terça-feira, 23 de novembro de 2010

RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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O VIRA
(João Ricardo/Luhli)

O gato preto cruzou a estrada
Passou por debaixo da escada
E lá no fundo azul, na noite da floresta
A lua iluminou a dança, a roda, a festa
Vira vira vira,
Vira vira vira homem, vira vira
Vira vira lobisomem
Bailam corujas e pirilampos
Entre os sacis e as fadas
E lá no fundo azul, na noite da floresta
A lua iluminou a dança, a roda, a festa
Vira vira vira,
Vira vira vira homem, vira vira
Vira vira lobisomem
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Então, foi assim...
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A ligação da cantora, compositora, arranjadora, artesã e instrumentista Luhli1 com os elementais já lhe rendeu bons frutos, inclusive financeiros. Foi o caso de O Vira, em que ela afirma ter sido um presente do povo pequenino: fadas, gnomos, sacis... “Essa musiquinha tão simples foi meu primeiro grande sucesso comercial, me deu dinheiro e até hoje me dá, tem inúmeras gravações e nunca deixa de ser cantada. Faz parte da alma do povo.”2

Lá pelos idos dos anos de 1970, com o país vivendo o tenebroso momento da ditadura militar, Luhli viajou a São Paulo. Seu marido, que era fotógrafo, fora contratado para fazer parte da equipe do filme Roberto Carlos a 300 km por hora, rodado no Autódromo de Interlagos. Chegando lá, a convidaram para cantar no Curtiço Negro, localizado na Rua Santo Antonio, no Bexiga, bar de propriedade de um membro da equipe, onde cada dia da semana um artista ou grupo diferente se apresentava. Um deles era o Secos e Molhados, grupo de um jovem português cabeludo que tocava violão e ao mesmo tempo gaita e que imitava John Lennon. O nome dele: João Ricardo3. Este jovem tinha umas músicas e pediu a Luhli para colocar letras. Ela aceitou. Foram tardes e tardes colocando letras nas músicas dele e comendo os bolinhos de bacalhau que a mãe do moço preparava. “Fizemos umas oito ou nove parcerias, quatro foram gravadas, três pelo grupo dele e uma pela cantora Maria Alcina.”

Uma dessas músicas foi O Vira, que era uma gozação com o vira português, o vira-vira das rodadas de chope e ao próprio autor.

“Tocávamos, cantávamos e conversávamos. Ele me contou de seu projeto de fazer um disco de rocks e baladas bem simples sobre poemas de autores publicados e consagrados. Era uma idéia genial como estratégia para escapar da censura, que naqueles tempos de ditadura reinava absoluta. Hoje em dia as pessoas não têm noção do que era a censura e do impacto que foi ouvir letras como Tem gente com fome, Patrão Nosso de Cada Dia, Sangue Latino e Rosa de Hiroxima. Esse impacto foi um fator fundamental no sucesso do grupo”, relembra Luhli. Além, é claro, do carisma de um dos integrantes.

O encontro de Luhli com João Ricardo não ficaria só nas parcerias musicais. Foi além. Dessa vez os pequeninos talvez desejassem presentear o Brasil.

“Quando o João Ricardo me perguntou se eu conhecia alguém que pudesse ser o cantor do grupo, lembrei do Ney4 [Matogrosso]. Ney era um amigo meu, que fazia artesanato pra viver, e que eu o acompanhava ao violão nas reuniões de som, na minha garagem tijucana. Trouxe o João ao Rio, apresentei os dois... e o resto, todo mundo sabe.”

Lulhi está se referindo ao polêmico grupo Secos e Molhados, criado em 1972, por João Ricardo, Gerson Conrad e Ney Matogrosso e que, apesar de sua breve duração, é considerado um dos grupos mais importantes de rock no Brasil.


1 Heloisa Orosco Borges da Fonseca 19/6/1945 Rio de Janeiro-RJ.
2 Entrevista concedida ao autor, em março de 2007, pessoalmente em Brasília e por e-mail.
3 João Ricardo Carneiro Teixeira Pinto 21/11/1949 Ponte do Lima, Portugal.
4 Ney de Souza Pereira.
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Ruy Godinho
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Um comentário:

  1. é uma pena não falar dos grandes musicos que tocavam no curtiço, como Edison Machado, Ion Muniz,Alfredo Nascimento e tantos outros que viveram e vivem ainda no exílio e no anonimato,
    injusta memória brasileira..

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