar, depois de muito navegar, com as cinco letras de seu nome, no cais da M-Música, onde encontrou porto seguro pra fazer tantas letras outras e um mar de canções.


Canções estas que, por sua vez, praticamente saíram no tapa pra ver quais delas teriam o privilégio de entrar num CD que a artista lançou no ano de 2006 e que se chamou simplesmente Luhli. Quinze tiveram a honra. As outras, pra nossa tristeza, esperam nova oportunidade. Fui ao show de lançamento no Sesc Vila Mariana e saí de lá maravilhado, com o CD debaixo do braço. E vou confessar uma coisa: na última década ouvi poucos CDs tanto quanto este. Um trabalho primoroso! Simples, econômico, percussivo e melódico, poético e interpretativo, uma obra-prima de Luhli, que poderia dizer: "Sou Luhli com H, e como sou!". Infelizmente a Atração, gravadora que lançou o disco, não fez jus ao nome e deixou a desejar na distribuição. Faltou atração...


E eis que Luhli resolveu fazer outra de suas estripulias. Mudou-se novamente, não sei ao certo se pra novo sítio, o que sei é que pelo que me consta o lugar anda meio que de relações cortadas com a ilustríssima sra. Internet, de forma que Luhli teve que nos abandonar. E, se ela fazia um estrago grande na M-Música, sua saída causou um estrago maior, pois nos vimos privados de ouvir/ler em primeira-mão seu verbo musical. Azar o nosso. Enquanto teclamos por aqui, tenho certeza de que lá no fundo azul, na noite da floresta, a lua continua iluminando a dança, a roda, a festa.


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Ouça algumas das charmosas melancolias de Luhli aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/oxdopoema


Leia as letras aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/luhli-2



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P.S. Acabo de receber, em comentário do Denílson, abaixo, um link pra deliciosa e esclarecedora entrevista que Luhli concedeu a Tatiana Rocha, que a postou em seu blog. Pra quem não conhece o trabalho de Luhli e achou meu texto um tanto vago, vá lá ler a entrevista, aqui: http://coisarara.blogspot.com/2006/11/entrevista-com-luhli.html

Por Léo Nogueira - http://www.oxdopoema.blogspot.com/



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