quarta-feira, 7 de outubro de 2009

SERTÃO D'ÁGUA - VILA DO PINHEIRO

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continuação...



Vila do Pinheiro





Na estação do Pinheiro, Dália embarcou Isabel e voltava macambúzia, mal ouvindo o que Batino conversava com ela. Na noite anterior Pai Constâncio lhe dera um banho de gamela e uns apalpões, ela tinha nojo dele como homem, sabia das filhas de Iansã, mas não queria o mesmo. Absorta em seus pensamentos nem notou quando o trem passou e Isabel acenou despedida, foi preciso que Batino lhe apontasse. Como iria contar a ele que Pai Constâncio tirou graça com ela? Mas como não contar? A irmã dele viu, e era muito fofoqueira. Melhor contar logo a Batino, se tivesse que ser, tomava logo a surra. O que queria mesmo era acabar com a agonia que sentia. Quem sabe ele desse uma coça em Pai Constâncio, aquele sem vergonha. Pensava Dália.

- Na estação do Curro não se fala noutra coisa a não ser da morte do carregador, no furo, perto do Porto do Sal. Raimundico do Combu morreu de susto quando viu a visagem - ela ataca a qualquer hora, disseram. Já apareceu um morto no Ver-o-Peso, a polícia está lá de prontidão. Saiu até em jornal, contava Batino, sem que ela prestasse nenhuma atenção. Juntava coragem, mas ele só pensava no igarapé. Quando lá chegaram, ele queria logo, ela conversar primeiro, resolvida a falar tudo. Quando começou, ouviu o barulho. Viraram-se e viram de costas a visagem na montaria saindo do igarapé, gemendo ronco... Correram o que puderam, saindo mato afora, com o susto. Dália, ofegante, esperou voltar a respiração ao normal, Batino acalmar-se também, aí começou a contar. Ele, valente que era, correr da visagem, já o tinha deixado diminuído e nessas horas se enfurecia com violência.




Ela não avaliou que a hora não era boa e falou do assanho de Pai Constâncio, contou da noite anterior que ele a apalpou no terreiro, quando tomava banho de gamela, encostou na bunda e falou no ouvido, convidando.



Batino, que ouvia tudo calado, de cabeça baixa, desgovernou-se. Espadaúdo que era, bastou um tapa só: ela caiu rolando pelo barranco, ele em cima, com pontapés na cabeça. Esbravejando e xingando:

- Tu deitou com ele... tu não presta, tu te oriente ... tu deu pra ele... e saiu com os pés sujos de sangue deixando o corpo da moça com a cabeça arrebentada no meio das canaranas.

Quem a achou foi seu Frauzino, tocador de requinta, que sempre num final de tarde ia ali, naquele mato, ensaiando toque, aprendendo com as pipiras. Assustado, pareceu reconhecer a filha do Lico Foguista. Correu em casa gritando para o cunhado ajudar, que tinha achado uma moça morta com a cabeça espocada. Mandou chamar o foguista, que chegou quando eles a traziam pelo caminho, confirmando em prantos ser a filha. Dava dó ver seu Lico abraçando-a, sentado no chão, chorando.



Batino vigiou a casa do pai de santo até surpreendê-lo sozinho com uma terçadada na cabeça. O corpo desfalecido, arrastou até o alagado do fundo, onde o sangrou pelo pescoço, quase decepando a cabeça. Dali saiu sem que ninguém o visse depois de se lavar do sangue. O corpo com a preamar iria dar no trapiche do Ferreirinha e a tal da visagem levaria a fama. Pensava Batino.


Quando ia virando o canto da rua, sua irmã vinha correndo buscar Pai Constâncio e contou-lhe abraçada, chorando, que Dália tinha sido vítima da visagem, estava morta com a cabeça toda esmagada. Batino por um instante quis falar à irmã que era só uma peia que queria dar, mas ficou calado e começou a chorar junto. Por dentro, pensava no tanto que gostava de Dália, mas já que estava feito, que a visagem levasse a fama pelos dois.


Pai Constâncio foi encontrado assim que a maré subiu, enganchado na palafita da casa do Ferreirinha, ainda com o sangue quente e sanguessugas por todo o corpo.


O assombro foi muito grande. A Vila inteira compareceu ao terreiro onde velavam os mortos. Cada um contava o acometimento da visagem de um jeito: uns diziam que eram mais de uma centena e só atacavam perto d’água; outros que elas já tinham encostado as montarias e vinham pelas ruas. O medo foi tomando conta, muitos procuravam a estação para sair da Vila. No trapiche, o medo se alastrava, em pouco tempo as pessoas saindo a pé pareciam formar uma procissão.

continua...


MQ

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