terça-feira, 20 de outubro de 2009

SERTÃO D'ÁGUA - PENSÃO DA FLORETE

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continuação...


Pensão da Florete



- Morro de medo dele não me querer mais, mudar o costume. Sem fama é melhor. Em que minhas letras vão adiantar de hoje em diante? Fui ensinando, corrigindo o que escrevia... igual com Ranulfo. Agora só no jeito dele mostrar o jornal, vi! vai me querer de um outro modo, querer me montar casa, e pra rabicho, fica com a Duca espanhola. Já vi o jeito dele olhar pra ela.

- Ajudei, ajudei tanto... ele me quis por isso. Lambuzar no saber garantido da professora, da amante de Ranulfo, trocada por coisa nova. Veio, veio querendo a sobra do já famoso, me importar por quê? Nunca importei, gosto. Gostei de tantos homens... não fosse assim tinha ficado na escola tolerando o Tadeu, querendo, querendo e me tendo... um falso, negando tudo pra irmã Alva, me deixando falada. Até os alunos querendo, e eu também querendo escondido; querendo descarado na rua, ensinando, querendo conhecer logo uma pensão de quartos.

- Gostei, gostava e gosto de muitos num dia só, mas de um só pra chamego. Quero cuidar, acordar com um pensando que é ele; esconder o vinho quinado de dona Florete... meu dinheiro, dele. Dar roupa nova, tirada do meu corpo, que depois tiro do dele.

- Fazia conta de querer amasio em casa no Reduto não! Queria era ele, esperando outros homens acabar de deitar comigo, depois ele dentro da minha carne, desfrutando dum pedaço que cada um deixava escondendo porta a-dentro do quarto.

- Tinha tristeza ver ele mostrar o jornal, cada palavra saída de mim, Dulcina, professora do Instituto; de mim, Dulcina, desamasiada do jornalista Ranulfo, da Província. De mim, Dulcina, contentando com seu terno de brim, com seu jeito franzino de esperar na sala a freguesia sair. Esperar o gole do vinho quinado surrupiado deles, o meu corpo surrupiando o dele.

- Minha vida era minha vida do jeito que quis, que todos os homens queriam. Dona Florete sabia porque ficava na sala a polaca, chegada recente, a Carmem espanhola, de lábios carnudos, não sabia. Fingia barato, mas Cheiro Verde criava fama, como criou Ranulfo no tempo dele. Eu gostava de fingir que não gostava. Fingir obrigação, mas os homens no meu quarto queriam minha verdade, meus modos de tirar as deles.

- Era assim que era. Assim como nem Ranulfo, nem Cheiro Verde nunca perceberam. Ia na procissão. Ia sim, com minha mantilha espanhola e minha fé.

continua...


MQ
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