sexta-feira, 24 de abril de 2009

CINCO QUADRAS - Entreatos

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A distância era de pouco mais de cinco quadras. Na porta, consultou o relógio; olhou distraído para a rua, sentiu a primeira pontada e não sentiu a mão direita.


Nos primeiros passos, a falta do braço inteiro. Olhou a esquina e uma das pernas foi como se tivesse sido arrancada de um puxão. Olhou para os lados, querendo passar despercebido; a outra mão, com o braço inteiro, entorpeceu, não sentiu mais.


Mal chegou na esquina da quadra, a outra perna. Olhou no relógio de novo, o tempo conspirava. O sexo e a bunda pareciam cortados pouco acima do umbigo. Suou frio, olhou a próxima esquina; suou mais ainda, despercebeu até o pescoço.
Aflição, o tempo, a próxima quadra, e a nuca ficou como se flutuasse no ar, até que não a sentisse mais. As horas, a calçada, um torpor. Acontecia.

Perdeu o cheiro, o gosto começou escorrer deixando um rasto. O tempo, a penúltima quadra era a praça - e os olhos foram sumindo bem devagar, mas a boca e o resto do rosto arrancado como se tirasse, em outro puxão, a máscara.


Na quarta quadra, por último, os pés se distanciaram dos dele e pode vê-los, tão belos, caminhando na frente; andavam para uma intensidade, para outras vidas.

Acompanhou sem lágrimas cada passo. Olhou em volta. Todos o observavam ali parado. Um corpo disforme e vazio que precisava andar.

Suspirou, olhou o relógio, continuou até a esquina. Pronto. Tinha acabado.


Estava só com a sensação de tê-la ainda totalmente dentro de si.
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MQ
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