sábado, 18 de abril de 2009

CAMILO DELDUQUE

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O Zé João morreu


Quem sabe assim, lá por cima sobre as nuvens, o José João da Silva descanse. Lugar de santo é mesmo no céu.


Negão imponente montado em um largo sorriso branco, operário carpinteiro pela graça divina, o Zé João brincava dizendo que aprendera parte do ofício marcando, por hora, os degraus da escada do trapiche de Bujarú; de acordo com a subida da maré. Com grande maestria sabia usar as largas mãos habilidosas. E sempre festejava no sorriso a humildade de não saber mandar e sim executar as artes de sua profissão.

Estudantes de engenharia e arquitetura, estagiários crus, muitos, aprenderam com o Zé vendo e olhando a feitura dos telhados, a constituição dos planos de cobertura, o carinho do corte correto das madeiras, a arrumação dos ganzepes nos assoalhos, o alinhamento das telhas, o entarugamento das forrações, os componentes da esquadrias. Enfim todos tiveram o prazer de aprender um pouco da sabedoria daquele homem simples.

Trabalhador honesto satisfazia-se com as migalhas que recebem os operários da construção civil. Era explorado mas tinha a grandeza de precisar somente do necessário e não necessitar de explicações sociológicas para ser feliz.

O Zé tinha um martelo enorme. Quando o empunhava era um maestro segurando a batuta fazendo o seu som de construção. Um belo som. A melodia de graça para quem ele, às vezes, nem conhecia.

Os anos passaram e o José João da Silva, depois de contribuir para governos; Sindicatos e outros abstratos ladravazes; aposentou. Mas só na carteira, com o salário de merda que o INSS oferece às caveiras do seus contribuintes de anos a fio. Assim o Zé precisou voltar a trabalhar porque conseguiu uma casa na Cidade Nova e queria reformar aquela velhacaria habitacional feita mais para lubrificar a lábia dos políticos que para abrigar o valoroso José João da Silva. Quando o Zé iniciou a reforma a adaptação da casa - com projeto elaborado - teve o sobressalto de ser multado exatamente pelo Crea-Pa; pelo Conselho de engenheiros e arquitetos que mama do suor alheio os proventos para as suas idiossincrasias. Ninguém perguntou para escutar a história de vida honesta do velho operário competente que sabia fazer mais bonito os sonhos alheios. Ele mesmo que ensinou aos técnicos teóricos a prática de executar não podia, agora, remendar a sua própria casa. Nesse dia o Zé João não precisou chorar porque ele era acima dessas mesquinharias encravadas na burocracia dos panacas.

Agora o José João da Silva morreu. E com ele uma sabedoria que não se aprende na escola.

O poeta Hélinand de Froidmont monge francês da Idade Média escreveu na 9ª estrofe do poema "Os Versos da Morte": Morte... os prudentes têm muito pouco / Mas o avarento não está feliz / Porque ele não sabe nada possuir /....Morte, que boa peça seria te pregar/ Acertar a pobreza e / Ir nu para ti quando tu queres.

O Zé subiu. Com certeza nu para ficar lá em cima sobre as cabeças das pessoas miúdas que mendigam o saber que só cabe inteiro nos homens humildes.


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