A primeira vez que ouvi falar de Alexandre Lemos, se não me falha a memória (e ela costuma falhar!), foi numa segunda autoral no antigo Caiubi, ainda em Perdizes, pela boca de Sonekka, enquanto este apresentava as duas canções que lhe cabiam. Em dado momento, entre a primeira e a segunda canção, disse ele: “Alexandre Lemos, pra mim, é o maior compositor vivo!”. Tomei um choque. Como é que eu nem sequer conhecia um compositor que pra um parceiro chegado era simplesmente o maior vivo? Fiquei encafifado, mas o tempo passou e acabei esquecendo o dito cujo.
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Certa noite, tempos depois, no mesmo endereço, eis que me deparo com o compositor em pessoa, que havia vindo do Rio não sei se pra conhecer pessoalmente o tão falado Caiubi ou pra fazer algum show. Não importa. O importante era que ele estava lá, e, finalmente, eu ia poder conferir com meus próprios olhos (e ouvidos), o fenômeno ALemos (pros íntimos). Confesso que fiquei frustrado. A apresentação foi morna, as canções não me chamaram a atenção de modo especial e a própria figura de ALemos me pareceu um tanto séria, pra não dizer sorumbática, o que não combina muito, convenhamos, com o que se imagina de um compositor popular. Ainda mais sendo carioca e num palco paulistano.
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Mas Alexandre Lemos não é dado a estereótipos, e, quase mineiramente, desde aquela noite, seu nome não parou mais de me rondar. Ora ouvia Sonekka cantando mais uma parceria com ele, ora era Lis Rodrigues quem cantava uma pérola do moço, ora mais outro, e mais outro. Os CDs que eu adquiria “vira e mexe” continham seu nome entre os compositores do repertório. Luhli, Guilherme Rondon, Fred Martins... A lista era grande. E lá vinham Tavito, Zé Rodrix, cantar uma parceria com ele ou simplesmente falar a respeito dele e de como ele era fabuloso. Calhou mesmo que um dia, em casa de minha parceira Bárbara Rodrix, no intervalo de um trabalho de lapidação de uma parceria nossa, eis que ela me mostra uma letra quilométrica e me diz: “É uma letra do ALemos que eu musiquei. Quer ouvir?”. Quis. E ouvi. Foi a gota de outra água! Quando me dei conta, estava com os olhos marejados, arrebatado, como que em transe.
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A partir de então comecei a prestar mais atenção em suas canções e cheguei à conclusão de que jamais ouvira nada dele que não fosse bonito, muitas eram mesmo geniais. Não chegava a ponto de dizer que era “o maior compositor vivo”, mas seguramente ele passou a fazer parte de meu exigente rol de compositores relevantes. O que não é pouco! Lembrei-me de que algumas das canções mais belas do mais recente disco de Luhli eram parcerias com ele; da mesma forma, no disco Tr3s, do Rondon, fora parcerias belíssimas com o talentoso Fred Martins e outras tantas que foram apresentadas num show em dupla com Sonekka, no Villaggio Café.
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Mas Alexandre Lemos acabou realizando o sonho de muitos bichos-grilos que passaram os anos 70 ouvindo Casa no Campo (de Tavito e Zé Rodrix). Se mandou do Rio e foi morar em Minas... Numa casa no campo! E em pleno século 21! Por conta disso, foi mais um que abandonou o povo da M-Música (ver texto sobre Luhli). Mas foi, ironicamente, justamente nessa época que recebi um e-mail dele no qual me convidava a uma parceria. Não preciso dizer que fui tomado por uma grande alegria. Não é todo dia que um baita compositor, assim do nada, resolve nos convidar a parceirar. De bom grado aceitei. Enviei-lhe uma letra e ele me enviou uma melodia. Em poucos dias eu havia letrado a melodia dele e ele, por sua vez, havia musicado minha letra. Só que aí o destino pôs suas manguinhas de fora. A gravação que ALemos havia me mandado chegara cortada, de forma que eu não consegui entender a melodia inteiramente e acabei compondo uma letra sobre o que havia ouvido. A letra ficou boa, mas ele não conseguiu fazê-la caber na melodia que fizera. Em contrapartida, também minha letra que ele musicara fora por ele alterada um pouco. Sobre essa alteração fiz outras considerações, e esse pingue-pongue de e-mails, por conta de sua Internet a lenha, acabava sempre sendo muito demorado, o que finalmente nos cansou (mais a ele que a mim). Os e-mails minguaram sem que houvéssemos chegado a um veredito a respeito de nenhuma das duas. Uma parceria que prometia morria assim, de forma lamentável.
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Só pra efeito de registro, seguem as duas letras. A primeira, a que ele musicou, que acabou se chamando Terra do Sempre, também o nome de sua fazenda:
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Guardo em mim filosofias de botequim/ Frases de para-choque de caminhão/ Calma de nascença/ Fórmulas complexas em que o crime não compensa/ No sótão do coração./ Guardo em mim um elixir que nunca chega ao fim/ No porão, manifestos antissolidão/ Crônicas alheias/ Um harém secreto onde as belas são as feias/ Um sábado, um verão./ Guardo em mim/ No meio da sala um jardim/ E um túnel que vai dar no Japão/ Um casaco pras noites de amizades frias/ Um calor de dar inveja ao sertão./ Guardo em mim ainda o pó de pirlimpimpim,/ Pra que a Terra do Sempre seja onde eu for/ Todo o pó da estrada/ E a conclusão de que a viagem dá em nada/ Pra quem vai sem amor.
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A segunda, depois de muita discussão (no bom sentido), intitulamo-la Colisão (ainda que até hoje seja um título provisório):
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Ainda vou caminhar/ Sobre teu mar, como um cristo/ Sem me lembrar de que eu não sei nadar/ Navegar no imprevisto/ E me entregar ao risco/ Nas águas da tua mão/ Fosse eu a embarcação./ Ainda vou viajar/ Até tocar tua lua/ Sem me lembrar de que eu não sei voar/ Quem sabe, eu te possua/ Com asas de astronauta,/ Na alta imensidão,/ Dois corpos colidirão./ Enquanto os astros todos dormirão/ Vou entrar como um ladrão/ Do teu coração me apossar/ Vou te levar pra outra estação/ De onde trens só partirão/ Pra um destino que desatinar./ Ainda vou transformar/ Em oásis teu deserto/ Sem me lembrar de que a miragem há/ Vou me sentir liberto/ Sem descansar, decerto/ Até os ventos vão/ Me mostrar a direção./ Ainda vou atear/ Fogo às vestes do teu gelo/ Sem nem lembrar sequer de respirar/ Vou te inflamar em pelo/ No teu iglu-castelo/ Despertar o vulcão/ Que mora em tua prisão./ Enquanto os astros todos dormirão [...]/ Abre as portas do teu sonho/ Que eu me ponho lá.
Muito tempo depois, Affonso Moraes convidou a mim e a Kana pra uma reuniãozinha em sua casa. Lá encontramos, de prosa com Zé Rodrix, ninguém menos que Alexandre Lemos! .
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Novamente me senti muito alegre, pois pensei que pessoalmente pudéssemos encontrar o entendimento que não lográramos por ondas tortas. Novamente me frustrei. Encontrei-o distante, desinteressado de mim. Quando nos despedimos, amenidades... Ainda o encontrei uma ou duas vezes, mas a verdade é que nunca houve por parte dele interesse real em que essa parceria vingasse, apesar de a ideia ter partido dele.
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Este era pra ser um texto elogioso, acabou um manifesto em defesa de minha falta de tato em lidar com a rejeição... Relevem. Em meus textos sou assim mesmo, inteiro. Mesmo correndo o risco de mostrar uma face não maquiada. Picuinhas à parte, o mais importante disso tudo, como diria Zé Rodrix, são as canções. E Alexandre Lemos sabe fazê-las como poucos.
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Sorumbático ou não, é um compositor maior, o que é melhor que ser um risonho medíocre (estou falando sob o viés musical, entendam-me!). Quanto às nossas duas meias canções, quem sabe um dia, numa terra do sempre, entrem em colisão...
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Ouça alguns dos fragmentos intactos de ALemos aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema
Leia as letras aqui:
http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/alexandre-lemos-1
ALemos também está no Caiubi: http://clubecaiubi.ning.com/profile/AlexandreLemos
Por Léo Nogueira
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